sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

É, cadê o ditador?



Ficou engraçada esta imagem que tirei da Desciclopedia



Chávez é um verdadeiro líder popular, defensor dos negros, defensor dos índios, defensor dos oprimidos. Os ataques contra ele partem de uma elite branca asquerosa que sempre oprimiu o povo, e que agora, merece uma resposta... ops!!!, isto é o que eu chamo de loaded language (ou linguagem carregada), que deve ser evitada. Não apenas a linguagem tem problemas, o que escrevi nas primeiras frases também é um pouco distorcido em relação à realidade. Agora, dizer que Chávez é um ditador, que ele é uma ameaça a isso, isso e aquilo, também é loaded language, também é deformação.

O resultado do referendo sobre as reformas na Constituição foi uma vitória muito incoveniente para a oposição mais radical (dentro e fora da Venezuela), que teve esvaziado seu discurso quanto ao "ditador". Foi uma vitória muito mais relevante para os eleitores que reconhecem os avanços sociais ocorridos na administração de Chávez, porém, acreditam que alternância de poder é importante, que movimentos políticos não devem ser personalizados e que o surgimento de novas lideranças é necessário. A esperteza de Chávez não deu resultado. Ele misturou no referendo algumas políticas de inclusão social com políticas de fortalecimento do Poder Executivo e possibilidade de reeleição infinita, esperando que o povo votasse no si por causa das políticas sociais, levando as de fortalecimento de poder pessoal no pacote.

Fora o referendo, que como afirmei, mesmo alguns defensores moderados do atual governo venezuelano votaram no, Chávez ganhou três eleições presidenciais (1998, 2000, 2006), o referendo da nova constituição (1999), o referendo da continuidade do mandato (2004) e ainda obteve respaldo do povo para retornar ao Palácio Miraflores após ao infame golpe de 2002. Os processos eleitorais foram desprovidos de fraude. A organização de Jimmy Carter garantiu que houve lisura em 2004, por exemplo. E na ausência de indícios de sujeira, o ônus da prova fica com quem acha que houve, e não com quem acha que não houve.

Enfraquecida, pelo último referendo, a tese da "ditadura", os opositores fanáticos do presidente venezuelano (principalmente os de outros países) costumam martelar na história do "líder populista manipulador das massas ignorantes". O apoio popular de Hugo Chávez viria da miséria da falta de instrução do povo. PORRA! Quem jamais esteve em um determinado país, pouco procura se informar sobre este país, não conhece o cotidiano deste país, sabe sobre este presidente baseado apenas nas bobagens que este disse e que apareceu nos Telejornais, e ainda pensa que sabe melhor como votar do que a própria população deste determinado país, não é uma pessoa que apenas "pensa diferente". É uma pessoa que tem algum problema, alguma esquizofrenia. Eu, por exemplo, não sou venezuelano, nunca estive na Venezuela, nunca conversei sobre um venezuelano sobre política, portanto, não vou aqui falar que os apoiadores ou opositores de Hugo Chávez são isso ou aquilo. Este texto é sobre os críticos de fora.
Uma eleição pode ser ganha por manipulação, por uma boa campanha de marketing. Agora, qualquer um que ganha três eleições e dois referendos, deve ter seus méritos em administração, mesmo falando ou fazendo umas bobagens de vez em quando. Em 1998, quando Chávez foi eleito pela primeira vez, 50,4% dos venezuelanos viviam em situação de pobreza e 20,3% em situação de extrema pobreza. Depois do caos inicial do governo, e das greves provocadas pela oposição, que provocaram uma depressão econômica, esses números eram 61% e 30,2% em 2003. Depois de três anos de forte recuperação na economia, no final de 2006, 36,3% dos venezuelanos viviam em condição de pobreza e 11,1% em extrema pobreza. Além disso, a ampliação do gasto social pode ter melhorado a situação dos que ainda estão abaixo da linha de pobreza.
Nos anos 70, devido à alta do preço do petróleo, a Venezuela tinha a maior renda per capita da América do Sul. Porém, depois de 1977, o PIB do país começou a cair e até hoje não atingiu o nível daquele ano, mesmo com o crescimento de 2004 até hoje (o PIB atual pelo menos é o maior desde 1980). Nos anos 80, houve sucessivos governos fracassados. No final da década, Carlos Andrés Pérez tentou fazer reformas neoliberais. A falta de êxito levou a uma revolta popular, tendo como pretexto uma elevação do preço da tarifa de ônibus. Esta revolta foi massacrada. Diante do clima de instabilidade, o então para-quedista Hugo Chávez tentou dar um golpe em 1992, sendo merecidamente preso (ao contrário do que ocorreu com o golpista Pedro Carmona em 2002). Em 1994, cansada do neoliberalismo, o povo venezuelano elegeu Rafael Caldeira, um esquerdista "moderno, democrático e que entendeu a queda do muro de Berlim". Sua tentativa de reforma branda fracassou, e no final de seu governo, houve nova tentativa de retomar as reformas neoliberais. É neste contexto que Hugo Chávez foi eleito em 1998.
É um fato que o presidente venezuelano perde muitas oportunidades para ficar de boca fechada, como o "el diablo" para Bush e as interrupções à fala de Zapatero. Também é verdade que ele desrespeitosamente e prejudicialmente a si próprio opina sobre eleições em outros países, causando a derrota da esquerda no México e no Peru. Mas me parece razoável que as pessoas mais pobres votem dando prioridade às perguntas como se tem mais comida na mesa ou se o atendimento à saúde melhorou do que se o líder se comporta bem nos encontros internacionais. Achar que todo mundo tem que dar prioridade à etiqueta é prepotência de classe média, que acha que seus valores devem ser universais. O presidente do Brasil também dá suas escorregadas. Mas se fineza fosse a maior qualidade de um político, teria votado na Gloria Kalil.
Em maior ou menor moderação, a esquerda foi não apenas eleita, como também reeleita no Brasil, na Argentina, no Chile e na Venezuela. O fato do continente sulamericano ter muitas pessoas pobres e com pouca instrução não desqualifica, mas qualifica ainda mais as vitórias. Na Europa, onde as pessoas são mais instruídas, é de se esperar que 30% das pessoas votam ideologicamente na esquerda e 30% na direita. Na América do Sul, espera-se que este número seja de 10% para ambos os lados. Ou seja, para conseguir mais que os 10% cativos, é preciso ter competência. Em relação a redução da miséria, os quatro países foram exemplos de realização.
Obs. Há maiores informações sobre a economia venezuelana na era Chávez neste documento http://www.cepr.net/documents/publications/venezuela_2007_07_spanish.pdf Está em espanhol, mas dá pra entender quase tudo.


Alguns acham que nela os políticos devem se inspirar. Tudo bem, ainda assim ela é bem mais progressista que muitos dos políticos favoritos destes "alguns".

Um comentário:

Danilo Brito Steckelberg disse...

Muito boas colocações. Pessoas dão muitos palpites mesmo sem saber sequer onde fica a venezuela. Nem sabem nada sobre os venezuelanos.

Muito bom tb a parte da Gloria Kalil hehehe. Um abraço, marcelo.
Feliz ano novo, feliz natal, não tive oportunidade de falar com vcs.
O mesmo pro seu pai.