domingo, 1 de fevereiro de 2015
O PT e a extrema esquerda, o PSDB e a extrema direita
Não foi surpreendente a quase ausência de reação do PSDB à declaração do Jair Bolsonaro sobre o estupro. Este partido não teria razão para incomodar os fãs do militar deputado pelo Rio de Janeiro. Afinal, quem mais se envolveu na campanha de Aécio Neves para presidente não foram os apreciadores da obra "Dependência e desenvolvimento na América Latina" de Fernando Henrique Cardoso, nem dos artigos de economia de José Serra, nem das ideias de Franco Montoro, Magalhães Teixeira e Mário Covas. Quem mais se empenhou em defender a candidatura do Aécio no Facebook, nas páginas de comentários dos sites de notícias e nas ruas foram os fãs de Jair Bolsonaro. E, óbvio, leitores da Veja, ouvintes de Rachel Sheherazade e Danilo Gentili e todas essas excrecências aí. O PSDB não daria um pé na bunda em seus mais aguerridos apoiadores apenas um mês depois de uma tão concorrida eleição. Repara-se que no município do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro teve aproximadamente 10% dos votos para deputado federal. No segundo turno para presidente, Aécio teve perto de 50% dos votos. Como todos os que votaram em Jair Bolsonaro para deputado votaram em Aécio para presidente, aproximadamente 1/5 dos eleitores de Aécio no município do Rio de Janeiro votou em Jair Bolsonaro. Não é pouca coisa.
Muitos posicionamentos são feitos na política através do silêncio. Quando o PSDB manifestou-se sobre o assunto apenas com uma tímida nota, que não mencionou sequer nomes, e seus deputados se calaram, a mensagem implícita passada foi "fãs de Bolsonaro, defende-lo explicitamente não dá, mas enquanto outros partidos repudiaram o deputado querido de vocês, nós ficamos caladinhos porque estamos fazendo o possível para não abandonar vocês, uma vez que vocês deram grande contribuição na campanha".
Um gesto análogo foi o do governo Lula ao ter recusado a extradição do terrorista italiano Cesare Battisti. Lula agiu igual Mitterrand: usou Battisti como um prêmio de consolação para extrema-esquerda, insatisfeita com a política econômica do governo. Foi um recado como "esquerdistas remanescentes no PT e no PCdoB, não nos abandonem, não vão para o PSOL e para o PSTU, a militância de vocês nas campanhas é muito importante, olhem como nós fomos legais com vocês. Na política doméstica, só não vamos mais para a esquerda porque o Congresso não deixa".
Os dois grandes partidos de eleições majoritárias no Brasil têm relação ambígua com os extremos do espectro político. Nos discursos oficiais de campanha, gostam de se mostrar como próximos do centro. Mas através de comunicação em código e gestos simbólicos, o PT sempre procura manter canal de comunicação com a extrema-esquerda e o PSDB sempre procura manter canal de comunicação com a extrema-direita. Por dois motivos: primeiro lugar, porque se os extremos se veem completamente excluídos dos partidos majoritários, eles podem se organizar sozinhos e se tornar uma ameaça aos partidos majoritários. Caso emblemático se viu na França, em que Sarkozy foi obrigado a incorporar para do discurso dos Le Pen para que a Frente Nacional não se tornasse maior até mesmo do que a UMP. Em segundo lugar, os extremos são uma força de militância muito mais combativa do que a forças políticas próximas do centro.
Por causa disso, o PT é ao mesmo tempo o partido que lidera um dos governos da "esquerda responsável" na América Latina, "responsável" até demais muitas vezes, principalmente depois das medidas anunciadas neste segundo mandato de Dilma, que mostra pros banqueiros que não é contra a austeridade, que mostra pros religiosos que não é satanista; e também o partido que se aproxima dos outros "governos progressistas" da América Latina, que repudia o imperialismo norte-americano e europeu, que está junto dos sindicatos, dos movimentos sociais, das minorias. O PSDB é ao mesmo tempo o partido que criou os fundamentos do Bolsa Família e também o partido dos que acham que Bolsa Família só serve pra comprar voto de vagabundo que não deveria ter o direito de votar.
Dois textos recentes tratam muito bem deste tema. Em "A Grande Ilusão", Vladimir Safatle mostra como o PT é ao mesmo tempo governo e oposição de esquerda ao seu próprio governo, ou seja, como procura tutelar a oposição de esquerda para não perder o controle. Em "O Perigo da Extrema Direita", Renato Janine Ribeiro mostra como a militância de extrema-direita pode ser útil eleitoralmente ao PSDB, mas como esta militância pode desfigurar o partido.
A relação do PT com a extrema esquerda é mais evidente para a maior parte dos observadores porque não é tão difícil de entender. O PT nasceu em 1980 ocupando o espaço mais à esquerda no espectro político brasileiro, e foi se moderando ao longo do tempo, chegando à Carta ao Povo Brasileiro de 2002. Por isso, sempre teve proximidade com movimentos sociais que estão mais à esquerda do que os governos Lula/Dilma. Já quando presidente, Lula usou um boné do MST como um gesto simbólico, para mostrar que mesmo com um Ministro da Agricultura ligado ao agronegócio, o PT não perdeu o contato com a luta pela reforma agrária. Atualmente, o PT ainda conta com uma rede de blogueiros e de comentaristas em comunidades virtuais do Facebook que criticam o PSOL não por ser radical demais, mas por "dividir a esquerda". Esses "formadores de opinião" gostam de passar a imagem de o PT continua tendo bandeiras tão esquerdistas quando o PSOL e que só não as implementa porque "a atual correlação de forças não permite". O PT não quer perder toda a militância de esquerda para o PSOL.
A relação do PSDB com a extrema direita, muitos conhecem só de atualmente, mas alguns laços não são tão recentes. Quando este partido foi fundado em 1988, alguns cientistas políticos consideram-no um partido de "centro-esquerda". Os fundadores foram antigos políticos do MDB, intelectuais com tendências esquerdistas no passado. Embora o partido tenha o nome de "social democrata", nunca teve relação com trabalhadores sindicalizados nem mesmo no ano de sua fundação. Diferente do que ocorre com partidos social democratas europeus. Mesmo nunca tendo sido muito esquerdista, o PSDB foi caminhando para a direita com o tempo, tendo como importante marco a coligação com o PFL em 1994.
Já na década de 1990, apareceu o primeiro sinal de aproximação do PSDB com a extrema direita. A Revista República, criada por Mendonça de Barros para ser um meio de comunicação paraoficial do partido, chegou a dedicar uma matéria de capa ao "filósofo" Olavo de Carvalho, quando ele ainda nem era conhecido. O redator chefe da revista, Reinaldo Azevedo, um simples tucano convencional no passado, tornou-se um imitador do "pensamento" de Olavo de Carvalho a partir do primeiro mandato do Lula. Isto ajudou a aproximar o tucanismo do olavismo. Isto eu expliquei com mais detalhes no meu post anterior. Importante lembrar que a Nossa Caixa, banco público paulista, patrocinava a revista de Reinaldo Azevedo.
O PSDB ainda contribui com a divulgação e o apoio financeiro ao "pensamento" de Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino assinando a Revista Veja para as escolas estaduais paulistas.
O Instituto Millenium, criado para divulgar ideias de direita no Brasil, reúne economistas do PSDB e colunistas raivosos da imprensa.
Outro fato importante a se considerar são as frequentes aparições de Luís Felipe Pondé na TV Cultura.
Em 2010, José Serra explorou ateufobia alheia na campanha presidencial e em 2012, explorou homofobia alheia na campanha municipal. Não se esqueceu nem mesmo do Foro de São Paulo. Nem viu problemas em incentivar a participação de pessoas em uma manifestação onde se sabia que haveria pedidos de golpe militar.
Verifica-se através destes exemplos que o PSDB não apenas vem contando com a militância de extrema direita, como vem ajudando a fomentá-la. Não sabemos se o criador terá controle sobre a criatura para sempre.
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