O blog de André Kenji tem vários excelentes textos sobre política nacional e internacional, economia, educação, infra-estrutura e mídia, mas em relação ao mais recente post do autor, sobre a seleção de estudantes nas universidades brasileiras, eu tenho tantas discordâncias que decidi escrever um post aqui, ao invés de deixar um simples comentário lá.
André Kenji diz que o vestibular da forma que é aplicado pelas universidades brasileiras é ruim porque:
1) Aplica uma prova única para o ingresso a todos os cursos, e portanto, não mede as habilidades específicas
2) O formato da prova estimula a propagação de cursinhos que ensinam coisas que os estudantes esquecerão depois, como resumos de livros e fórmulas cantadas de Química
3) O conteúdo exigido pela seleção para as universidades brasileiras desestimula que estudantes de Ensino Médio realizem atividades extra-curriculares, como esportes e língua estrangeira
4) Por causa da pouca exigência de conhecimento de língua estrangeira no vestibular, há pós-graduandos monoglotas
Concordo plenamente com a quarta crítica. Já vi na faculdade situações em que havia somente tradução em Espanhol de texto em Inglês e alguns estudantes preferiram a tradução em Espanhol ao original em Inglês, não porque falavam Espanhol, mas porque era mais parecido com Português.
Concordo parcialmente com a segunda crítica. Realmente, são exigidos muitos detalhes de Física, Química e Biologia, o que estimula o ensino das fórmulas cantadas. Mas ainda assim o conhecimento destas disciplinas deve ser testado para candidatos a qualquer área, porque analfabetismo científico é ruim em qualquer área. Já houve um caso de uma revista científica, escrita por jornalistas, que confundiu o i da corrente elétrica com o i dos números complexos. E eu que sou da área de Economia percebo como foi importante ter aprendido ciências naturais no Ensino Médio. O conhecimento da Teoria da Evolução facilita a compreensão de textos de autores neoschumpeterianos. O conhecimento da Teoria da Evolução também tem outras finalidades. É muito difícil desvincular Economia de Política. E o atual debate entre Dawkins e os criacionistas norte-americanos tornou-se um debate político. Não é possível compreendê-lo sem ter estudado Biologia no Ensino Médio. Um tema muito debatido durante a última eleição presidencial foi o aborto. O ensino de Biologia facilitou a formação de uma opinião sobre este assunto, ao demonstrar que um feto de um mês não é um bebê em miniatura. Física é outra disciplina muito importante para economistas, que discutem muito sobre políticas sobre regulação de energia elétrica. É difícil discutir este tema sem saber que watt é unidade de potência, watt-hora é unidade de energia, e que transmissão em longas distâncias gera perdas. Fora as fórmulas cantadas, os estudantes não esquecem tão rápido o conteúdo de ciências naturais.
O mesmo vale para a literatura. Alguns estudantes não lêem livros inteiros, outros lêem. E mesmo o resumo é melhor do que nada. Literatura é um tema de cultura geral. Brasileiros, mesmo engenheiros e matemáticos, deveriam ter alguma noção de Machado de Assis, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.
Eu não considero o modelo atual de vestibular o ideal. Os conteúdos de Física, Química, Biologia, História e Geografia deveriam continuar existindo por serem cultura geral importante para a vida, mas reduzidos por serem fonte de decoreba. Peso maior deveria ser dado para Português, Inglês (mesmo para candidatos a cursos de exatas) e Matemática (mesmo para candidatos a cursos de humanas) porque estas disciplinas além de serem indispensáveis em qualquer área de formação, medem mais a capacidade do candidato de adquirir novos conhecimentos do que o estoque existente de conhecimentos.
Mas ao contrário do que defende André Kenji em sua primeira crítica, eu sou a favor de uma prova única. Já existem testes de aptidões para cursos de artes. Por que outros cursos precisariam medir aptidões específicas? Outros cursos necessitam capacidade de leitura, interpretação, escrita, e raciocínio lógico. O restante é o conteúdo que se aprende no próprio curso.
Assim como o que ocorre com a primeira, também tenho grande discordância em relação à terceira crítica. Bons alunos sabem conciliar tempo de estudo com alguma atividade extra-curricular. Excesso de dedicação a uma atividade extra-curricular específica não é recomendável quando quem a realiza não tem vocação para viver dela. Nisso eu concordo com o economista David Audretsch. Embora ele seja um grande entusiasta do modelo universitário norte-americano, ele é grande crítico da ênfase exagerada dirigida às práticas de esportes e cherleading. Para este economista, vivemos em uma era pós-fordista e pós-indústria de massa, em que conhecimento é dinheiro. Nesta era, praticar competitivamente com muita freqüência uma atividade esportiva, mesmo sabendo que não vai viver dela, é perda de tempo.
sábado, 26 de março de 2011
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