quarta-feira, 1 de julho de 2009

Para não acreditar em Papai Noel



É óbvio que mesmo antes da eleição presidencial, era de notório conhecimento de que havia muitas violações dos direitos civis no Irã. Basta lembrar que este país é um dos líderes mundiais em pena de morte.
Porém, mesmo com todas estas violações, eu achava que o Irã fosse uma semi-democracia, um regime razoavelmente razoável em comparação com as ditaduras árabes sunitas das redondezas. O povo não tinha voz em assuntos como religião e política externa, a cargo do chefe máximo do clero xiita, que controla o Estado. Mas o povo parecia ter ao menos voz nos demais assuntos, ao eleger quem controla o governo. Dentro dos limites impostos pelos aiatolás, chegou haver alternância de poder entre os muito duros e os nem tanto duros. Quem pensava isso até o dia 13 de junho, teve a mesma decepção de uma criança que descobre que Papai Noel não existe. O Irã se comportou como uma republiqueta de bananas a partir de então: eleição opaca, tiros e porretes em manifestantes, prisões, censura etc.

Agora, não é porque caiu um mito que se deve criar outro: o de que a fraude eleitoral foi um fato consumado e que se a eleição tivesse sido honesta, Ahmadinejad teria perdido. A lisura desta eleição certamente deve ser questionada: representantes dos candidatos não tiveram acesso à contagem, não houve divulgação de pesquisas de boca-de-urna logo depois do pleito, conforme acontece em países livres. Isto indica que algumas mutretas podem ter ocorrido sem que ninguém tivesse percebido. Porém, alguns dos argumentos utilizados para defender a teoria de que houve uma fraude monstro capaz de mudar o resultado em 10 milhões de votos são bem fracos. Não precisa ser especialista em Irã para refutá-los, basta ter um pouco de raciocínio crítico:

1. Os votos foram contados rápido demais. No Irã as eleiçoes parlamentares não são simultâneas à presidencial. Portanto, há apenas um papel por eleitor para contar. Não tem motivo para demorar. Na Europa, o voto também é por papel, há países tão populosos quanto o Irã, e a apuração é tão rápida quanto.
2. Em algumas cidades, houve mais votos do que eleitores registrados. No Irã, não é obrigatório um eleitor votar em sua própria zona. Não é impossível que o número de viajantes em uma ou outra cidade seja maior que o de crianças e adolescentes. Esta falta de rigor nas regras tira a credibilidade da eleição do Irã. Mas não prova que os votos a mais nas tais cidades eram necessariamente de fantasmas a favor de Ahmadinejad.
3. Moussavi perdeu em sua província natal. Ora, se isso fosse sinal de fraude, várias eleiçoes no mundo inteiro foram fraudadas.
4. Ahmadinejad venceu em Teerã, onde a população seria mais liberal. Ahmadinejad foi prefeito de Teerã e suas políticas assistenciais pode ter conquistado a população mais pobre. Em Teerã, a vantagem de Ahmadinejad foi menor.
5. Apesar da semelhança da porcentagem de votos em Ahmadinejad em 2005 e 2009, os resultados por província foram diferentes. Durante o governo de Ahmadinejad, o Irã ganhou muito dinheiro com o petróleo caro, e parte deste dinheiro foi para programas sociais. Tais programas podem ter construído novas bases de apoio. O mesmo houve com Lula. Em 2002 e 2006, sua votação foi igual, mas a distribuição regional dos votos foi bem diferente. Em 2002, sua principal base foram as regioes metropolitanas. Os programas sociais fizeram Lula ter muitos votos no interior pobre em 2006.
6. A alta participação tende a favorecer candidatos reformistas. Na reta final da campanha, houve forte mobilização pró-Moussavi. Isto pode ter aumentado também a mobilização realizada por seguidores de Ahmadinejad.
7. Os dois outros candidatos tiveram votação inexpressiva. Quem vê problema nisso até parece que não conhece história de eleiçoes. Quando há polarização entre dois candidatos, os demais são esquecidos. Isto é extremamente normal. Em 2006 no Brasil, ao conversar com pessoas na rua, era possível ver que muita gente tinha simpatia pela Heloísa Helena e pelo Cristóvam Buarque. Mas na hora do vamos ver, ambos tiveram resultados inexpressivos.

Deve ser lembrado também que muitas pesquisas, inclusive uma feita em parceria da BBC com a ABC, apontou antes do pleito que a participação seria alta e que Ahmadinejad venceria na proporção de 2 pra 1.

De qualquer forma, é legítimo os opositores de Ahmadinejad contestarem a legitimidade do pleito, tendo em vista sua falta de transparência.
Eu não tenho nada a ver com comentaristas de blogs de esquerda no Brasil que defendem veladamente Ahmadinejad por achar que ele faz frente ao imperialismo. Pela sua própria biografia, Moussavi está muito longe de ser cordeirinho do ocidente e mesmo se fosse, caberia ao povo iraniano decidir seu líder. Eu estava torcendo para o Moussavi, mas independente de quem fosse o melhor, não dá para negar o óbvio: se houve a fraude houve, se não houve não houve.
Agora, considerar a fraude um fato consumado pode se tornar uma barriga que nem aquela da "pista escorregadia", só que desta vez, em escala internacional.
Como mencionei anteriormente, CNN e BBC se portam de maneira extremamente profissional, mostra a crueldade do regime contra seus opositores como um fato, o que certamente é, mas sempre falam da fraude como uma hipótese. O mesmo não se pode dizer da mídia alemã, que mesmo hoje sendo livre e independente do governo, continua uma fabriqueta de consensos. A rede de televisão ZDF chegou a divulgar como sério o boato de que Ahmadinejad teria ficado em terceiro. A Spiegel fez uma capa entitulada "a rebelião contra os radicais", com uma foto de uma mulher manifestante usando o pano na cabeça e ao fundo, as fotos de Ali Khamenei, Ahmadinejad e ???????? Osama Bin Laden.

Nenhum comentário: