Rankings são
sempre motivo de polêmica. Isto inclui rankings de conjuntos musicais, de
canções, de filmes, de livros, de times históricos de futebol e de esportistas
individuais. Aí eu decidi fazer outro tipo de ranking, que também pode ser
polêmico: o das sete eleições presidenciais brasileiras da Nova República.
Classifiquei-as da mais para a menos interessante.
Para
classificar as eleições, eu considerei alguns critérios: importância histórica
na mudança da forma de fazer políticas públicas no Brasil, importância
histórica na mudança da forma em que as eleições subsequentes são disputadas,
grau de interesse que a eleição gerou para os brasileiros, dramaticidade e
imprevisibilidade. Não dei pontos, não criei ponderações, não usei números.
Usei esses critérios apenas como um guia, mas a definição da classificação
dependeu de subjetividade
Todas as
eleições presidenciais brasileiras da Nova República estão na minha memória. De
algumas eu me lembro de detalhes, e nessas estão incluídas aquela em que eu
votei pela primeira vez, que foi a de 2002, e, obviamente, também a de 2006,
2010 e 2014. De outras, tenho apenas vagas recordações, como a de 1989, quando
eu tinha cinco anos. Nas que eu tenho menos lembranças, dependi de leituras.
Mesmo nas mais recentes, leituras são muito importantes.
Eis o ranking,
exposto aqui da última para a primeira colocada.
Sétimo: 1998
Primeiro Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Fernando H. Cardoso
|
PSDB
|
RJ
|
SP
|
35.936.540
|
53,06%
|
Luís I. Lula da Silva
|
PT
|
PE
|
SP
|
21.475.218
|
31,71%
|
Ciro Gomes
|
PPS
|
SP
|
CE
|
7.426.190
|
10,97%
|
Enéas Carneiro
|
PRONA
|
AC
|
SP
|
1.447.090
|
2,14%
|
Ivan Frota
|
PMN
|
CE
|
RN
|
251.337
|
0,37%
|
Alfredo Sirkis
|
PV
|
|
212.984
|
0,31%
|
José Maria de Almeida
|
PSTU
|
|
202.659
|
0,30%
|
João de Deus
|
PTdoB
|
|
198.916
|
0,29%
|
José Maria Eymael
|
PSDC
|
|
171.831
|
0,25%
|
Thereza Ruiz
|
PTN
|
|
166.138
|
0,25%
|
Sérgio Bueno
|
PSC
|
|
124.659
|
0,18%
|
Vasco Neto
|
PSN
|
|
109.003
|
0,16%
|
Total válidos
|
|
67.722.565
|
|
Foi muito fácil
definir a eleição presidencial mais sem graça da Nova República. Foi sem sombra
de dúvida a de 1998. Mesmos candidatos principais que a de quatro anos antes,
quase as mesmas alianças, mesmo vencedor, quase os mesmos percentuais. O
resultado para o país dessa eleição foi a manutenção do modelo econômico
iniciado em 1990, com mudança apenas na introdução do tripé macroeconômico. Não
houve grande interesse dos brasileiros por aquela eleição. O resultado foi
bastante previsível. Não houve acontecimentos memoráveis. Nem debate
televisionado houve. O candidato à reeleição se recusou a participar de
qualquer debate.
O maior legado
da eleição presidencial de 1998 para as subsequentes foram as candidaturas de
José Maria Eymael e de José Maria de Almeida do PSTU, que começaram naquela
ocasião e se repetiram com frequência. Foi a última eleição presidencial
disputada por Enéas.
Nem mesmo a
crise econômica iniciada na Rússia, que já estava batendo na porta do Brasil,
dada a vulnerabilidade do nosso país naquele momento, ameaçou a reeleição de
Fernando Henrique Cardoso. Muitos acreditaram que ele seria o único a garantir
o real forte. Foi beneficiado com um acordo com o FMI, feito às pressas, com
apoio dos Estados Unidos. O acordo postergou o inevitável para depois da
eleição. Em janeiro de 1999, o real sofreria uma maxidesvalorização. E o PSDB
só voltaria a ganhar uma eleição presidencial em... não sei, o término desta
frase ainda está em aberto.
A eleição
presidencial de 1998 foi tão sem graça que foi ofuscada por outras eleições. A
disputa para governador de São Paulo naquele ano foi emocionante, com a disputa
acirrada entre Covas, Marta e Rossi para disputar o segundo turno contra Maluf,
e os memoráveis debates entre Covas e Maluf. Destaque também teve a disputa
intelectual para senador do Rio de Janeiro, que foi um Fla-Flu esquerda/direita
entre Saturnino Braga e Roberto Campos.
Mas como este
ranking é exclusivo de eleições presidenciais, a de 1998 é certamente
lanterninha.
Sexto: 1994
Primeiro Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Fernando H. Cardoso
|
PSDB
|
RJ
|
SP
|
34.350.217
|
54,28%
|
Luís I. Lula da Silva
|
PT
|
PE
|
SP
|
17.112.255
|
27,04%
|
Enéas Carneiro
|
PRONA
|
AC
|
SP
|
4.670.894
|
7,38%
|
Orestes Quércia
|
PMDB
|
SP
|
SP
|
2.771.788
|
4,38%
|
Leonel Brizola
|
PDT
|
RS
|
RJ
|
2.015.284
|
3,18%
|
Esperedião Amin
|
PPR
|
|
1.739.458
|
2,75%
|
Carlos Antônio Gomes
|
PRN
|
|
387.611
|
0,61%
|
Hernani Fortuna
|
PSC
|
|
238.126
|
0,38%
|
Total válidos
|
|
63.285.633
|
|
Se a segunda
eleição de Fernando Henrique Cardoso foi a mais sem graça da história da Nova
República, a primeira eleição dele foi a segunda mais sem graça. Não foi a
eleição que determinou o início do Plano Real porque este plano já estava sendo
realizado no governo anterior. Não houve uma polarização acalorada entre
esquerda e direita no país porque até mesmo algumas pessoas que se consideravam
de centro-esquerda votaram em Fernando Henrique. Não houve polarização de
classes sociais porque o ex-ministro ganhou disparado em todas as faixas de
renda. Não houve polarização regional porque Fernando Henrique ganhou com folga
em todas as regiões, com uma diferença um pouco menor apenas na Região Sul. Depois
de julho, quando Fernando Henrique ultrapassou Lula, nunca houve dúvida sobre
quem seria o vencedor. O tucano foi favorecido pelo fato do PT não ter acreditado
no Plano Real.
A única
novidade daquela eleição é que foi a primeira da longa série de eleições
casadas – presidente junto com deputado federal e estadual, senador e
governador – realizadas em ano de Copa do Mundo, calendário que é mantido até
hoje.
A eleição de
1994 também marcou o início da aliança PSDB/PFL, que dura até hoje. Alguns
dizem que o PFL foi se enfraquecendo aos poucos com esta aliança e se tornando
um mero coadjuvante na política brasileira. Outros dizem que o PSDB foi
gradualmente se transformando em PFL.
Quinto: 2010
Segundo Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Dilma Rousseff
|
PT
|
MG
|
RS
|
55.752.529
|
56,05%
|
José Serra
|
PSDB
|
SP
|
SP
|
43.711.388
|
43,95%
|
Total válidos
|
|
99.463.917
|
|
Brancos
|
|
2.452.597
|
Nulos
|
|
4.689.428
|
Total
|
|
106.605.942
|
Primeiro Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Dilma Rousseff
|
PT
|
MG
|
RS
|
47.651.434
|
46,91%
|
José Serra
|
PSDB
|
SP
|
SP
|
33.132.283
|
32,61%
|
Marina Silva
|
PV
|
AC
|
AC
|
19.636.359
|
19,33%
|
Plínio Sampaio
|
PSOL
|
SP
|
SP
|
886.816
|
0,87%
|
José Maria Eymael
|
PSDC
|
|
|
89.350
|
0,09%
|
José Maria de Almeida
|
PSTU
|
|
|
84.609
|
0,08%
|
Levy Fidélix
|
PRTB
|
|
|
57.960
|
0,06%
|
Ivan Pinheiro
|
PCB
|
|
|
39.136
|
0,04%
|
Rui Costa Pimenta
|
PCO
|
|
|
12.206
|
0,01%
|
Total válidos
|
|
|
101.590.153
|
|
Brancos
|
|
|
3.479.340
|
Nulos
|
|
|
6.124.254
|
Total
|
|
|
111.193.747
|
A eleição
presidencial brasileira de 2010 teve duas grandes novidades. Pela primeira vez
na história do Brasil, uma mulher foi eleita. Pela primeira vez depois de 50
anos, houve uma eleição presidencial direta em que o Lula não estava
disputando. Além das novidades, um fato histórico que passou desapercebido deve
ser lembrado aqui: 2010 marcou o centenário da primeira disputa presidencial no
Brasil em que houve realmente competição. Em 1910, Rui Barbosa e Marechal
Hermes de Lima disputaram a presidência, e o militar ganhou. Cem anos depois,
houve outra derrota do candidato preferido pela maioria dos paulistas.
Ainda assim,
não foi das eleições mais interessantes. O primeiro e o segundo turno de 2010
foram, na verdade, respectivamente, o terceiro e o quarto turno de 2006. Apesar
de estarem com outros candidatos, PT e PSDB repetiram os discursos. O PT
dizendo que o PSDB não era a favor dos pobres. O PSDB dizendo que o PT não era
ético. Houve apenas duas novidades da campanha de Serra em comparação com a
campanha de Alckmin. A primeira foi a tentativa de não apenas igualar, mas de
superar o PT em promessas para o social, como oferecer aumentos maiores para o
salário mínimo e para o Bolsa Família. Assim, tentava-se diminuir a vantagem
que o PT teria entre os pobres, que são a maioria do eleitorado. A segunda foi
a introdução na campanha do anti-comunismo tipo Guerra Fria, algo que tinha
aparecido em campanhas presidenciais brasileiras pela última vez em 1989, com
Collor. Dilma era retratada na campanha internética como atéia, abortista,
amiga das Farc, censuradora de imprensa. Esse discurso não encontraria respaldo
nos anos 90, mas naquele momento, já encontrava respaldo em alguns segmentos do
eleitorado, sob influência de uma geração de colunistas na imprensa iniciada
por Olavo de Carvalho. O anti-comunismo tipo Guerra Fria pode ter funcionado
como um presente para alguns conservadores, que poderiam ter ficado
insatisfeitos com o populismo econômico da campanha. Ao se apresentar como um
conservador pró-valores cristãos e não como um conservador pró-Estado Mínimo,
José Serra tentou se aproximar do perfil ideológico daquilo que é o perfil da
maioria dos brasileiros, conforme demonstrado em pesquisas de opinião.
A estratégia
funcionou? Depende se observamos o copo cheio ou o copo vazio. José Serra tinha
sido prefeito da cidade mais populosa do Brasil, governador do Estado mais
populoso do Brasil, tinha disputado a Presidência da República uma vez. Dilma Rousseff
nunca tinha sido candidata. Por outro lado, Dilma era apoiada por Lula, que
participou ativamente da campanha, como se fosse um candidato à reeleição.
Segundo as pesquisas de opinião, 80% dos brasileiros consideravam a
administração de Lula ótima ou boa. E mesmo assim, Serra teve, no segundo
turno, 43,95% dos votos válidos. Ou seja, se Serra teve todos os votos dos que
consideravam a administração de Lula péssima, ruim e regular, ele ainda teve
aproximadamente um terço dos votos daqueles que consideravam a administração de
Lula ótima ou boa. A vitória de Dilma, apesar de ter tido margem razoavelmente
folgada, não foi barata. Mesmo sendo apoiada por um presidente com 80% de
aprovação, ela teve que suar para ganhar. E seu partido teve que ceder. A campanha
foi obrigada a assinar uma carta de compromisso com religiosos. Que foi
cumprida ao longo do mandato. Durante o governo Dilma, houve alguns retrocessos
em termos de separação entre religião e Estado, em comparação com o governo
Lula. O material didático de educação anti-homofobia foi suspenso.
Outros
destaques da eleição de 2010 foram Plínio Sampaio e Marina Silva. Plínio ganhou
muita simpatia nos debates, mas esta simpatia não foi transformada em votos.
Marina Silva teve uma votação surpreendente e se tornou uma nova força
política. Conseguiu reunir não apenas eleitores centristas, mas também alguns
eleitores que estavam à esquerda de Dilma, e outros que estavam à direita de
Serra. Marina caiu no primeiro turno, mas caiu de pé.
A evolução das
intenções de voto repetiu o script de 2006. Candidata do PT liderando com folga
até meados de setembro, com possibilidade de vitória no primeiro turno, perda
de fôlego na última quinzena, resultado do primeiro turno indicando segundo
turno entre PT e PSDB, início da campanha do segundo turno com vantagem
apertada para o PT, e alargamento desta vantagem até o dia do segundo turno. A
diferença foi que a vitória de Dilma em 2010, apesar de razoavelmente folgada,
foi um pouco menos folgada do que a de Lula quatro anos antes. A distribuição
geográfica dos votos de 2010 foi parecida com a de 2006. Com exceção de Acre e
Espírito Santo, onde Dilma teve queda brusca, e do Rio Grande do Sul, que foi o
único estado em que Dilma 2010 teve desempenho melhor do que Lula 2006, o
declínio de Dilma 2010 em relação a Lula 2006 foi razoavelmente uniforme em
todo o território nacional.
Quarto: 2014
Segundo Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Dilma Rousseff
|
PT
|
MG
|
RS
|
54.501.108
|
51,64%
|
Aécio Neves
|
PSDB
|
MG
|
MG
|
51.041.155
|
48,36%
|
Total válidos
|
|
105.542.273
|
|
Brancos
|
|
1.921.819
|
Nulos
|
|
5.219.787
|
Total
|
|
112.683.879
|
Primeiro Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Dilma Rousseff
|
PT
|
MG
|
RS
|
43.267.668
|
41,59%
|
Aécio Neves
|
PSDB
|
MG
|
MG
|
34.897.211
|
33,55%
|
Marina Silva
|
PSB
|
AC
|
AC
|
22.176.619
|
21,32%
|
Luciana Genro
|
PSOL
|
RS
|
RS
|
1.612.186
|
1,55%
|
Pastor Everaldo
|
PSC
|
RJ
|
RJ
|
780.513
|
0,75%
|
Eduardo Jorge
|
PV
|
SP
|
SP
|
630.099
|
0,61%
|
Levy Fidelix
|
PRTB
|
MG
|
SP
|
446.878
|
0,43%
|
José Maria
|
PSTU
|
SP
|
SP
|
91.209
|
0,09%
|
Eymael
|
PSDC
|
RS
|
SP
|
61.250
|
0,06%
|
Mauro Iasi
|
PCB
|
SP
|
SP
|
47.845
|
0,05%
|
Rui Costa Pimenta
|
PCO
|
SP
|
SP
|
12.324
|
0,01%
|
Total válidos
|
|
|
104.023.802
|
|
Brancos
|
|
|
4.420.489
|
Nulos
|
|
|
6.678.592
|
Total
|
|
|
115.122.883
|
Se for
considerada apenas a dramaticidade e os acontecimentos marcantes, a eleição
presidencial de 2014 fica atrás apenas da de 1989 e supera todas as outras.
Afinal, considerando todas as eleições presidenciais do período
pós-redemocratização, apenas em 1989 e em 2014 os brasileiros acordaram no dia
de ir para as urnas sem ter certeza de quem seria o vencedor. E assim como em
1989, em 2014 a segunda vaga no segundo turno foi decidida em cima da hora. Além
disso, a campanha de 2014 teve uma tragédia, que foi o acidente de Eduardo
Campos, teve momentos marcantes dos debates, como as discussões levantadas por
Luciana Genro e Eduardo Jorge, e o aparelho excretor do Levy Fidélix. Mas não é
apenas de dramaticidade e de acontecimentos marcantes que vive este ranking.
Importância histórica também conta. Aí, é pouco provável que a eleição de 2014
deixe legado muito grande para o futuro. Daí a colocação modesta no ranking.
Ainda assim, por causa de sua maior emoção, o segundo pleito vencido pela Dilma
ficou na frente do primeiro pleito. Mas fora isso, a eleição presidencial de
2014 pareceu a Parte III de uma mesma história. É possível dizer que o primeiro
e o segundo turno de 2014 foram o quinto e o sexto turno de 2006. Este vídeo de
6:39 https://www.youtube.com/watch?v=EmTz7EAYLrs descreve bem o que foram as eleições
presidenciais de 2006, 2010 e 2014. Até o 2:30, a situação difícil para o PT ao
término do primeiro turno. Aos 2:30, a chegada da militância do PSOL e outras
figuras da esquerda para o apoio crítico no segundo turno. A partir do 6:10, o
resultado final do segundo turno.
Pela lógica do
“é a economia, estúpido”, depois de três eleições, tinha chegado uma em que o
PT tinha grande probabilidade de perder. Em 2002, o PT foi favorecido por ter a
candidatura de oposição em um momento em que a economia estava mal. Em 2006 e
2010, o PT foi favorecido por ter a candidatura de situação em um momento em
que a economia estava bem. Em 2014, o PT era situação em um momento em que a economia
estava mal. Além disso, tinha o escândalo da Petrobras. E a repercussão ruim do
IPEA ter postergado a divulgação de dados. Quando a campanha iniciou, por volta
de 35% dos eleitores consideravam a administração da Dilma ótima ou boa, não
muito mais do que o percentual de quem considerava a administração ruim ou
péssima. Na pergunta de apenas duas opções de resposta, aprova ou desaprova,
estava quase meio a meio. Cenário desfavorável para quem estava disputando a
reeleição.
E o que faltou
para os dois principais candidatos da oposição? Combinar com ao menos 50,1% dos
eleitores. Ambos pregaram apenas para o próprio rebanho. Fizeram uma campanha
voltada exclusivamente para quem já é contra o PT, para quem já votaria contra
o PT mesmo se a economia estivesse em situação semelhante à de 2006 ou 2010.
Se o assunto
principal da campanha eleitoral fosse uma avaliação dos últimos quatro anos,
Dilma estaria em desvantagem. Para a campanha da Dilma, era muito mais
vantajoso que o assunto da campanha fosse uma divisão entre candidatura dos
pobres e candidatura dos ricos, entre esquerda e direita. E que a avaliação
fosse dos últimos doze anos, e não dos últimos quatro. A campanha de Aécio, na
maior parte do tempo, fez exatamente o que a campanha de Dilma, liderada por
João Santana, quis mostrar. A campanha de Dilma quis mostrar que Aécio era o
candidato dos ricos, da direita. A campanha de Aécio mostrou que ele era
exatamente isso.
O povo poderia
estar insatisfeito com o status quo atual, insatisfeito com aluguel caro,
transporte público caro e ruim, educação e saúde públicas de baixa qualidade.
Mas para a campanha de Aécio, o principal problema do Brasil era a falta de
credibilidade dos investidores na condução da política econômica, e que Armínio
Fraga seria a solução. Nos debates, Aécio criticou não apenas os quatro
tortuosos anos de Dilma, mas também os oito anos de Lula, período no qual as
classes mais baixas tiveram importante ganho de renda. Além disso, o candidato
do PSDB usou frases de efeito que só empolgam direitistas convictos como “para
combater a corrupção, a solução é tirar o PT do poder”, ou “temos que libertar
o Brasil do PT”. Porque até quem não avalia muito bem a administração Dilma
sabe que corrupção não é monopólio de um único partido e que ninguém “liberta”
um país de um governo, que por mais que muitas pessoas desaprovem, foi
legalmente constituído. Na reta final, Aécio quis ser um pouco mais popular e
prometeu acabar com o fator previdenciário. Já era tarde demais.
Outra atitude
da campanha de Aécio que só empolgou eleitores anti-PT convictos foi a
tentativa de se fazer de vítima, de dizer que estava sendo atacado por “uma
campanha sórdida, cheia de mentiras”. Mesmo o colunista Élio Gaspari, que tinha
leve preferência pelo tucano, alertou que sua reação arrogante às denúncias dos
aeroportos foi pior do que os próprios aeroportos. A construção de aeroportos
em terras de familiares foi um caso evidente de patrimonialismo, e não havia
como dizer que tudo era normal e que nada tinha de errado. Ainda assim, sabendo
disso, muitas pessoas poderiam ter a intenção de votar em Aécio, considerando
que a construção dos aeroportos, apesar de ser antiética, foi menos ruim do que
muitas outras coisas feitas no Brasil. Mas, segundo o colunista, quando Aécio
insistiu em dizer que explicou tudo, que nada mais tinha a dizer, que o assunto
deveria ser encerrado logo, passou a impressão de que poderia fazer coisas
piores.
Enquanto isso,
a Marina Silva tinha um programa que em economia era parecido com o do PSDB,
mas que em outros temas, se parecia mais com o do PT do que com o do PSDB. Mas
a campanha de Marina não quis enfatizar isso. Preferiu disputar o voto anti-PT
com Aécio. Por isso, focou as críticas à Dilma na economia, convergindo com a
candidato tucano. Fugindo de suas origens, Marina Silva pouco abordou a
desatenção do governo Dilma com as questões indígena e ambiental. No último
momento, o eleitorado anti-PT preferiu o original à cópia. A campanha de Dilma
pretendeu retratar a candidatura de Marina como uma candidatura conservadora.
Se for analisar ponto por ponto do programa de Marina, não era bem assim. Mas a
campanha de Marina nada fez para evitar o rótulo de conservadora. A votação de
Marina Silva em 2014 foi parecida com a de 2010, mas se em 2010 ela caiu de pé,
em 2014 ela caiu de traseiro.
Alguns podem
perguntar: se a Marina 2014 estava à direita da Marina 2010, e ainda por cima
ela declarou apoio ao PSDB no segundo turno em 2014 e não em 2010, por que a
transferência de votos dela ao PSDB no segundo turno em 2014 não foi maior do
que em 2010? A resposta é simples: porque embora ela tenha tido percentual
parecido em 2010 e 2014, na média, o eleitorado dela de 2014 era mais pobre do
que o eleitorado dela de 2010.
É certo que a
campanha de Dilma exagerou nas propagandas negativas dos adversários. Tentou
mostrar que era gravíssimo a Marina Silva ter Neca Setúbal como guru, mesmo
tendo a fundação da herdeira do Itaú trabalhado para o governo federal e a
própria Neca ter apoiado o Haddad em 2012. A forma que a Dilma colocou em pauta
a história do bafômetro do Aécio não foi das mais bonitas. Porém, de qualquer
maneira, a campanha teve ataques pesados de todos os lados para todos os lados,
mas não teve mentiras. A imagem que João Santana quis passar de Aécio Neves e
Marina Silva foi confirmada pelas campanhas deles próprios.
Em relação aos
resultados, a margem de Dilma diminuiu bastante de 2010 para 2014. A
distribuição geográfica dos votos foi razoavelmente parecida com quatro anos
antes. O que mudou na distribuição foi que não houve piora de desempenho da
Dilma no Norte e no Nordeste de 2010 para 2014. Toda sua queda se deu no
Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul. Ou seja, houve aumento de polarização. Dilma
manteve sua votação (ou mesmo ampliou) onde ela já tinha ido bem e perdeu
votação onde ela já tinha ido mal. A exceção foi nos estados do Norte em que
Dilma perdeu as duas vezes, como Acre e Roraima, em que a vantagem do candidato
do PSDB diminuiu. E nos estados do Sudeste em que Dilma ganhou as duas vezes,
como Minas Gerais e Rio de Janeiro, em que a vantagem dela diminuiu. É
importante destacar que a elevação de Aécio Neves em comparação com José Serra
quatro anos antes em Minas Gerais foi semelhante à sua elevação média nacional,
não havendo o efeito da localidade.
Terceiro: 2002
Segundo Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Luís I. Lula da Silva
|
PT
|
PE
|
SP
|
52.793.364
|
61,27%
|
José Serra
|
PSDB
|
SP
|
SP
|
33.370.739
|
38,73%
|
Total válidos
|
|
86.164.103
|
|
Primeiro Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Luís I. Lula da Silva
|
PT
|
PE
|
SP
|
39.455.233
|
46,44%
|
José Serra
|
PSDB
|
SP
|
SP
|
19.705.445
|
23,20%
|
Anthony Garotinho
|
PSB
|
RJ
|
RJ
|
15.180.097
|
17,87%
|
Ciro Gomes
|
PPS
|
SP
|
CE
|
10.170.882
|
11,97%
|
José Maria de Almeida
|
PSTU
|
|
|
402.236
|
0,47%
|
Rui Costa Pimenta
|
PCO
|
|
|
38.619
|
0,05%
|
Total válidos
|
|
84.952.512
|
|
A única decisão
difícil para a elaboração deste ranking foi definir o terceiro lugar. As outras
posições foram decisões fáceis, mas não foi elementar definir entre 2002 e 2014
qual das duas ficaria na frente. A de 2014 teve mais dramaticidade. A de 2002
teve mais importância histórica. Prevaleceu a importância histórica.
Depois de 38
anos, o Brasil voltava a ter um presidente de esquerda. Outro tabu quebrado foi
que pela primeira vez desde 1960, um presidente eleito diretamente transmitiria
o cargo para outro presidente eleito diretamente. E entre as sete eleições
presidenciais da Nova República, a de 2002 foi a única em que um candidato de
oposição ao governo vigente venceu. Alguns poderiam argumentar que em 1989 isto
também aconteceu, uma vez que Collor dizia ser opositor de Sarney. Mas Collor
foi informalmente apoiado pelo PMDB e pelo PFL, partidos que compunham a base
de Sarney. Foi em 2002 a primeira vez em que a votação de Lula não se
restringiu à esquerda, diferente do que ocorreu em 1989, 1994 e 1998. Isto foi
determinante para sua vitória. Foi a primeira vez que a candidatura
presidencial do PT apresentava um vice fora da esquerda, tendência que se
repetiria em todas as eleições subsequentes.
Foi uma eleição
sem grande polarização ideológica, uma vez que Lula prometia preservar o
suficiente das políticas de FHC, assinando uma carta de compromisso para isso,
e Serra prometia mudar o suficiente. Foi uma eleição sem grande polarização
regional, uma vez que a vantagem folgada de Lula para Serra foi aproximadamente
igual nas cinco regiões do país. Foi uma eleição sem grande polarização de
classe social, uma vez que Lula superou Serra por larga margem em todas as
faixas de renda. Dentro das regiões metropolitanas, Lula teve desempenho melhor
nas áreas mais pobres, mas a polarização foi menor do que seria a partir de
2006.
Foi o início do
longo período de presença do PT no Palácio do Planalto. E foi a consolidação
definitiva do PT como um partido reformista moderado. O PT tinha nascido como um
partido reformista radical com algumas correntes revolucionárias dentro dele. Junto
com a mudança ideológica, veio a entrada definitiva do PT no mundo do
financiamento milionário de campanha.
A eleição de
2002 teve grande importância histórica, mas não teve grandes emoções. Depois
que a Polícia Federal encontrou o dinheiro vivo de Roseana e depois que Ciro
Gomes teve a ascensão e queda meteórica, o caminho de Lula até a vitória ficou
livre. Durante as três semanas de campanha do segundo turno, Serra nunca chegou
a ameaçar Lula. As turbulências dos mercados financeiros não conseguiram mudar
o candidato vencedor, mas conseguiram mudar os planos do candidato vencedor
para o governo.
Destaque
positivo é que foi a última eleição civilizada. Os candidatos eram vistos como
adversários entre si, e não como inimigos. Os eleitores de Lula sabiam
reconhecer qualidades no Serra, os eleitores de Serra sabiam reconhecer
qualidades no Lula. Foi a última vez que não houve troca de mensagens de ódio
entre as diferentes regiões do Brasil.
Segundo: 1989
Segundo Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Fernando Collor
|
PRN
|
RJ
|
AL
|
35.089.998
|
53,03%
|
Luís I. Lula da Silva
|
PT
|
PE
|
SP
|
31.076.364
|
46,97%
|
Total válidos
|
|
66.166.362
|
|
Brancos
|
|
986.446
|
Nulos
|
|
3.107.893
|
Total
|
|
70.260.701
|
Primeiro Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Fernando Collor
|
PRN
|
RJ
|
AL
|
22.611.011
|
32,47%
|
Luís I. Lula da Silva
|
PT
|
PE
|
SP
|
11.622.673
|
16,69%
|
Leonel Brizola
|
PDT
|
RS
|
RJ
|
11.168.228
|
16,04%
|
Mário Covas
|
PSDB
|
SP
|
SP
|
7.790.392
|
11,19%
|
Paulo Maluf
|
PDS
|
SP
|
SP
|
5.986.575
|
8,60%
|
Guilherme Afif
|
PL
|
|
3.272.462
|
4,70%
|
Ulysses Guimarães
|
PMDB
|
|
3.204.932
|
4,60%
|
Roberto Freire
|
PCB
|
|
769.123
|
1,10%
|
Aureliano Chaves
|
PFL
|
|
600.838
|
0,86%
|
Ronaldo Caiado
|
PSD
|
|
488.846
|
0,70%
|
Affonso Neto
|
PTB
|
|
379.286
|
0,54%
|
Enéas Carneiro
|
PRONA
|
|
360.561
|
0,52%
|
José Marronzinho
|
PSP
|
|
238.425
|
0,34%
|
Paulo Gontijo
|
PP
|
|
198.719
|
0,29%
|
Zamir Teixeira
|
PCN
|
|
187.155
|
0,27%
|
Lívia Abreu
|
PN
|
|
179.922
|
0,26%
|
Eudes Mattar
|
PLP
|
|
162.350
|
0,23%
|
Fernando Gabeira
|
PV
|
|
125.842
|
0,18%
|
Celso Brant
|
PMN
|
|
109.909
|
0,16%
|
Antonio Pedreira
|
PPB
|
|
86.114
|
0,12%
|
Manoel Horta
|
PDCdoB
|
|
83.286
|
0,12%
|
Armando Silva
|
PMB
|
|
4.363
|
0,01%
|
Total válidos
|
|
69.631.012
|
|
A eleição
presidencial brasileira de 1989 é para quem viveu naquele tempo a mais
memorável de todas. Foi a primeira direta depois da redemocratização. Contou
com um grande menu de candidatos. Por ter sido a única eleição solteira, sem
ser acompanhada pelas eleições legislativas, não houve muitas coligações. A
única, foi a Frente Brasil Popular, de Lula, que contava com PT, PCdoB e PSB.
Fora isso, cada partido lançou seu próprio candidato. Os debates eram mais
divertidos, por serem mais espontâneos. E houve indefinição do início ao fim. A
disputa pela segunda vaga no segundo turno foi acirrada entre Lula e Brizola. E
a disputa do segundo turno também foi acirrada. Collor venceu por uma margem
não muito pequena (seis pontos percentuais), mas esta margem foi feita no dia
da votação. As pesquisas ao longo da semana decisiva mostravam empate técnico.
No primeiro
turno, houve dois blocos de candidatos. O dos “filhotes da ditadura” (usando a
definição de Brizola), que incluía Collor, Maluf, Afif e Aureliano e o dos
opositores da ditadura, que incluía Lula, Brizola, Covas, Ulisses e Freire. Era
meio óbvio que iria para o segundo turno um representante de cada bloco. A
liderança de Collor no bloco dos “filhotes da ditadura” nunca foi contestada. A
liderança do outro bloco, conforme mencionado anteriormente, foi muito
disputada. Lula passou para o segundo turno beneficiado por ter sido o mais
esquerdista entre todos os concorrentes do seu bloco. E perdeu no segundo turno
prejudicado por ter sido o mais esquerdista entre os candidatos do bloco da
esquerda. Aconteceu com a esquerda em 1989 o que aconteceria com a direita em
2014.
Não havia
espaço para moderação em 1989. A percepção da situação social e econômica do
Brasil naquele tempo poderia ser comparada com aquela história do elefante em
que uns tocavam nas pernas e achavam que era uma coisa, outros tocavam na
tromba e pensavam que era outra. Uns viam o Brasil como um país com imensa
concentração de renda, de riqueza e de terras, com indicadores sociais péssimos
em comparação mundial que contrastavam com uma renda per capita intermediária
em comparação mundial, e que por isso, o país necessitava de um governo
socialista para corrigir esses problemas. Outros viam o Brasil como um país de
economia muito fechada, com o Estado exercendo de forma disfuncional o papel de
produtor, com muita burocracia, e que por isso, o país necessitava de um
governo liberal para corrigir esses problemas. Essa foi a grande polarização do
segundo turno.
Destaca-se
também que 1989 viu a primeira eleição presidencial no Brasil cuja principal
mídia foi a televisão. Em 1960, o Brasil tinha menos de um milhão de aparelhos.
Embora tenha
sido marcante na memória de muitos brasileiros, a eleição de 1989 não ocupa o
primeiro lugar no ranking por ter levado ao poder um partido que não existe
mais e uma personalidade política que atualmente tem pouca relevância.
Primeiro: 2006
Segundo Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Luís I. Lula da Silva
|
PT
|
PE
|
SP
|
58.295.042
|
60,83%
|
Geraldo Alckmin
|
PSDB
|
SP
|
SP
|
37.543.178
|
39,17%
|
Total válidos
|
|
95.838.220
|
|
Primeiro Turno
|
|
|
|
|
|
Candidato
|
Partido
|
Origem
|
Domicílio
|
Votos
|
Proporção
|
Luís I. Lula da Silva
|
PT
|
PE
|
SP
|
46.662.365
|
48,61%
|
Geraldo Alckmin
|
PSDB
|
SP
|
SP
|
39.968.369
|
41,64%
|
Heloísa Helena
|
PSOL
|
AL
|
AL
|
6.575.393
|
6,85%
|
Cristóvam Buarque
|
PDT
|
PE
|
DF
|
2.538.844
|
2,64%
|
Ana Maria Rangel
|
PRP
|
|
126.404
|
0,13%
|
José Maria Eymael
|
PSDC
|
|
63.294
|
0,07%
|
Luciano Bivar
|
PSL
|
|
62.064
|
0,06%
|
Total válidos
|
|
95.996.733
|
|
A eleição presidencial
de 2006 pode não ter sido a que mais atraiu a atenção dos brasileiros durante a
campanha, mas pela sua maior importância histórica, fica no topo do ranking.
Nem sempre o fato que chama mais atenção do público no momento é o que acaba
recebendo maior atenção de historiadores na posterioridade. Por exemplo: os
atentados ao World Trade Center atraíram mais atenção no momento em que
aconteceu do que a abertura do muro de Berlim, mas este evento acabou tendo
importância histórica maior.
As quatro
grandes novidades trazidas pela eleição de 2006 foram:
1.
Pela
primeira vez na história do Brasil, o candidato à esquerda teve desempenho
melhor nas partes mais pobres do que nas partes mais ricas do país. Inverteu
uma regra que durava mais de 50 anos em que as partes mais pobres do país
(áreas rurais das regiões Norte e Nordeste) eram a principal fortaleza
eleitoral da direita, que davam muitos votos para UDN, PSD, ARENA, PFL e que
foram onde os dois Fernandos obtiveram maior vantagem. Era possível antes que
candidatos à esquerda tivessem muitos votos de pessoas mais pobres, mas não de
pessoas mais pobres que moravam nos lugares mais pobres. Ainda assim, Lula teve
em 2006 votação expressiva em áreas ricas do país, votação que o PT foi
perdendo em 2010 e 2014. Em 2006, foi a última vez que o PT ganhou em Campinas,
Belo Horizonte, Goiânia e Vitória e que teve vantagem expressiva em Brasília. Em
2010 e 2014, se acentuou a tendência de ruralização e nortização do voto no PT.
Mas a tendência teve início em 2006. Alguns comentaristas ruins dizem que não é
normal a esquerda ter votação mais alta em regiões mais pobres do país e que
por isso o Lula seria coronelismo, e não esquerda. Mas como demonstrou bem o
cientista político Alberto Carlos Almeida, é comum no mundo a esquerda ir
melhor nos locais mais pobres e a direita nos locais mais ricos, isto acontece
na Espanha, na França e na Alemanha.
2.
Houve
a emergência do lulismo, que é um fenômeno político distinto do petismo. Os
principais apoiadores do petismo desde os anos 1980 eram sindicatos, movimentos
sociais, estudantes e intelectuais, que viam o PT como o defensor de suas
lutas. Os principais apoiadores do lulismo foram os brasileiros muito pobres,
não organizados politicamente, que anteriormente não apoiavam o PT, mas depois
que o Lula foi presidente, consideraram-no responsável pela melhoria de suas
condições de vida. A partir daquele momento, esta nova base de apoio do Lula
foi gradualmente se tornando a nova base de apoio do PT. O cientista político
André Singer explica muito bem o fenômeno político do lulismo.
3.
Pela
primeira vez na Nova República, o candidato que foi claramente apoiado pelas
empresas de mídia de massas perdeu a eleição. Redes de televisão, rádio,
jornais e revistas insistiram que os brasileiros deveriam votar no Alckmin. No
final, 60,8% dos brasileiros que votaram em algum candidato votaram no Lula. Em
1989, 1994 e 1998, os Fernandos tinham sido os candidatos apoiados pela mídia.
Em 2002, não houve posicionamento claro em favor de um ou de outro candidato. Alguns
podem contra-argumentar: a maioria das pessoas que têm mais acesso à mídia
votou em Alckmin. Verdade, mas foi uma maioria irrisória. A pesquisa Datafolha
da véspera do segundo turno mostrou que 50% dos brasileiros com escolaridade
superior votariam em Alckmin e 43% votariam em Lula.
4.
Um
pouco relacionado com o tópico três, em 2006, a Internet estreou como um importante
meio de campanha eleitoral, rivalizando com a televisão. Em 1998 e 2002, alguns
brasileiros já acessavam a Internet no domicílio, mas eram poucos, e, além
disso, a Internet naquele tempo servia basicamente para mandar e-mail e para
ler jornal e revista na tela do computador. Em 2006, o usuário da Internet
passou a ser não apenas receptor, como também potencial emissor de informação e
opinião. Ainda não havia Twitter, e o Facebook era pouco conhecido. Mas havia
as comunidades do Orkut, os blogs e o Youtube. A eleição de 2006 marcou a era
de ouro dos blogs. Depois disso, os blogueiros, por preguiça, passaram a
escrever mais no Twitter e no Facebook. Alguns blogs eram de jornalistas da
grande mídia, como o do Josias e o do Noblat, e outros eram de jornalistas
expulsos da grande mídia, como o de Mino Carta, o de Luís Nassif e o de Paulo
Henrique Amorim. Estes jornalistas mencionados continuaram a ser influentes na
Internet em 2010 e 2014. Mas a principal novidade de 2006 foi a emergência de
blogueiros não oriundos da grande mídia, que passaram a ter cada vez mais
leitores, e continuam ativos até hoje, muitos deles, não mais em blogs. Estes
blogueiros (ou ex-blogueiros) não influenciam número de eleitores suficiente
para ter impacto em uma eleição, mas influenciam a formação de opinião no longo
prazo.
A
eleição de 2006 foi a eleição que ainda não acabou. Tanto que, conforme eu
mencionei anteriormente, as eleições de 2010 e 2014 foram continuações da de
2006, com as mesmas discussões.
Para
as decisões de políticas governamentais, 2006 foi muito importante, porque
muitas das marcas do governo Lula ocorreram (ou ao menos se ampliaram) no
segundo mandato. Em muitos aspectos, o primeiro mandato do Lula foi
continuidade do segundo mandato do FHC.
Lula
liderou as pesquisas durante toda a campanha, no primeiro e no segundo turno.
Mas houve momentos de imprevisibilidade. Alckmin teve uma arrancada
surpreendente na reta final do primeiro turno, e a desvantagem dele em relação
a Lula no primeiro turno acabou sendo pequena. Naquela noite de domingo do
primeiro turno, alguns comentaristas chegaram a torc... prever a vitória de
Alckmin, torcendo pa... considerando que os votos na Heloísa Helena eram de
insatisfação com o governo e não de esquerda, e que poderiam migrar para o
Alckmin. Na segunda-feira seguinte, de manhã, alguns que antes diziam que não
mais votariam no PT estavam prontos para defender o voto crítico em Lula no
segundo turno. Alckmin conseguiu um feito inusitado: ter menos votos no segundo
turno do que no primeiro.