domingo, 11 de maio de 2014

A lenta convergência eleitoral de São Paulo com as demais capitais do Centro Sul

Nas primeiras eleições presidenciais ocorridas logo após à redemocratização, era possível classificar a cidade de São Paulo como um bastião de conservadorismo quando comparada com as demais capitais do Centro Sul do Brasil. Na maioria das demais capitais, Lula tinha votação acima da média nacional. Em São Paulo, sempre teve abaixo.
Aí, ocorreu o realinhamento geográfico entre 2002 e 2006. Por causa, por um lado, dos programas sociais e do aumento do valor real do salário mínimo, e, por outro, dos escândalos de corrupção envolvendo políticos do PT, as capitais estaduais do Centro Sul deixaram de ser a maior força e passam a ser a maior fraqueza de Lula, enquanto que o oposto ocorreu no interior do Norte e do Nordeste. Lula (e depois Dilma) sofreram forte queda em quase todas as capitais do Centro Sul. Mas não em São Paulo.
A tabela a seguir mostra o percentual de votos válidos de Lula no segundo turno de 1989 e de Dilma no segundo turno de 2010 nas onze capitais do Centro Sul. Verifica-se que apenas em São Paulo e em Cuiabá, a votação de Dilma em 2010 superou a de Lula em 1989.
  Lula 1989 Dilma 2010 diferença
Brasília 62.7% 52.8% -9.9%
Vitória 48.4% 44.3% -4.1%
Goiânia 47.8% 42.4% -5.3%
Belo Horizonte 68.8% 49.6% -19.2%
Cuiabá 35.7% 50.8% 15.1%
Campo Grande 49.2% 39.8% -9.4%
Curitiba 44.1% 36.4% -7.7%
Rio de Janeiro 73.0% 61.0% -12.0%
Porto Alegre 76.7% 44.2% -32.5%
Florianópolis 69.3% 38.5% -30.9%
São Paulo 43.3% 46.4% 3.0%
 
O impressionante é que ocorreu o oposto do que o senso comum sugeriria. Isto porque em 1989, o candidato do PT era de São Paulo e seu opositor não era. Em 2010, a candidata do PT não era de São Paulo e seu opositor era.
Verificando a evolução da votação na esquerda em todas as eleições presidenciais da Nova República disputadas até agora em São Paulo e nas outras dez capitais do Centro Sul do Brasil, fica bastante evidente a convergência. Em São Paulo, o conservadorismo eleitoral era muito maior do que na média ponderada das demais capitais, e esse abismo foi diminuindo até atingir patamar bem pequeno em 2010.
 
Por votação na esquerda, entende-se votação no Lula nos segundos turnos de 1989, 2002 e 2006, em Dilma no segundo turno de 2010, em Lula e Brizola no primeiro turno de 1994 e em Lula no primeiro turno de 1998. (1994: (Lula+Brizola)/(Lula+Brizola+FHC+Amin), 1998: Lula/(Lula+FHC))
 
É possível observar que a diferença entre a votação no PT nas demais capitais do Centro Sul e em São Paulo caiu bastante em 2006 em comparação com 1989 e 2002, e em 2010 em comparação com 2006. Em 1994 e 1998, como Fernando Henrique foi muito bem até nas capitais, a diferença entre São Paulo e as demais não foi muito grande, ainda que tenha sido maior do que foi em 2010.
Uma explicação alternativa à da convergência, é a de que a elasticidade eleitoral de São Paulo seria mais baixa em comparação com outras capitais. Tanto a esquerda, e mais ainda a direita teriam percentuais de votos fixos mais altos em São Paulo do que em outras capitais. Por isso que em 1994 e 2010, quando a votação da esquerda nas capitais do Centro Sul foi ruim, o diferencial foi baixo, e em 1989 e 2002, quando a votação da esquerda nas capitais do Centro Sul foi muito boa, o diferencial foi alto. Mas isto não explica o fato do diferencial de 2002 e 2006 terem sido menores que o de 1989 e o de 2010 ter sido menor do que o de 1994. Parece que está mesmo ocorrendo uma convergência.
É possível que em 2014, a votação de Dilma seja igual em São Paulo e nas demais capitais do Centro Sul. Alguns comentaristas dirão que isto teria ocorrido pelo fato do candidato anti-PT desta vez não ser de São Paulo. Como foi demonstrado pela comparação entre 1989 e 2010, a explicação não deve residir aí. O motivo poderá ser a continuação da convergência.
Nas eleições presidenciais, São Paulo está lentamente deixando de ser um rincão conservador.
Nas eleições municipais, é difícil dizer que já foi, pois elegeu prefeito do PT três vezes. A novidade de 2012 foi ter eleito pela primeira vez um prefeito do PT sem a necessidade do voto útil anti-Maluf, até mesmo porque o Maluf estava com ele.
Parece que enquanto Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre se direitizam, São Paulo se esquerdiza.

domingo, 4 de maio de 2014

O que Keynes e Gramsci têm em comum? Há um "pensador" brasileiro que entendeu errado ambos!

Olavo de Carvalho e seu rebanho repetem a ladainha de que "meus críticos nunca leram um livro meu". Eu nunca li e nunca lerei. Se ele escreve algo na imprensa que minha formação permite saber que o que ele escreveu é uma grande besteira, eu não preciso ler um livro dele para falar que aquilo que ele escreveu é uma besteira.
Eu li a Teoria Geral do Keynes inteira, assim como artigos e livros que comentam a obra deste autor. Se o Olavo de Carvalho escreve algo sobre Keynes que pelo que eu conheço do economista britânico eu sei que é besteira, eu não preciso ter lido Aristóteles nem saber discutir o que o Olavo de Carvalho escreveu sobre Aristóteles para dizer que ele escreveu besteira sobre Keynes.
Nem mesmo os adeptos da ideologia de Olavo de Carvalho pensariam de outra maneira. Quando eles falam mal de Noam Chomsky por causa de suas opiniões sobre política, eles não necessariamente leram sua obra sobre linguística. Bom, o paralelo entre Noam Chomsky e Olavo de Carvalho para por aí.

E quais foram as besteiras de o Olavo de Carvalho sobre o Keynes. Coloco em negrito os parágrafos do texto do "filósofo" e em letra normal meus comentários.

Cresci ouvindo dizer que Lord Keynes fora o salvador do capitalismo. Precisei de uma vida inteira para descobrir que o desgraçado protegera o círculo de espiões soviéticos em Cambridge, que a aplicação de suas teorias nos Estados Unidos dera a maior zebra e só a guerra conseguira resgatar do naufrágio o New Deal inspirado por ele.

FDR não aplicou políticas econômicas keynesianas logo no início do seu governo, e a recaída depressiva de 1937 ocorreu justamente quando as tímidas políticas econômicas keynesianas foram abandonadas. O fato da guerra ter salvo a economia norte-americana é a confirmação da teoria keynesiana está correta, pois esta diz que políticas de fomento à demanda podem recuperar a economia e não há maior fomento à demanda do que uma guerra.

A mágica besta da economia keynesiana consistia em fazer do Estado o maior dos capitalistas, colocando-o à frente de grandes projetos industriais. De imediato, tinha um efeito formidável, porque gerava empregos. À objeção de que a longo prazo isso resultaria numa inflação dos diabos, os impostos subiriam até o céu, os operários seriam pagos com papel pintado e teriam de se matar de trabalhar para sustentar uma burocracia cada vez mais voraz, Keynes respondeu com a célebre evasiva: “A longo prazo, estaremos todos mortos”.

O keynesianismo não consiste em fazer do Estado um capitalista. Sempre reconheceu que produção deve ser feita por empresas privadas. O que o keynesianismo propõe é que o Estado administre a demanda agregada por políticas fiscais e monetárias, para evitar recessão por insuficiência de demanda e inflação por excesso de demanda, e redistribua a renda dos ricos para os pobres com impostos progressivos e programas sociais.

Keynes, de fato, morreu em 1946, mas a maioria dos americanos ainda viveu para carregar o Estado keynesiano nas costas até que Ronald Reagan cortasse os impostos em 1981, iniciando a recuperação econômica de que os EUA se beneficiam até hoje.

O corte de impostos de Reagan, feito junto com aumento de gastos militares, foi uma política regressiva, mas keynesiana. Pois menos impostos e mais gastos militares geram maior demanda agregada.
Na era keynesiana progressiva, de 1950 a 1980, os EUA tiveram crescimento do PIB maior do que entre 1980 a 2007, período que inclui o keynesianismo regressivo de Reagan e Bush Junior e as políticas econômicas mais bem comportadas de Bush Senior e Clinton.

De onde vinha então o prestígio de Keynes? Vinha da esquerda. A roda de milionários, estrelas de Hollywood e intelectuais mundanos que nos anos 30 personificavam a moda do stalinismo chique – tal era, em substância, a platéia de seu show. Os fios juntavam-se. Stálin havia determinado que o Partido Comunista dos EUA não cuidaria de organizar o proletariado, mas só de arregimentar o beautiful people para subsidiar o comunismo europeu e dar-lhe o respaldo moral de celebridades com aparência de independentes. Daí a profusão de espiões comunistas e “companheiros de viagem” nos altos círculos da Era Roosevelt. A ampliação da burocracia estatal era de interesse direto para essa gente. Quando, na década de 60, a difusão das obras de Antonio Gramsci ensinou aos esquerdistas que para tomar o poder eles não precisariam fazer uma insurreição, bastaria que dominassem o aparelho de Estado pouco a pouco e de dentro, gramscismo e keynesianismo descobriram que tinham sido feitos um para o outro. De seu matrimônio espontâneo nasceu a esquerda atual.

Pelo que foi visto, para falar da suposta relação entre keynesianismo e gramscismo, é preciso não apenas ter entendido Keynes errado, como ter entendido Gramsci errado também.

A base dela já não está no proletariado, soberbamente conservador, mas na burocracia administrativa e judiciária, nos organismos internacionais, nas ONGs, na imprensa, nas universidades – e, de outro lado, no variado leque de “minorias”, as quais, recrutadas segundo os critérios mais desencontrados (sexuais, etários, raciais, regionais), não têm em comum senão o ressentimento sem objeto e a dependência da tutela do Estado, o que faz delas a massa de manobra ideal para keynesianos e gramscianos. Essa esquerda ocupa os melhores postos, come a parte mais nutritiva das verbas do orçamento, faz as leis, impera sobre a mídia e, ao mesmo tempo, fala em nome dos revoltados contra o establishment – os quais, precisamente, não sabem que ela é o establishment.

Embora pretenda ser antimarxista, o Upa acabou de fazer uma análise marxista da sociedade, apenas trocando a classe exploradora. Ao invés da burguesia, a burocracia. Dizer que tem uma classe que domina e que utiliza os meios de difusão de ideologia para dominar é algo bem marxista...

Lord Keynes não salvou o capitalismo. Se o fizesse, seria odiado pela esquerda. O que ele fez foi tornar o capitalismo o mais confortável dos regimes para a elite esquerdista, criando a base econômica da “longa marcha para dentro do aparelho de Estado” planejada por Gramsci. Eu também o aplaudiria, se meu sonho na vida fosse ser um comunista chique.

Fechando o texto com chave de ou... quer dizer, de merda. O texto foi imbecil como um todo, mas este parágrafo superou os demais. É óbvio que não é a esquerda que quer acabar com o capitalismo que aplaude Keynes. Pensadores de extrema-esquerda, como o Francisco de Oliveira, lamentam que a esquerda utilize Keynes como referencial. O Keynes é referência para esquerdistas moderados. E também para quem não é nem um pouco de esquerda, como Delfim Netto e Gregor Mankiw. E o capitalismo não deixaria de existir se não existisse o keynesianismo. Apenas os trabalhadores sofreriam mais com seus ciclos e com suas desigualdades.