sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Realinhamentos opostos na política do Brasil e dos EUA: PT popularizou, Partido Democrata elitizou


Brasil e Estados Unidos são países continentais com república presidencialista e forma federativa de estado. A forma de eleger o presidente é diferente, pois aqui ganha quem tem maioria absoluta de votos e lá ganha quem tem mais delegados no colégio eleitoral. Mesmo assim, é possível fazer comparações sobre como os votos se distribuem geograficamente e socialmente em eleições presidenciais.
 Eu já havia abordado este tema antes da eleição de 2010 no Brasil e a de 2012 nos Estados Unidos neste post, mas como as tendências de distribuição geográfica e social de votos se mantiveram nos dois países, vale apena retomar o assunto.
No Brasil, há um padrão de distribuição geográfica e social de votos que teve início em 2006 e se manteve em 2010. Nos Estados Unidos, há um padrão de distribuição geográfica e social de votos que teve início em 1988, se acentuou em 2000 e se manteve na mais recente eleição presidencial, em 2012.
Não há como fazer analogias entre esses padrões atuais. No Brasil, o PT nas eleições presidenciais de 2006 e 2010 foi mais forte nos estados mais pobres (com exceção de Rio de Janeiro e Distrito Federal em um lado, e Acre e Roraima em outro) e entre as pessoas mais pobres. Não houve diferença importante de desempenho do PT entre cidades grandes e cidades pequenas. Nos Estados Unidos, desde 2000, o Partido Democrata ganha na Costa Oeste, no Nordeste, e nos Grandes Lagos, e o Partido Republicano ganha no oeste interiorano e no Sul. Ou seja, o Partido Democrata ganha nos estados mais ricos e o Partido Republicano ganha nos estados mais pobres. Isto é um paradoxo, pois o Partido Democrata é mais forte entre as pessoas mais pobres e o Partido Republicano é mais forte entre as pessoas mais ricas. Outro padrão é o do Partido Democrata ser mais forte em cidades grandes e o Partido Republicano ser mais forte em cidades pequenas. O único padrão recente é a divisão democrata:estados ricos/republicano:estados pobres. Porque a divisão democrata:pessoas pobres/republicano:pessoas ricas existe desde o início do século XX e a divisão democrata:cidades grandes/republicano:cidades pequenas existe deste a eleição de 1960.
Quer dizer que os padrões de distribuição de votos no Brasil e nos Estados Unidos nunca foram semelhantes? Não, pois em tempos diferentes, houve grandes semelhanças. A divisão eleitoral norte-americana atual lembra muito a divisão eleitoral brasileira vigente até 2002. Nas eleições presidenciais de 1989, 1994, 1998 e 2002 o PT foi mais forte em estados mais ricos (com exceção de São Paulo e Paraná) e em cidades grandes, e mesmo assim, não foi um partido de elite, porque teve melhor desempenho entre as pessoas mais pobres dos estados mais ricos e das grandes cidades. A divisão eleitoral brasileira atual lembra muito a divisão eleitoral norte-americana vigente no tempo do New Deal (1932-1960) e revivida em 1976. O Partido Democrata era mais forte entre as pessoas mais pobres e nos estados mais pobres, principalmente os do Sul. Os democratas tinham votos dos trabalhadores do Norte e dos segregacionistas do Sul.
Em resumo: a divisão geográfica e social dos votos do Brasil do presente é parecida com a divisão dos Estados Unidos do passado, e a divisão geográfica e social dos votos dos Estados Unidos do presente é parecida com a divisão do Brasil do passado. Em ambos os países, houver realinhamento eleitoral, e os realinhamentos ocorreram em sentidos opostos.
Houve uma elitização do voto do Partido Democrata e uma popularização do voto do PT. O Partido Democrata continua tendo maior preferência dos pobres do que dos ricos, mas esta divisão de classe foi suavizada. Somente desta maneira foi possível que, paradoxalmente, o Partido Democrata pudesse ter maior preferência nos estados mais ricos. O PT já era preferido por segmentos do eleitorado mais pobre e rejeitado por segmentos do eleitorado mais rico, mas esta divisão social era bastante suave para que fosse possível que, paradoxalmente, o PT tivesse maior preferência nos estados mais ricos. A divisão social foi acentuada, e dessa maneira, o PT passou a ser preferido também nos estados mais pobres.
Artigo de Jacob, Hees, Waniez eBruslein (2009) trata do realinhamento eleitoral brasileiro. Vincula a perda de apoio do PT entre as classes médias urbanas com os escândalos de corrupção do primeiro mandato de Lula e o ganho de apoio do PT entre as classes baixas rurais com os programas sociais. André Singer também aborda o realinhamento eleitoral brasileiro.
O realinhamento eleitoral norte-americano é explicado por Gelman (2009). Segundo este autor, o realinhamento foi causado pela polarização dos partidos em questões morais e culturais. Até 1980, tanto o Partido Democrata, quanto o Partido Republicano, tinham apoiadores com posições liberais e conservadoras em temas como aborto, sexo, religião e militarismo. O que separava o Partido Democrata do Partido Republicano era o papel do Estado na economia. Depois dessa data, os liberais em questões morais e culturais se concentraram no Partido Democrata e os conservadores nessas questões se concentraram no Partido Republicano. Como as elites dos estados ricos são, geralmente, liberais nesses temas, essas elites passaram a apoiar o Partido Democrata, mesmo tendo este partido posições sobre economia mais favoráveis aos mais pobres. Enquanto isso, as elites dos estados pobres são conservadoras nesses temas, e por isso, tornaram-se extremamente republicanas.
Se os escândalos de corrupção do primeiro mandato do Lula tornarem-se parte do passado, as classes baixas que se tornaram média-baixa no governo Lula passarem a se enxergar como classe média, e a sociedade brasileira passar por mudanças semelhantes às mudanças pelas quais passou a sociedade norte-americana, com elites rejeitando conservadorismo moral; é possível que ocorra um re-realinhamento, e que o mapa eleitoral brasileiro retorne ao período pré-2002. As eleições municipais de 2012 já foram um sinal, pois o PT ganhou em São Paulo, São José dos Campos, Niterói e Uberlândia, e teve várias derrotas no Norte e no Nordeste.
Usarei mapas do meu Atlas dasEleições Presidenciais no Brasil e do Atlas das Eleições Presidenciais dos EUAdo Dave Leip para ilustrar as observações presentes no texto. Dave Leip facilitou meu trabalho ao usar as “cores certas” (vermelho para os democratas e azul para os republicanos). O resto da mídia usa as “cores erradas”.





Semelhanças entre a reeleição de Lula em 2006 e a de Roosevelt em 1936. Ambos tiveram derrotas ou vitórias apertadas em estados ricos (Sul no Brasil, Nordeste nos EUA) e vitórias arrasadoras em vermelho escuro em estados pobres (Nordeste no Brasil, Sul nos EUA)




Semelhanças entre as vitórias de Collor em 1989 e Bush em 2004. Ambos pintaram os estados mais pobres e rurais de azul escuro. Em vermelho, a favor de Lula e Kerry, ficaram estados mais ricos e mais urbanizados (Pernambuco seria exceção, mas é dos estados mais ricos e urbanizados do Nordeste)



Mapa da eleição de 1989 no Brasil por microrregião e da eleição de 2004 nos EUA por condado. Foram ambas eleições apertadas (53% Collor X 47% Lula, 51% Bush X 48% Kerry), mas os mapas ficaram bastante azuis em área, mostrando a dispersão dos votos em Collor e Bush no interior e a concentração dos votos em Lula e Kerry em grandes centros urbanos




Mapas das eleições presidenciais de 2002 e 2006 por microrregião. Em ambas as eleições, Lula teve aproximadamente 60% dos votos. Mas o mapa de 2006 tem área vermelha maior por causa do melhor desempenho de Lula no interior




Divisão de votos por zona eleitoral no município de São Paulo em 2002 e em 2006. A polarização por classe social aumentou muito em 2006, mas já existia em 2002, antes do mensalão, do Bolsa Família e dos grandes aumentos do salário mínimo. Em 2002, o Jardim Paulista votou da mesma maneira que o interior miserável de Alagoas, o único estado em que Serra teve maioria.


Mapa eleitoral da Califórnia por condado em 2012. Obama venceu Romney por 60% a 37%, mas perdeu no Orange County, indicado pelo círculo na figura, onde moram os ricaços da Califórnia. Até 1988, a Califórnia, um dos estados de maior PIB per capita dos EUA, era republicana. Passou a ser ininterruptamente democrata desde 1992. Mas o Orange County continuou republicano.