Depois de um mês de negociações apos a vitoria nas eleições parlamentares de 27 de setembro, CDU, CSU e FDP finalmente firmaram o contrato (um PDF de 124 paginas) para dar inicio ao novo governo. 11 anos depois da saída de Helmut Kohl, a Alemanha volta a ter um governo completamente de centro-direita.
Foi definida também a nova equipe. Como de costume, o partido minoritário da coalizão, o FDP, terá o Ministério das Relações Exteriores, que ficara com Guido Westerwelle, o líder do partido. Ele substitui Walter Steinmeier, o candidato derrotado do SPD. O FDP também fica com os ministérios da Economia, da Justiça, da Saúde e do Desenvolvimento. O CDU, da chanceler Angela Merkel, fica com os ministérios do Interior, das Finanças, do Trabalho, da Família, do Meio Ambiente e da Educação. O CSU (irmão do CDU na Baviera) fica com os ministérios da Agricultura, da Defesa e dos Transportes.
As principais rupturas em relação ao governo de grande coalizão entre CDU/CSU e SPD, entre 2005 e 2009, estão nos impostos, na saúde, e na política energética. A nova coalizão pretende reduzir o imposto de renda das faixas mais elevadas de renda, mas acabar com o déficit do setor publico no longo prazo. Na saúde, a intenção é liberalizar o sistema (enquanto Obama tenta desliberalizar), desvinculando a contribuição ao seguro da renda do usuário. Pretende-se também introduzir mais concorrência entre as asseguradoras. A política de energia havia sido um dos temas eleitorais mais acalorados. A vencedora coalizão pretende prolongar o funcionamento das usinas nucleares.
Outro tema que foi controverso na campanha foi a introdução do salário mínimo por lei (a Alemanha é o único pais desenvolvido que não tem). Os três partidos de esquerda derrotados eram favoráveis a introduzir um salário mínimo. É pouco provável que a coalizão liberal-conservadora tome essa medida.
Política externa na Alemanha costuma ser consenso, e por isso, não se espera muitas mudanças. Nem os conservadores são euro céticos. A única mudança esperada é uma postura ainda mais avessa em relação à entrada da Turquia na União Européia. Quanto às tropas no Afeganistão, não foi estabelecido prazo de retirada. O SPD queria estabelecer um tempo limite, o Die Linke queria retirada imediata.
Quanto a nova composição do Bundestag, um esclarecimento deve ser feito a quem esta pouco familiarizado com a historia da Alemanha. O suposto “fortalecimento da direita” e a suposta “crise da esquerda” não existem. Em 2009, o CDU/CSU obteve 239 cadeiras (38,4%), o SPD obteve 146 (23,5%), o FDP obteve 93 (15%), o Die Linke obteve 76 (12,2%) e os Verdes obtiveram 68 (10,9%).
Como é possível ver nos gráficos acima, foi o pior resultado do SPD na historia da Republica Federal da Alemanha, fundada em 1949. Mas observando o histórico da composição do Bundestag, o que houve foi simplesmente uma transferência de votos de esquerda do SPD para os Verdes e para o Die Linke. O CDU/CSU também vem perdendo espaço. Há migração de votos de centro-direita para o FDP. Pelo gráfico que mostra a soma da participação da centro-direita (CDU/CSU e FDP) e da esquerda e centro-esquerda (SPD, Verdes, Linke) é possível ver nitidamente que quem ganhou depois da reunificação foi a soma de votos dados em partidos de esquerda e centro-esquerda. Em 1998, quando Schroeder tornou-se chanceler pela coalizão SPD-Verdes, foi a primeira vez na historia da RFA que partidos de esquerda e centro-esquerda obtiveram maioria no Parlamento. Esta maioria se manteve ate a eleição de 2009, quando a direita retomou a maioria, mais modesta, porem, do que a dos tempos da Guerra Fria.
O redução da participação da direita no pos-Guerra Fria foi compensada parcialmente por um deslocamento dos partidos para a direita. Os Verdes já chegaram a ter anarquistas nos anos 80. Agora é um partido que fez as pazes com o establishment. O FDP era um pequeno partido entre 1961 e 1983, quando mesmo assim, escolhia quem governava a Alemanha, porque quase sempre era necessário ter apoio do FDP para governar. Apesar do aliado natural do FDP ser o CDU/CSU, o FDP fez coalizão com o SPD entre 1969 e 1982, durantes os governos de Willy Brandt e Helmut Schimidt, porque ambos os partidos concordavam com uma maior pacificação com os países comunistas. Hoje, a ala mais esquerdista dentro do FDP, mais focada com as liberdades civis em geral esta enfraquecida, e o FDP, atualmente, esta mais focado em uma liberdade: a de mercado. Atualmente, coligar-se com o SPD esta fora de questão para o FDP.
O SPD passou a aceitar mais as reformas neoliberais durante o governo de Schroeder. E vem perdendo drasticamente votos e militantes. Mas uma coisa não é necessariamente conseqüência da outra. E agradável para comentaristas de esquerda aceitar a idéia de que o SPD vem perdendo popularidade porque vem ficando indistinguível dos partidos conservadores. Mas os fatos não comprovam esta hipótese. Quando em 2007 e 2008 o partido quis retornar as suas origens de esquerda, pesquisas de opinião mostravam popularidade ainda mais baixa.
Uma ultima coisa a comentar é a surpresa deste resultado: um ano depois da maior crise do liberalismo dos últimos 30 anos, quem mais teve melhorias em seus resultados eleitorais foi o liberal FDP. O Die Linke também cresceu bastante, mas isso não tem nada a ver com a crise. Antes de setembro de 2008, pesquisas de opinião mostravam apoio ao Die Linke maior do que o que o partido teve na eleição de setembro de 2009.