domingo, 28 de junho de 2015

Não compreendo a fixação que alguns militantes LGBT têm por nomes

Em primeiro lugar, deixo a expressão de felicidade por ver a Suprema Corte dos Estados Unidos aprovando o casamento de pessoas do mesmo sexo. A do Brasil já fez isso em 2011. A maioria dos estados norte-americanos já reconhecia a instituição. Ainda assim, a importância simbólica foi muito grande.

Agora, aqui manifesto não uma reprovação, mas uma incompreensão sobre militantes do movimento LGBT. Por que tanta obsessão com o nome certo e o nome errado das coisas?
Perfeitamente compreensível que não devemos falar "baitola", "boiola", "viado", "marica", "queima-rosca", "sapatão" e "traveco". Também é compreensível que devemos falar "movimento LGBT" e não "movimento gay", para não excluir lésbicas, bissexuais, transgêneros e travestis. E que homossexualidade não é "opção sexual" porque ser homossexual não é opção.
Agora, por que uma relação tem que ser homoerótica ou homoafetiva, e não pode ser homossexual? Por que temos que falar "casal de gays" ou "casal de lésbicas", e não "casal de homossexuais"?
Um hábito recente é o uso da expressão "cisgênero", para designar quem não é "transgênero". Não sou contra o uso, não desqualifico quem usa. Apenas considero desnecessário que tenha que virar regra universal para que os transgêneros não sejam mais discriminados. Chamar um "homem cis" apenas de homem, e uma "mulher cis" apenas de mulher não é manifestar aversão aos "transgêneros". É natural que o que é esmagadora maioria numérica não seja especificado. Falamos futebol de salão, futebol society, futebol de areia. Mas futebol de campo é apenas futebol. E como futebol de campo é disparadamente o esporte mais popular do Brasil, uma bola de basquete é uma bola de basquete, uma bola de vôlei é uma bola de vôlei, uma bola de futebol de salão é uma bola de futebol de salão, mas uma bola de futebol (de campo) é simplesmente uma bola. Alguns carrinhos vendem hot dog de calabresa. Já o hot dog de salsicha é apenas hot dog. Em Campinas, antes da inauguração do enorme Shopping Dom Pedro, ir ao Shopping Iguatemi era simplesmente ir ao shopping. Para ir aos outros shoppings da cidade, menores, era necessário especificar.
Também vai ser difícil impor que devemos falar "a travesti" e não "o travesti", porque a questão sobre se existe ou não gênero biológico não tem resposta definitiva.
Eu sei que para ter opinião sobre questões relacionadas a minorias, é necessário escutar pessoas que pertencem a essas minorias. Não estou querendo impor que militantes LGBT não lutem pela ampla adoção desse vocabulário, estou apenas manifestando a visão de um hétero que conviveu no meio de pessoas preconceituosas e sabe como essas questões são difíceis. Talvez seja importante que militantes esclareçam melhor porque esse vocabulário é tão importante. O estigma de "chatos do politicamente correto" não favorece movimentos.
Para ser mais bem compreendidos, pode ser positivo para militantes de causas de minorias escutar quem faz parte das não minorias. Existem integrantes das não minorias que são cheios de ódio e que são inconsertáveis. Mas existem aqueles que cresceram em ambientes preconceituosos, mas tem propensão a abrir a mente, principalmente se o movimento não aparentar ser sectário.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Sobre a grande mídia empresarial brasileira

Agora, um tema novíssimo, que quase ninguém discute na Internet. Provavelmente, este é o primeiro texto de blog sobre o tema: o posicionamento político da grande mídia empresarial brasileira. Deixando ironias de lado, é óbvio que até as teclas dos computadores já estão cansadas de tanto trabalhar para escrever texto sobre este tema. Mas considerei adequado tratar deste tema por não me posicionar nas panelinhas mais habituais.
Por grande mídia empresarial brasileira, entendem-se as Organizações Globo (que inclui a TV aberta, a Globonews, a rádio CBN, o jornal O Globo, a revista Época e o portal G1), a Abril (que inclui Veja e Exame), o SBT, a Bandeirantes, o Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo. São os principais fornecedores de informação e opinião do Brasil. Nos últimos tempos, até a TV Cultura, pública, entrou nesse time. É comum críticos desta grande mídia dizerem que essas empresas de comunicação são a favor do PSDB. Eu considero que não é bem isso. Na verdade, é o PSDB que é a favor da ideologia das empresas de comunicação. Por isso, recebe tratamento mais favorável. Globo, Abril, SBT, Bandeirantes e Estadão são um Tea Party tropical, que odeiam tudo que tem a ver com setor público, a não ser, é óbvio, verba de publicidade, empréstimo oficial e restrição ao capital estrangeiro na mídia, e somente na mídia. Se o PSDB tiver em uma ou outra ocasião algum indício de "recaída" para a social-democracia que deu o nome ao partido, nem o PSDB será poupado. Não se trata apenas de suposição. Isto se verificou na prática. O Fernando Henrique Cardoso recebe muitos elogios desta mídia, mas não por ter feito o Plano Nacional de Direitos Humanos. O Geraldo Alckmin não foi aplaudido quando implementou política de cotas. O José Serra, por sua visão de Economia oriunda da Unicamp, demorou para ter virado o queridinho desta mídia. Isto só ocorreu quando ele compensou sua falta de direitismo na Economia investindo em direitismo em discurso do tipo Guerra Fria.
Em geral, se vê nos veículos das mencionadas empresas opinião contrária ao imposto sobre grandes fortunas, favorável à terceirização das atividades fim, favorável à possibilidade de doações de empresas privadas às campanhas eleitorais. Vimos muitas notícias sobre impostômetro e quase nada sobre sonegômetro. Vimos muitas comparações desonestas da carga tributária do Brasil com a de outros países, em que a brasileira é medida por uma organização anti-impostos e a dos demais países é medida pelos órgãos oficiais. Os problemas das grandes cidades mais retratados são geralmente os problemas dos bairros de renda média/alta das grandes cidades. A voz das agências classificadoras de risco é tida como a voz de Deus, mesmo depois de tantas cagadas que essas agências cometeram. Esta mídia tem boa vontade em falar de crimes cometidos por políticos (o que é positivo), mas fica cheia de dedos na hora de falar de crimes cometidos por empresários (o que é negativo). É defendido um alinhamento da política externa brasileira com os Estados Unidos, e ridicularizada a diplomacia sul sul. A abordagem de política externa defendida pela grande mídia empresarial foi rejeitada não apenas pelos governos Lula e Dilma, mas por todos os governos desde 1930, com exceção de Eurico Gaspar Dutra e Castelo Branco. Pequenos exemplos mostram a que ponto essa ideologização chegou. O William Wack atingiu o ápice daquilo que pode ser definido como cara de pau ao ter organizado um "debate" sobre esquerda e direita, em que os três participantes foram Reinaldo Azevedo, Luís Felipe Pondé e Bolívar Lamounier, ou seja, três participantes de direita. No debate eleitoral da Bandeirantes do ano passado, os jornalistas da emissora se posicionaram à direita de Pastor Everaldo e Levy Fidélix. Em todos os jornais, revistas, sites e programas de televisão, aparecem os especialistas de sempre sobre determinados assuntos. Raul Veloso para falar de finanças públicas. Fábio Giambiagi para falar de previdência. Edward Amadeo e José Pastore para falar de mercado de trabalho. Denis Lehrer Rosenfield para falar de ética e filosofia. Marco Antônio Villa e Demétrio Magnolli para falar de todos os assuntos. O consultor de educação de sempre, antes era Cláudio Moura de Castro. Aí descobriram um mais quadrado ainda, que se encaixa melhor na cartilha ideológica dessa mídia: Gustavo Ioschpe.
Essa grande mídia empresarial tem um forte direitismo econômico, mas, com exceção da Veja e do SBT, não tem direitismo social. Tanto que a Globo tenta promover a aceitação da homossexualidade em suas novelas. Apesar de não terem direitismo social, não vêem problemas em apoiar políticos com esse tipo de direitismo, quando a pauta destes políticos fora das questões sociais lhes interessa e quando são a única opção do momento. É por isso que Eduardo Cunha habitualmente recebe cobertura favorável. E que José Serra tenha sido perdoado até mesmo por jornalistas ateus por ter investido em fanatismo religioso durante a campanha eleitoral de 2010, uma vez que essa estratégia de campanha seria um "mal necessário" visando o "bem maior".
A Folha é membro desajustado da turma, mas ainda assim é membro da turma. É a única que mantém pluralidade ideológica de colunistas. Tem coluna do Reinaldo Azevedo, do Luís Felipe Pondé e do João Pereira Coutinho, mas também tem coluna do Jânio de Freitas, do Vladimir Safatle, do Ricardo Melo, do Guilherme Boulos e do Gregório Duvivier.  Tirando os colunistas, as posições expressas nos editoriais muitas vezes se alinham com as apresentadas pelas outras empresas. O diferencial da Folha é que por ter opiniões mais progressistas em questões sociais, a Folha é mais crítica com políticos reacionários nestas questões.
Até mesmo a credencial democrática das maiores empresas de mídia do Brasil pode ser colocada em questionamento, uma vez que Globo, Folha e Estadão apoiaram o golpe de 1964. A Folha e o Estadão tornaram-se (tardiamente) opositores do regime militar, mas o Globo, em 1984, publicou um editorial falando como este jornal sempre apoiou o regime. A Veja tinha algumas matérias favoráveis ao regime mesmo no tempo do Mino Carta. O SBT foi resultado de concessão daquele tempo, e como retribuição, criou a semana do presidente. Até 2002, parecia que tudo isso era página virada na história. Aí naquele ano, teve tentativa de golpe na Venezuela, e as revistas Veja e Época fizeram matéria de capa passando pano nos golpistas. Alguém pode argumentar "mas com o autoritarismo crescente na Venezuela, o golpe não teria sido justificado?" Não, porque as medidas autoritárias de Chávez e Maduro só ocorreram depois da tentativa de golpe. João Goulart e Salvador Allende não praticaram medidas autoritárias e mesmo assim foram depostos pela força. Em 2009, houve um golpe bem sucedido em Honduras, travestido de legalidade, uma vez que a iniciativa partiu da Suprema Corte (uma estranha legalidade com prisões, censura, repressão a manifestações). A mídia dos países desenvolvidos, mesmo com fortes críticas ao presidente deposto, condenou o golpe. Chefes de Estado do mundo inteiro não reconheceram o governo golpista. Já essa mídia brasileira..., teve visão diferente. Em 2012, o impeachment relâmpago, sem chance de defesa, de Lugo no Paraguai foi retratado como um impeachment convencional. Além de defesa de golpes contemporâneos, aparecem, de vez em quando, revisionismos históricos sobre a ditadura militar. Tanto o Globo quanto a Época publicavam colunas do Olavo de Carvalho, que diziam, entre outras coisas, que somente "terroristas" tinham sido assassinados pela ditadura militar e que a única forma de censura que existia naquele tempo era censura à propaganda da luta armada. É por tudo isso que eu não duvido que se o Brasil elegesse um governo realmente de esquerda (e não só mais ou menos de esquerda como Lula e Dilma), nossa mídia empresarial apoiaria alguma forma de golpe, não necessariamente um golpe clássico como os dos anos 60, mas algum golpe ao estilo Honduras.
Nem sempre os jornalões, revistonas e tevezonas brasileiras foram tão Tea Party Instituto Millenium como são hoje. Nas décadas de 1980 e 1990, havia mais abertura política interna. Colunistas de direita sempre existiram, até porque é a posição dos donos das empresas, mas havia pluralidade. Era comum encontrar um número razoável de jornalistas e colunistas de esquerda. Franklin Martins já foi comentarista do Globo e da Globo. Maria Rita Kehl já foi colunista do Estadão. Também foi colunista da Época, assim como Wanderley Guilherme dos Santos, Maria Aquino e Paulo Moreira Leite. Luís Nassif, no tempo em que ele era um "tucano progressista" (e não o PSDB de hoje), já foi colunista da Folha. Luís Felipe de Alencastro já foi colunista da Veja, embora nesta revista a direita tenha sido esmagadora maioria até no período de maior abertura. José Arbex e o finado Aloysio Biondi, antes de serem da Caros Amigos, já trabalharam na Folha.
A redireitização da mídia empresarial brasileira ocorreu ao longo do governo Lula, durante a década de 2000. Gradualmente, a esquerda foi sendo expulsa dessa mídia e obtendo asilo na Carta Capital, na Caros Amigos, na Fórum e em blogs. A diversidade de ideologias só não foi completamente extinta porque passou a haver dois grupos distintos: o dos tucanos convencionais, que inclui Miriam Leitão, Carlos Sardenberg, Merval Pereira, Eliane Castanhede e Ricardo Noblat, e um grupo ainda mais a direita composto por uma geração influenciada por Olavo de Carvalho: Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Rodrigo Constantino e Luís Felipe Pondé. Arnaldo Jabor pertencia ao primeiro grupo e agora oscila entre os dois.
Os prováveis motivos da redireitização foram: 1. o público da faixa de renda que tem condições de comprar jornais e revistas e os produtos por eles anunciados caminhou para a direita, e não apenas a mídia influencia a opinião de seus leitores, mas seus leitores também influenciam a opinião da mídia. 2. com a expansão da Internet, jornais e revistas em papel passaram a ter menos compradores, aí diminuiu a necessidade de atraírem pessoas de diferentes opiniões sobre política. Não tenho certeza ainda sobre qual foi a maior causa da redireitização. Só tenho certeza de que este fenômeno ocorreu.
Como eu disse que pertencia a nenhuma panelinha, depois de tantos parágrafos criticando a grande mídia empresarial brasileira, não é menos importante criticar os críticos mais visíveis desta mídia. Em geral, os maiores críticos desta mídia são colunistas de sites pró-PT. O que causa mais indignação a esses críticos é o fato de jornais, revistas, sites e televisão publicarem denúncias de corrupção envolvendo políticos do PT. É péssimo que critiquem por causa disso. Como demonstrado nos parágrafos anteriores, há muitos outros motivos para criticar. Agora, denunciar corrupção de políticos, incluindo os do PT, não passa de obrigação. Que bom que vivemos em uma sociedade que tem uma mídia que fiscaliza governos, mesmo que estes governos sejam progressistas. Há algumas denúncias falsas, principalmente aquelas presentes na Veja, e isso sim deve ser muito criticado, mas muitas denúncias, principalmente as publicadas em outros veículos, são verdadeiras. Se a grande mídia dá mais destaque para escândalos de corrupção envolvendo políticos do PT do que políticos do PSDB, deve ser criticada pela falta de destaque para o PSDB e não pelo excesso de destaque para o PT. Ao fazerem isso, os sites pró-PT cometem um grande desserviço para a esquerda. Primeiro porque dão um presentaço para a grande mídia, um pretexto para ela exibir um heroísmo inexistente dizendo coisas como "somos perseguidos porque o PT odeia a gente porque nós denunciamos os desmandos cometidos pelo PT". Segundo porque ajudam a fomentar a ideia de que esquerda = PT. Terceiro porque passam a impressão de que quem é de esquerda aceita numa boa as sem vergonhices praticadas por aliados políticos, e contribuem ainda mais para ampliar o descrédito da esquerda, que já anda muito grande no Brasil atualmente.
E quanto ao posicionamento geral da grande mídia empresarial sobre o PT? Pelo que eu enxergo, apenas a Veja faz oposição sistemática aos governos Lula e Dilma. Os outros periódicos e canais de televisão repudiam apenas as ideologias de esquerda presentes em alguns membros do PT, mas não os governos Lula e Dilma como um todo, que não são lá muito esquerdidíssimos. Fazem grandes ataques apenas em momentos de "recaída", como a tentativa de aprovar o III Plano Nacional de Direitos Humanos. Mas caso se mantenham bem comportados, jornais e revistas também ficam bem comportados. A evidência de que o posicionamento é ideológico, e não partidário, é que no primeiro mandato do Lula, quando havia divergência entre o então Ministro da Fazenda Antônio Palocci (do PT) e o então presidente do BNDES Luciano Coutinho (então do PMDB), a grande mídia se colocava claramente no lado do Palocci.
Outra questão importante a ser mencionada é que discussões sobre regulação da mídia não devem ser muito misturadas com questões de conteúdo. A mídia, por ser uma atividade econômica de tendência natural à concentração, deve ter regulação econômica, assim como têm os setores de energia, telecomunicações e petróleo. É péssimo para a concorrência que as Organizações Globo sejam ao mesmo tempo fornecedoras de pacote de televisão por assinatura e fornecedoras de alguns canais. Dificulta a concorrência limpa da Globo News com a Band News, da Sportv com a Band Sports. A propriedade cruzada de televisão aberta, televisão por assinatura, rádio, jornal, revista, cinema e livros escolares por um mesmo grupo empresarial deveria ser proibida. Um grupo que incluísse todas essas atividades deveria ser compulsoriamente desmembrado. Por outro lado, falar de conteúdo quando se fala de regulação é jogar água no moinho de quem diz que regulação é censura. Passa a impressão de que no meio das pessoas que defendem a regulação, alguns realmente defendem a censura.
A grande mídia empresarial brasileira é mesmo controversa. Quem é de esquerda diz que ela é de direita. Quem é de direita diz que ela é de esquerda. A verdade é que ela é de... direita. Não é só porque há dois grupos barulhentos defendendo posições opostas que a verdade precisa estar no exato ponto intermediário entre estas posições. É perfeitamente possível que um lado esteja totalmente certo e o outro esteja totalmente errado, como ocorre agora. Porém, embora estando totalmente correta quando diz que a grande mídia empresarial brasileira é de direita, a esquerda deve evitar fazer críticas burras, para evitar correr o risco de backlash, tiro pela culatra e efeito bumerangue.
Uma sociedade civilizada é aquela que tem uma imprensa que incomoda quem tem o poder. Tanto quem tem temporariamente o poder político, quanto quem tem permanentemente o poder econômico. A imprensa brasileira só cumpre o primeiro pré-requisito: incomoda quem tem temporariamente o poder político, mas é subserviente a quem tem permanentemente o poder econômico. Erra quem critica por incomodar o poder político. Acerta quem critica por ser subserviente ao poder econômico.