sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Realinhamentos opostos na política do Brasil e dos EUA: PT popularizou, Partido Democrata elitizou


Brasil e Estados Unidos são países continentais com república presidencialista e forma federativa de estado. A forma de eleger o presidente é diferente, pois aqui ganha quem tem maioria absoluta de votos e lá ganha quem tem mais delegados no colégio eleitoral. Mesmo assim, é possível fazer comparações sobre como os votos se distribuem geograficamente e socialmente em eleições presidenciais.
 Eu já havia abordado este tema antes da eleição de 2010 no Brasil e a de 2012 nos Estados Unidos neste post, mas como as tendências de distribuição geográfica e social de votos se mantiveram nos dois países, vale apena retomar o assunto.
No Brasil, há um padrão de distribuição geográfica e social de votos que teve início em 2006 e se manteve em 2010. Nos Estados Unidos, há um padrão de distribuição geográfica e social de votos que teve início em 1988, se acentuou em 2000 e se manteve na mais recente eleição presidencial, em 2012.
Não há como fazer analogias entre esses padrões atuais. No Brasil, o PT nas eleições presidenciais de 2006 e 2010 foi mais forte nos estados mais pobres (com exceção de Rio de Janeiro e Distrito Federal em um lado, e Acre e Roraima em outro) e entre as pessoas mais pobres. Não houve diferença importante de desempenho do PT entre cidades grandes e cidades pequenas. Nos Estados Unidos, desde 2000, o Partido Democrata ganha na Costa Oeste, no Nordeste, e nos Grandes Lagos, e o Partido Republicano ganha no oeste interiorano e no Sul. Ou seja, o Partido Democrata ganha nos estados mais ricos e o Partido Republicano ganha nos estados mais pobres. Isto é um paradoxo, pois o Partido Democrata é mais forte entre as pessoas mais pobres e o Partido Republicano é mais forte entre as pessoas mais ricas. Outro padrão é o do Partido Democrata ser mais forte em cidades grandes e o Partido Republicano ser mais forte em cidades pequenas. O único padrão recente é a divisão democrata:estados ricos/republicano:estados pobres. Porque a divisão democrata:pessoas pobres/republicano:pessoas ricas existe desde o início do século XX e a divisão democrata:cidades grandes/republicano:cidades pequenas existe deste a eleição de 1960.
Quer dizer que os padrões de distribuição de votos no Brasil e nos Estados Unidos nunca foram semelhantes? Não, pois em tempos diferentes, houve grandes semelhanças. A divisão eleitoral norte-americana atual lembra muito a divisão eleitoral brasileira vigente até 2002. Nas eleições presidenciais de 1989, 1994, 1998 e 2002 o PT foi mais forte em estados mais ricos (com exceção de São Paulo e Paraná) e em cidades grandes, e mesmo assim, não foi um partido de elite, porque teve melhor desempenho entre as pessoas mais pobres dos estados mais ricos e das grandes cidades. A divisão eleitoral brasileira atual lembra muito a divisão eleitoral norte-americana vigente no tempo do New Deal (1932-1960) e revivida em 1976. O Partido Democrata era mais forte entre as pessoas mais pobres e nos estados mais pobres, principalmente os do Sul. Os democratas tinham votos dos trabalhadores do Norte e dos segregacionistas do Sul.
Em resumo: a divisão geográfica e social dos votos do Brasil do presente é parecida com a divisão dos Estados Unidos do passado, e a divisão geográfica e social dos votos dos Estados Unidos do presente é parecida com a divisão do Brasil do passado. Em ambos os países, houver realinhamento eleitoral, e os realinhamentos ocorreram em sentidos opostos.
Houve uma elitização do voto do Partido Democrata e uma popularização do voto do PT. O Partido Democrata continua tendo maior preferência dos pobres do que dos ricos, mas esta divisão de classe foi suavizada. Somente desta maneira foi possível que, paradoxalmente, o Partido Democrata pudesse ter maior preferência nos estados mais ricos. O PT já era preferido por segmentos do eleitorado mais pobre e rejeitado por segmentos do eleitorado mais rico, mas esta divisão social era bastante suave para que fosse possível que, paradoxalmente, o PT tivesse maior preferência nos estados mais ricos. A divisão social foi acentuada, e dessa maneira, o PT passou a ser preferido também nos estados mais pobres.
Artigo de Jacob, Hees, Waniez eBruslein (2009) trata do realinhamento eleitoral brasileiro. Vincula a perda de apoio do PT entre as classes médias urbanas com os escândalos de corrupção do primeiro mandato de Lula e o ganho de apoio do PT entre as classes baixas rurais com os programas sociais. André Singer também aborda o realinhamento eleitoral brasileiro.
O realinhamento eleitoral norte-americano é explicado por Gelman (2009). Segundo este autor, o realinhamento foi causado pela polarização dos partidos em questões morais e culturais. Até 1980, tanto o Partido Democrata, quanto o Partido Republicano, tinham apoiadores com posições liberais e conservadoras em temas como aborto, sexo, religião e militarismo. O que separava o Partido Democrata do Partido Republicano era o papel do Estado na economia. Depois dessa data, os liberais em questões morais e culturais se concentraram no Partido Democrata e os conservadores nessas questões se concentraram no Partido Republicano. Como as elites dos estados ricos são, geralmente, liberais nesses temas, essas elites passaram a apoiar o Partido Democrata, mesmo tendo este partido posições sobre economia mais favoráveis aos mais pobres. Enquanto isso, as elites dos estados pobres são conservadoras nesses temas, e por isso, tornaram-se extremamente republicanas.
Se os escândalos de corrupção do primeiro mandato do Lula tornarem-se parte do passado, as classes baixas que se tornaram média-baixa no governo Lula passarem a se enxergar como classe média, e a sociedade brasileira passar por mudanças semelhantes às mudanças pelas quais passou a sociedade norte-americana, com elites rejeitando conservadorismo moral; é possível que ocorra um re-realinhamento, e que o mapa eleitoral brasileiro retorne ao período pré-2002. As eleições municipais de 2012 já foram um sinal, pois o PT ganhou em São Paulo, São José dos Campos, Niterói e Uberlândia, e teve várias derrotas no Norte e no Nordeste.
Usarei mapas do meu Atlas dasEleições Presidenciais no Brasil e do Atlas das Eleições Presidenciais dos EUAdo Dave Leip para ilustrar as observações presentes no texto. Dave Leip facilitou meu trabalho ao usar as “cores certas” (vermelho para os democratas e azul para os republicanos). O resto da mídia usa as “cores erradas”.





Semelhanças entre a reeleição de Lula em 2006 e a de Roosevelt em 1936. Ambos tiveram derrotas ou vitórias apertadas em estados ricos (Sul no Brasil, Nordeste nos EUA) e vitórias arrasadoras em vermelho escuro em estados pobres (Nordeste no Brasil, Sul nos EUA)




Semelhanças entre as vitórias de Collor em 1989 e Bush em 2004. Ambos pintaram os estados mais pobres e rurais de azul escuro. Em vermelho, a favor de Lula e Kerry, ficaram estados mais ricos e mais urbanizados (Pernambuco seria exceção, mas é dos estados mais ricos e urbanizados do Nordeste)



Mapa da eleição de 1989 no Brasil por microrregião e da eleição de 2004 nos EUA por condado. Foram ambas eleições apertadas (53% Collor X 47% Lula, 51% Bush X 48% Kerry), mas os mapas ficaram bastante azuis em área, mostrando a dispersão dos votos em Collor e Bush no interior e a concentração dos votos em Lula e Kerry em grandes centros urbanos




Mapas das eleições presidenciais de 2002 e 2006 por microrregião. Em ambas as eleições, Lula teve aproximadamente 60% dos votos. Mas o mapa de 2006 tem área vermelha maior por causa do melhor desempenho de Lula no interior




Divisão de votos por zona eleitoral no município de São Paulo em 2002 e em 2006. A polarização por classe social aumentou muito em 2006, mas já existia em 2002, antes do mensalão, do Bolsa Família e dos grandes aumentos do salário mínimo. Em 2002, o Jardim Paulista votou da mesma maneira que o interior miserável de Alagoas, o único estado em que Serra teve maioria.


Mapa eleitoral da Califórnia por condado em 2012. Obama venceu Romney por 60% a 37%, mas perdeu no Orange County, indicado pelo círculo na figura, onde moram os ricaços da Califórnia. Até 1988, a Califórnia, um dos estados de maior PIB per capita dos EUA, era republicana. Passou a ser ininterruptamente democrata desde 1992. Mas o Orange County continuou republicano.

domingo, 11 de novembro de 2012

Os Estados Unidos e o Reino Unido se divorciaram

Em 40 dos 55 anos que se passaram entre o final da Segunda Guerra Mundial e o final do século XX, os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido foram alinhados em relação aos partidos - presidente democrata / primeiro-ministro trabalhista ou presidente republicano / primeiro-ministro conservador. Tratava-se de uma incrível sincronia. Houve muitas duplas alinhadas como Truman/Atlee, Eisenhower/Churchill, Johnson/Wilson, Reagan/Thatcher, Clinton/Blair.
Dos 12 anos que se passaram de século XXI, apenas em 2009 os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido estiveram alinhados. Este desalinhamento vai durar no mínimo até 2015, quando o Reino Unido elegerá novamente a Câmara dos Comuns.

E como coloquei em postagem anterior, Estados Unidos e Reino Unido tiveram estratégias diferentes depois da crise econômica internacional, e resultados também diferentes. O keynesianismo moderado de Obama foi mais bem sucedido do que a tentativa de Cameron de realizar a "austeridade expansionista".

domingo, 28 de outubro de 2012

Breves comentários sobre as eleições

1. Assim como em 2008, é possível dizer que os maiores vencedores das eleições municipais foram os aliados não-petistas do governo federal. Em 2008, o PMDB. Em 2012, o PSB.

2. São Paulo não é tudo. Apesar da vitória na maior cidade do Brasil, o PT perdeu as prefeituras de Fortaleza e Recife, não fez nem apoiou o vencedor em Belo Horizonte depois de muito tempo, e teve uma importante derrota simbólica: perdeu em Diadema. Além disso, venceu o menor número de capitais desde 1996.

3. Houve uma inversão em relação às duas últimas eleições para presidente. O PT teve muitas vitórias no "Brasil azul" e muitas derrotas no "Brasil vermelho". Nas quatro capitais em que o PT ganhou, três (São Paulo, Goiânia e Rio Branco) deram maioria confortável para Serra em 2010. Em Recife, Salvador e Fortaleza, lulistas desde 1989, o PT perdeu. Isto é um sinal de que o julgamento que o eleitor faz das administrações locais conta mais do que apoio do Lula, da Dilma, do Aécio, do Alckmin ou do Eduardo Campos.

4. O PT teve vitórias em cidades de alta renda. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ganhou apenas em Niterói. No Estado de São Paulo, passou pelo inusitado de perder em Diadema, mas também pelo inusitado de ganhar em São José dos Campos. Foi importante o apoio do eleitor de baixa renda dos municípios de alta renda.

5. O PSOL sempre foi estilingue, e agora vai ter pela primeira vez a oportunidade de ser vidraça, em Itaocara e em Macapá.

6. Fernando Haddad teve votação maior que qualquer votação do Lula na cidade de São Paulo. Em comparação com outros candidatos do PT, Haddad foi apenas um pouco menos votado que a Marta em 2000, que teve 58%. A maior votação de Lula em São Paulo (e única vez que ele teve maioria) ocorreu em 2002, quando atingiu 51%. Ou seja, o apoio do Lula não explica sozinho a vitória de Haddad.

7. Mesmo com kit-gay, Fernando Haddad teve maioria esmagadora na periferia, atingindo 80% em algumas zonas. Isso mostra que o temor de perder votos do eleitor de baixa renda se desagradar igrejas é superestimado, e que as concessões a religiosos foram maiores do que o necessário.

8. O apoio de Maluf não impactou negativamente a candidatura de Haddad, mas também não impactou positivamente. Serra ganhou com confortável maioria nas zonas onde o Maluf era forte: Mooca, Tatuapé e Vila Maria.

9. Márcio Pochmann em Campinas foi outra aposta do PT em novatos em eleição, que participaram do governo federal e que tem ligação com as universidades. Perdeu por larga vantagem para Jonas Donizette porque, ao contrário de Haddad, não conseguiu formar maioria esmagadora na periferia. Na zona mais periférica da cidade, teve 52,5%. Nas zonas centrais, não foi pior do que Haddad foi nas zonas centrais de São Paulo.

10. Enquanto o voto do PT é forte na periferia, o voto no PSOL ainda vem de eleitores com renda mais alta. No Rio, Marcelo Freixo teve 28% no total, e 40% na Zona Sul.

11. Fechadas as urnas e apurados os votos hoje, foi possível ver que muitos candidatos do PT tiveram de 2 a 3 pontos percentuais a menos do que o que foi indicado pelas pesquisas divulgadas sábado à noite. Quando o erro persiste na pesquisa boca de urna, o problema é da metodologia da pesquisa. Quando o erro não persiste na boca de urna, é possível perceber que muitos indecisos optam pelo anti-PT na última hora. Isso já aconteceu com Lula em 2002 e 2006 e Dilma em 2010. O PT tem que observar isso.

12. Nenhum candidato vai ter tempo de tomar posse, porque o mundo acabará em 21 de dezembro de 2012.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Márcio Pochmann no segundo turno em Campinas

O PT parecia estar queimado na cidade. O primeiro prefeito do PT em Campinas foi Jacó Bittar em 1988, que deixou o partido no meio do mandato. O segundo foi Toninho, no qual a população tinha grandes esperanças, mas foi covardemente assassinado em 10 de setembro de 2001. A administração da vice Izalene não foi bem avaliada pela maioria da população. Posteriormente, o Vilagra, o vice petista de Dr. Hélio que assumiu a prefeitura por causa do impeachment deste, também sofreu impeachment por estar vinculado a escândalos de corrupção.

Além disso, Márcio Pochmann era um desconhecido para não acadêmicos. Nunca havia disputado uma eleição. E não são todos os cidadãos que sabem o que é o IPEA. E nem mesmo sabem o que é Unicamp, que não é acessível para todos.

A maior aparição de Márcio Pochmann na grande mídia foram os temores de que ele ia colocar um monte de comunista para comer criacinha dentro do IPEA.

E o principal adversário de Pochmann à prefeitura era Jonas Donizette, um conhecido político local, que concorria pelo PSB em aliança com o PSDB. Era aliado do governo estadual sem ser oposição ao governo federal.

Na primeira pesquisa do Ibope, realizada em meados de julho, o petista tinha 1% das intenções de voto.

Apesar de tudo isso, Márcio Pochmann cresceu, obteve 28,56% dos votos válidos no primeiro turno e vai disputar o segundo turno contra Jonas Donizette, que teve 47,60%, depois de passar semanas sendo favorito para ganhar no primeiro turno.

Outra surpresa em Campinas foram os 2,39% no candidato do PSOL e os 2,16% na candidata do PSTU, em uma cidade que teve candidato do PT.

O maior herdeiro dos votos no Maluf foi Russomanno? Não!

O maior herdeiro dos votos no Maluf foi José Serra.

A maior fortaleza do Maluf era a "zona leste de dentro", de classe média média e classe média baixa. As zonas onde ele ia melhor era Mooca, Tatuapé e Vila Maria. Na "zona leste de fora" e na "zona sul de fora", as partes mais petistas e de renda mais baixa de São Paulo, Maluf tinha as piores votações, mais baixas até do que nos bairros nobres.
Pois foi na "zona leste de fora" e na "zona sul de fora" que Russomanno teve sua maior votação, embora tenha ficado atrás de Haddad nesses lugares. Quem ganhou disparado na Mooca, Tatuapé e Vila Maria foi José Serra, que teve bem mais que os 31% que teve na cidade como um todo.

Parece que o aperto de mão Lula-Maluf não ajudou muito o Haddad.

domingo, 26 de agosto de 2012

Curiosidades sobre as eleições presidenciais brasileiras

Atualizei o Atlas das Eleições Presidenciais https://sites.google.com/site/atlaseleicoespresidenciais/ , já mostrado neste blog, com uma página de curiosidades. Ler esta página é divertido e esclarecedor.


Eurico Gaspar Dutra e Getúlio Vargas foram os candidatos preferidos dos eleitores mais pobres em 1945 e 1950, respectivamente. Um foi supostamente “o candidato dos marmiteiros”, o outro foi o “pai dos pobres”. Ainda assim, eles tiveram melhor votação nos estados mais ricos. Fenômeno semelhante ocorre com os candidatos democratas nos EUA dos dias atuais, mas não ocorria nos EUA naquele tempo.


Getúlio Vargas pode não ter sido muito querido pelas elites econômicas e intelectuais de São Paulo. Mas na eleição de 1950, ele teve 64,3% dos votos no Estado de São Paulo e 48,7% em todo o Brasil.

Candidatos de direita como Eduardo Gomes, Juarez Távora, Ademar de Barros e Jânio Quadros tinham votação melhor no antigo Distrito Federal (atual cidade do Rio de Janeiro) e no antigo Estado da Guanabara (atual cidade do Rio de Janeiro) do que no antigo Estado do Rio de Janeiro.

Em 1960, na última eleição presidencial direta antes da ditadura militar, 12,6 milhões de pessoas votaram, o que correspondia a 17,7% do total da população brasileira na época. Em 1989, na primeira eleição presidencial direta depois da ditadura militar, 70,3 milhões de pessoas votaram, o que correspondia a 47,8% do total da população brasileira na época. Este grande aumento da participação ocorreu porque a base da pirâmide etária brasileira teve redução relativa e porque o direito ao voto foi estendido aos analfabetos. Em 2010, 106,6 milhões de pessoas votaram, o que corresponde a 55,9% do total da população brasileira.

No primeiro turno de 1989, a soma de votos na esquerda (Lula+Brizola+Freire+Gabeira) foi 23.685.866. A soma de votos na direita (Collor+Maluf+Afif+Chaves+Caiado) foi 32.959.732. A soma de votos no centro (Covas+Guimarães) foi 10.995.324. Lula só poderia ter vencido no segundo turno se tivesse obtido a transferência da quase totalidade dos votos no centro. Não conseguiu.

José Serra e Geraldo Alckmin nasceram e fizeram carreira política no Estado de São Paulo. Foram derrotados para o PT em 2002, 2006 e 2010. Apesar disso, Alckmin e Serra venceram em São Paulo, respectivamente, em 2006 e 2010, e Serra perdeu em São Paulo em 2002 por uma diferença menor do que no Brasil inteiro. Aparentemente, o eleitor paulista é bairrista e prefere candidatos do próprio estado. Mas em 1989, Collor teve maior vantagem sobre Lula no Estado de São Paulo do que no Brasil inteiro. Portanto, provavelmente o conservadorismo da maioria do eleitorado paulista pesou mais do que o bairrismo.

Collor teve 64,4% no primeiro turno e 76,1% no segundo turno no Estado de Alagoas em 1989. Poderia ser um sinal de bairrismo do eleitorado alagoano. Mas em 1994 e 1998, Fernando Henrique teve maioria bem mais folgada em Alagoas do que no Brasil inteiro. Em 2002, Alagoas foi o único estado que deu maioria a Serra, e em 2006 e 2010, Alagoas deu a segunda menor vantagem para o PT no Nordeste. Portanto, assim como ocorre em São Paulo, o conservadorismo do eleitorado pode ter sido mais determinante do que o bairrismo.

Desde o retorno das eleições diretas para presidente, gaúchos e alagoanos nunca entraram em um acordo. Lula venceu no Rio Grande do Sul em 1989, 1994, 1998 e 2002 e perdeu em 2006, e a Dilma perdeu em 2010. Lula perdeu em Alagoas em 1989, 1994, 1998 e 2002, e venceu em 2006, e a Dilma venceu em 2010.

Considerando a média dos resultados do segundo turno de 1989, 2002, 2006 e 2010 e do primeiro turno de 1994 e 1998, o município de São Francisco do Conde na Bahia foi o município que deu a melhor votação ao candidato do PT. Curiosamente, é o município de maior PIB per capita do Brasil. Infelizmente, este PIB vem do petróleo e grande parte da população não se beneficia desta riqueza.

Entre os dez municípios que deram maior votação ao candidato do PT para presidente entre 1989 e 2010, sete se localizam no Estado da Bahia.

Entre 1989 e 2010, o município que deu a menor votação ao candidato do PT para presidente foi Anajás, no Pará.

Entre dez municípios que deram menor votação ao candidato do PT para presidente entre 1989 e 2010, três se localizam no Mato Grosso, dois se localizam em Minas Gerais, dois se localizam em Goiás, um se localiza no Pará, um em Santa Catarina e um em São Paulo. O município localizado em São Paulo não é nenhuma cidadezinha desconhecida. É Ibiúna, a cidade do frustrado congresso de 1968.

De 1989 a 1998, Lula teve desempenho melhor nas capitais do que fora delas, e no Sul e no Sudeste do que no Norte e no Nordeste. Em 2006 e 2010, Lula e Dilma tiveram desempenho melhor fora das capitais do que nas capitais, e um desempenho melhor no Norte e no Nordeste do que no Sul e no Sudeste.

As grandes mudanças ocorreram no Rio Grande do Sul, que passou de uma área de apoio ao PT para uma área de rejeição, e no interior das regiões Norte e Nordeste, que passou de uma área de rejeição para uma área de apoio ao PT.

A votação em Minas Gerais foi sempre um bom retrato da votação no Brasil. De 1989 a 2010, o vencedor da eleição presidencial teve vantagem levemente maior em Minas Gerais do que no Brasil como um todo. O sul “paulista” de Minas Gerais foi sempre uma área de rejeição ao PT. O leste “fluminense” de Minas Gerais foi sempre uma área de apoio ao PT. O norte “baiano” de Minas Gerais era a área de maior rejeição ao PT de 1989 a 2002, e passou a ser a área de maior apoio em 2006 e 2010.

Mesmo assim, seria um erro superestimar as mudanças na geografia eleitoral no Brasil. Algumas tendências foram preservadas de 1989 a 2010. O Estado do Rio de Janeiro, o Distrito Federal, os arredores de Belo Horizonte e as capitais do Nordeste foram de 1989 a 2010 áreas de forte apoio ao candidato do PT a presidente. Os Estados de São Paulo, Paraná e a Região Centro-Oeste foram de 1989 a 2010 áreas de forte rejeição ao candidato do PT a presidente.

As correlações de votação em municípios no Lula em 2006 e na Dilma em 2010 com a votação de Lula em 1989 são mais próximas de zero do que de um, mas ainda assim são positivas.

O mapa da eleição presidencial de 2006 por microrregião mostrou um norte mais vermelho e um sul mais azul e isto retratou bem o que foi aquela eleição. O mapa da eleição presidencial de 2002 por microrregião mostrou um sul mais vermelho e um norte mais azul. Isto poderia levar a pensar que Lula foi bem melhor no sul do que no norte do Brasil. Não foi. Em 2002, Lula teve votação parecida nas cinco regiões. A diferença é que no Norte e no Nordeste, a votação de Lula se concentrou nas capitais, mais de 80% votos em algumas delas, e algumas áreas do interior ficaram azuis. Nas Regiões Sul e Sudeste, a votação de Lula não se diferenciou muito entre as capitais e o interior.

Em 1989, Collor superou Lula por apenas seis pontos percentuais, mas o mapa eleitoral por microrregião ficou quase tudo azul. Isto porque a votação de Lula se concentrou nos Estados do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, e nas regiões metropolitanas. Em quase todo o interior do Brasil, Collor ganhou de lavada.

Apesar de Lula ter tido, entre 1989 e 2002, melhor votação nos grandes centros urbanos e nos estados mais ricos do que no interior e nos estados mais pobres, ele não teve votação melhor entre as pessoas mais ricas. Mesmo nesse período, ele teve votação melhor no ABCD, em Guarulhos e Osasco do que no município de São Paulo, e teve votação melhor em Sumaré e Hortolândia do que em Valinhos e Vinhedo. Ainda não está disponível neste atlas a votação dentro do município de São Paulo, mas se for consultar este resultado, é possível perceber que Lula sempre foi mais votado nas bordas da Zona Sul e da Zona Leste do que nos Jardins e em Pinheiros.

De 1989 a 2002, a votação em Lula seguiu o padrão da votação atual dos candidatos democratas a presidente dos EUA: forte entre a classe trabalhadora dos grandes centros urbanos dos estados mais ricos, fraca no interior.

De 2006 a 2010, Lula teve sua votação mais forte no Nordeste, e isto pode ser comparado com a elevada votação que Franklin Roosevelt tinha no Sul dos EUA.

Em 2010, o dilmismo se separou do petismo. Nos cinco estados que elegeram um governador do PT, Dilma perdeu em dois (Rio Grande do Sul e Acre), ganhou por uma votação muito apertada em dois (Distrito Federal e Sergipe) e ganhou por uma larga diferença apenas em um (Bahia). Por outro lado, em alguns estados onde Dilma ganhou com uma grande vantagem, o PT sequer lançou candidato próprio para governador.

Em 2010, o Brasil vermelho esteve quase todo ele a leste da linha do Tratado de Tordesilhas e o Brasil azul esteve quase todo a oeste desta linha.

Os candidatos democratas a presidente dos EUA têm votação muito maior em Nova York do que no país como um todo. O mesmo ocorre com os trabalhistas em Londres e com os social-democratas, os verdes e os esquerdistas em Berlim. Isto não ocorre em São Paulo. A votação de Lula de 1989 a 2006 e de Dilma em 2010 foi menor na maior cidade do Brasil do que no país como um todo.

No Rio de Janeiro, a situação é diferente. Em todos os segundos turnos, Lula ou Dilma tiveram maior votação na capital fluminense do que no Brasil como um todo. Ironicamente, o Rio de Janeiro foi uma das poucas capitais do Brasil que nunca elegeram um prefeito do PT.





Não vou escrever sobre as curiosidades das eleições municipais brasileiras, que são tantas, e, portanto, não saberia nem por onde começar.



sábado, 9 de junho de 2012

Efeitos do investimento em P&D e da formação de recursos humanos em ciência e tecnologia na inovação na Europa

Apresentei um trabalho com este título no XVII Encontro Nacional de Economia Política, organizado pela Sociedade Brasileira de Economia Política, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro entre os dias 5 e 8 de junho de 2012

Resumo:
A atual literatura sobre inovação apresenta divergências sobre o grau de importância dos Estados nação como promovedores de políticas industriais, científicas e tecnológicas; e o grau de importância das economias nacionais como espaço de interação entre os agentes da inovação. Algumas abordagens consideram que nas últimas três décadas, os Estados-nação perderam espaço em cima para as organizações supranacionais e empresas transnacionais, e embaixo para autoridades e agentes econômicos locais. Este trabalho teve como objetivo discutir estas abordagens, analisando a importância de políticas nacionais e locais de ciência e tecnologia na Europa na década de 2000. Foram feitos testes econométricos para determinar o impacto, a nível nacional e local, do investimento do setor público, de universidades e de empresas em P&D e da formação de cientistas e engenheiros no número de registro de patentes, da participação das empresas inovadoras no total das empresas e na participação das exportações de bens de alta tecnologia no total das exportações. Os testes demonstraram que o investimento de empresas em P&D exerce impacto positivo e significante sobre todas essas variáveis, ao contrário do que ocorre com o investimento do setor público e de universidades em P&D, e com a formação de cientistas e engenheiros.
 
 
Quem tiver interesse em ler, pode baixar a partir deste link
http://www.sep.org.br/artigos?conference=17&title=&author=brito
 

segunda-feira, 14 de maio de 2012

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Reality show "Mulheres Ricas" defende Keynes e Kalecki

No primeiro programa "Mulheres Ricas", exibido ontem pela Band, a milionária Lydia Sayed afirmou "O rico tem que gastar. Se o rico não gasta, o dinheiro não gira". Trata-se de uma visão tipicamente keynesiana e kaleckiana sobre o funcionamento da macroeconomia, pois infere que o gasto determina a renda.
Um antikeynesiano acharia que se o rico não gastasse, alguém usaria a poupança dele para investir. Mais que um keynesiano, o antikeynesiano acharia que os milionários são muito importantes para a sociedade. Mas utilizaria outro argumento. Diria que a possibilidade de desfrutar do consumo de um milionário incentivaria as pessoas trabalharem e investirem. Disso nem Keynes discordava.
Quando é dito que "O rico tem que gastar. Se o rico não gasta, o dinheiro não gira", é colocado que o mais importante é o dinheiro girar. Isso seria justificativa para o Estado criar um imposto fortemente progressivo sobre renda e sobre grandes fortunas para transferir a renda dos ricos para os pobres. Isto porque o pobre certamente gasta todo seu dinheiro, fazendo o dinheiro girar e gerando demanda. O mesmo não acontece com o rico, que muitas vezes poupa grande parte de sua renda.

De microeconomia, certamente as mulheres ricas do reality show entendem. Não precisa explicar porquê. De macroeconomia, mostraram ter idéias muito mais adequadas à realidade do que as idéias dos formuladores de política econômica nos EUA e na Europa, afundados na crise de insuficiência de demanda agregada.