sábado, 4 de julho de 2015

Sobre a falácia de que "é bom pra democracia existir uma direita"

Provavelmente, muitos já ouviram a seguinte afirmação
"Podemos não concordar com as ideias de Jair Bolsonaro, Eduardo Cunha, Marco Feliciano, Álvaro Dias e Coronel Telhada, mas é bom para a democracia que eles existam. Da mesma forma que uma democracia forte deve ter uma esquerda, também deve ter uma direita".
Ou então
"O Brasil não tem direita. O máximo de direita que o Brasil tem é o PSDB, que não é exatamente de direita. É importante para a democracia que exista uma direita".
Quem fala essas coisas certamente está falando merda. É óbvio que uma democracia exige liberdade de opinião, liberdade de organização e pluralismo ideológico. Portanto, deve haver a possibilidade de existir diferentes partidos políticos, uns mais à esquerda que os outros, outros mais à direita que os uns.
Porém, esquerda e direita são termos relativos. Não existe uma régua absoluta para medir o que é esquerda e o que é direita. Não existe um Political Compass absoluto. Isto vale tanto para indivíduos diferentes, quanto para lugares diferentes, quanto para épocas diferentes. Em relação a indivíduos, sabemos que um esquerdista pode considerar que um centrista é direitista, e que um direitista pode considerar que um centrista é esquerdista. Em relação a lugares, sabemos que por muito tempo, a política da França esteve mais à esquerda do que o espectro político dos Estados Unidos. Um gaullista, que é a direita no espectro político francês, não era muito diferente de um democrata, que é a esquerda no espectro político norte-americano. Equivalentes aos republicanos norte americanos não são muito fortes na França e equivalentes aos socialistas franceses não são muito fortes nos Estados Unidos. Em relação a tempo, sabemos que o mundo atual está à direita do que era no imediato pós Segunda Guerra Mundial e à esquerda do que era no século XIX. Defender sufrágio universal nos dias de hoje é apenas um pré-requisito para não ser dodói (a Veja é dodói e por isso não defende). Defender sufrágio universal era uma posição de extrema-esquerda no século XIX. Ser keynesiano era ser centrista no imediato pós Segunda Guerra Mundial. Ser keynesiano nos dias de hoje é ser de esquerda.
Portanto, não adianta um simples indivíduo tirar da bunda uma régua própria sobre o que é esquerda e o que é direita e decidir que o espectro político do Brasil tem que se distribuir de forma equilibrada nesta régua. Se Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves foram os mais direitistas entre os candidatos competitivos a presidente do Brasil, eles são a direita no espectro político brasileiro e ponto final. Os brasileiros tiveram a opção de eleger políticos ainda mais à direita e não fizeram porque não quiseram. Isto é democracia. Esperidião Amim e Enéas Carneiro concorreram em 1994. Perderam feio. Enéas concorreu de novo em 1998. Perdeu de novo. Levy Fidelix e Eymael concorreram em 2010 e 2014. Tiveram votação ridícula em ambas as oportunidades. Pastor Everaldo concorreu em 2014 e perdeu feio também. . Ainda assim, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves não são totalmente "a direita" no Brasil, pois há deputados muito mais conservadores do PSDB, PMDB, DEM e PP em plena atividade. E mesmo se não houvessem políticos ainda mais conservadores, seria perfeitamente democrático que a direita no Brasil fosse os quatro tucanos citados, desde que esta opção não fosse imposta pela força. Se no Brasil a esquerda fosse o PSDB e a direita fosse o DEM, por vontade popular e não pela força, o sistema político não deixaria de ser democrático. Se no Brasil a esquerda fosse o PSOL e a direita fosse o PT, por vontade popular e não pela força, o sistema político não deixaria de ser democrático.
(Se no Brasil, a esquerda fosse o PSDB e a direita fosse o DEM por causa da possibilidade do poder econômico remover outras opções, aí não seria tão democracia assim)
Se o povo decidir rejeitar fundamentalistas, machistas, racistas, homofóbicos, pobrefóbicos e saudosistas da ditadura, e eles não tiverem boas perspectivas eleitorais, isto é manifestação da democracia e não negação da mesma. Eles não precisam existir só porque na régua de um ou outro reaça, ser neoliberal é apenas ser de centro, e que pra ser de direita é necessário ser machista, racista, homofóbico e pobrefóbico, e que o Brasil ser uma "boa democracia", é necessário que alguém se encaixe como direita nesta régua. Pior: os brasileiros já vem elegendo machistas, racistas, homofóbicos, pobrefóbicos e saudosistas da ditadura.
É legítimo que a esquerda, desde que não seja pela força e sim pelo poder de governar bem e convencer bem, tente tornar inviável alguma força política que se pareça com a direita em outros países. E que a direita tente tornar inviável alguma força política que se pareça com esquerda em outros países. Exemplo disso é o Reino Unido. Depois que Clement Atlee deixou o poder em 1951, Winston Churcill e os conservadores subsequentes não destruíram o que Atlee fez. Depois que Tony Blair assumiu o poder em 1997, ele não destruiu o que Margaret Thatcher e John Major fizeram.
Portanto, quem diz
"Podemos não concordar com as ideias de Jair Bolsonaro, Eduardo Cunha, Marco Feliciano, Álvaro Dias e Coronel Telhada, mas é bom para a democracia que eles existam. Da mesma forma que uma democracia forte deve ter uma esquerda, também deve ter uma direita"
na verdade concorda com as ideias dos nomes mencionados, mas decidiu ainda não sair do armário.


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