Não é possível falar das manifestações
de 2013 como somente aquelas que ocorreram em junho, porque muitas
manifestações ocorreram de janeiro a dezembro daquele ano. Nem é possível falar
de um movimento homogêneo porque houve diversos grupos políticos se manifestando,
diversas ideologias, diversas causas, encontrando-se até mesmo umas causas
opostas a outras. Nem é possível falar de movimentos que tiveram início em
2013, porque muitos dos movimentos bastante presentes em 2013 tiveram início
bem antes, e 2013 foi apenas o ano do auge.
As mais conhecidas manifestações de
2013 foram as dos dias 17 e 20 de junho na Avenida Paulista / Avenida Rio
Branco. Foram as que se seguiram às manifestações do Movimento Passe Livre da
semana anterior, e reuniram de tudo, desde o próprio Passe Livre até a
extrema-direita que repudiava as ideias deste movimento, e, embora o transporte
público estivesse ainda na pauta, os muitos cartazes tratavam de muitos outros
temas, como corrupção, educação, saúde, grandes eventos esportivos. Mas ao
longo de 2013, também ocorreram manifestações como o “Fora Renan”, “Não vai ter
Copa”, “Fora Feliciano”, “Contra a Cura Gay”, “Contra o Estatuto do Nascituro”,
“Onde está Amarildo”, “Fora Cabral”, a greve dos professores no Rio, as
manifestações em defesa dos atingidos por Belo Monte e a continuação de manifestações
que já ocorriam há alguns anos, como as paradas gay, as marchas da maconha e as
marchas das vadias.
Os integrantes do Movimento Passe
Livre, de esquerda, que foi o estopim das maiores manifestações, muito
provavelmente são eleitores da Luciana Genro. Mas entre os participantes de
outras manifestações, apesar da já mencionada heterogeneidade, caracterizam um
novo movimento de opinião pública no Brasil: jovens, com ensino superior ou nele
cursando cursando, insatisfeitos com o lulismo, mesmo tendo alguns apoiado no
início, mas não se alinhando a nenhuma das oposições mais conhecidas. A
oposição de esquerda, mais representada pelo PSOL, defende um sistema econômico
mais socialista. A oposição de direita, mais representada pelo PSDB, defende um
sistema econômico mais liberal. Opostas no espectro político, estas oposições
compartilham uma característica em comum: têm como foco a discussão sobre
sistemas econômicos, que inclui a discussão sobre a interação entre o Estado e
os agentes privados. Já este novo movimento de opinião não tem como foco a
interação entre o Estado e os agentes privados, mas a qualidade do Estado. Por
isso, ataca a corrupção e o fisiologismo, e defende melhor qualidade da
educação, saúde e transporte público, sem falar de imposto sobre grandes fortunas,
como faz o PSOL, nem de redução da carga tributária, como faz o PSDB. Outro
obstáculo deste movimento se alinhar com o PSDB é que não é possível criticar o
status quo e defender o PSDB ao mesmo tempo, uma vez que um viajante que se
desloca por terra de Curitiba a Belém só transita por estados governados pelos
tucanos. Outra característica comum a vários manifestantes de 2013 é serem
progressistas em temas como gênero, aborto, homossexualidade, religião, drogas
e direitos humanos, e defende a preservação do meio ambiente. Ressalvas aos
manifestantes e a este movimento de opinião pública devem ser feitas. Não é
porque muitos dos manifestantes são escolarizados que suas ideias são complexas
e profundas. Pouco se discutiu sobre como diminuir a corrupção, e melhorar a
educação, a saúde e o transporte público, apenas que isso deve ser feito. Alguns questionamentos presentes nas ruas sobre os grandes eventos esportivos foram muito pobres, culminando nas infelizes palavras de ordem "não vai ter copa".
Já vi um colunista escrever que o embrião
das manifestações de 2013 é a candidatura da Marina Silva em 2010. Na verdade,
vem de antes. Teve início com a candidatura de Cristóvam Buarque em 2006. Foi a
primeira a representar uma crítica ao lulismo sem ser “pela esquerda” ou “pela
direita”. O senador brasiliense só teve 2%, mas muitos dos que viriam ser os
futuros eleitores de Marina Silva quatro anos mais tarde também se viram
representados pela Heloísa Helena, que ao contrário de Plínio Sampaio e Luciana
Genro, não teve eleitorado restrito à esquerda. No Rio de Janeiro, muitos adeptos deste movimento de opinião que esteve presente nos protestos de 2013 votaram no Marcelo Freixo para deputado estadual em 2010 e para prefeito em 2012 unicamente por identificarem com sua agenda de direitos humanos, sem apoiarem outros candidatos do PSOL.
Em 2014, o programa que mais bem
representa este movimento de opinião que esteve presente nas ruas em 2013 é o
do Eduardo Jorge, do Partido Verde. http://divulgacand2014.tse.jus.br/divulga-cand-2014/proposta/eleicao/2014/idEleicao/143/UE/BR/candidato/280000000061/idarquivo/83?x=1409866177000280000000061
Contempla a agenda social modernizadora semelhante à do programa de Luciana
Genro, como a legalização do aborto, o casamento gay e a legalização da
maconha, e trata de fortalecimento dos mecanismos de democracia direta, mas ao
contrário do programa do PSOL, não tem uma agenda socialista para a economia. E
também não tem uma agenda de direita anti-Estado social. O programa de Eduardo
Jorge defende corte de custos através da contensão dos salários dos
congressistas, redução do número de congressistas e assessores, redução do
número de ministérios e descentralização de atribuições e receita para os
municípios, mas não defende redução das atribuições do Estado. E óbvio, há uma
agenda a favor do meio ambiente e dos povos indígenas.
O Eduardo Jorge é na verdade o que a
Marina Silva poderia ter sido e que não foi. É aquilo que alguns dos eleitores
da Marina Silva de 2010 queriam que ela fosse. Se em 2010 ela já não era aquilo
que alguns de seus eleitores queriam que ela fosse, em 2014 ficou mais
diferente ainda. Defende uma agenda econômica semelhante à do PSDB. Quase não
fala mais de meio ambiente. E no ano passado, deu declaração favorável a Feliciano,
um dos maiores alvos de muitas manifestações.
Outra semelhança de Eduardo Jorge com
as manifestações de 2013 é a forma de usar a Internet. Todos os candidatos têm
página no Facebook para divulgar a campanha. Mas os demais geralmente usam
linguagem de jornal e televisão na Internet. Já Eduardo Jorge usa a linguagem
própria de Internet, na sua bem humorada página YES WE QUERO https://www.facebook.com/yeswequero
Ainda assim, Eduardo Jorge não tem
mais de 1% nas pesquisas de intenção de voto. É um nome desconhecido. O maior
cargo executivo que teve foi de secretário municipal. A fraqueza do PV, satélite
do PSDB e DEM em alguns estados, também prejudicou. Provavelmente ele passará
dos 3% no Flamengo, Laranjeiras, Botafogo, Catete e Santa Teresa, mas não muito
mais do que isso.
Uma menção que deve ser feita antes de
terminar o texto é que Dilma Rousseff também incorporou parte do espírito das
manifestações de 2013. Apesar dela ser governo e protestos serem anti-governo
por natureza, foram feitas políticas como o Estatuto da Juventude, o Marco
Civil da Internet, a alocação dos royalties do Pré-Sal na educação e na saúde,
o Plano Nacional de Participação Social e o Marco Regulatório das Organizações
da Sociedade Civil.