domingo, 24 de maio de 2015

O que a treta do Idelber Avelar nos ensina

Não vou repetir o que foi a treta do Idelber Avelar, divulgada há aproximadamente seis meses, porque acredito que a turma que cabe em uma van que lê meu blog sabe o que foi a treta. E nem vou usar esse post para discutir se é aceitável ou não o que ele fazia. Sinceramente, não sei.
Agora, uma coisa eu sei. Que este episódio nos ensinou que um ser humano pode ter seu discurso voltado contra si próprio.
Quando havia um conflito, em que em um dos lados havia homem cis hétero branco de classe média/alta, e no outro lado havia alguém que não tivesse uma ou mais de uma dessas características, e Idelber Avelar se simpatizava com o lado que não era de homem cis hétero branco de classe média/alta, ele habitualmente apontava racismo, sexismo ou elitismo, enrustido ou explícito, no lado com o qual ele não concordava.
Bom, aí ele se viu em um conflito em que ele, homem cis hétero branco de classe média/alta, estava em um lado, e mulheres estavam em outro. E embora tenha havido exceções nos dois lados, em geral, quem defendeu o Idelber Avelar foram seus fãs homens progressistas e quem o criticou foram mulheres, incluindo ex-fãs dele.
Como disse no início do texto, não sei se a atitude dele foi machista ou não, se foi desrespeitosa com mulheres ou não. Mas me parece que se o Idelber fosse escrever sobre ele mesmo na linha através da qual ele habitualmente escrevia, ele afirmaria que ele mesmo foi machista.

Não sei se o próprio Idelber chegou a escrever isso, mas sei que algo que seus adeptos muitas vezes diziam, era que quando ocorria uma situação em que alguém era acusado de ter agido de forma racista/machista/homofóbica, somente a palavra de negros/índios valia para avaliar se havia ocorrido racismo ou não, somente a palavra de mulheres valia para avaliar se havia ocorrido machismo ou não, e somente a palavra de homossexuais valia para avaliar se havia ocorrido homofobia ou não. Isto porque somente membros dos grupos desfavorecidos tinham condição de saber o que era fazer parte do grupo desfavorecido, porque eles é que tinham tido vivência. Isso faz sentido. Concordo que membros dos grupos favorecidos devem escutar humildemente o que os grupos desfavorecidos têm a dizer.
Só que o episódio discutido aqui neste texto mostrou que tal regra não pode ser generalizada sempre. Caso contrário, ela pode atingir até quem inspira quem defende essa regra.

Homens cis hétero brancos de classe média/alta devem escutar pessoas de outros grupos em temas relacionados com opressão, mas também podem usar esses depoimentos para formar própria opinião.

sábado, 16 de maio de 2015

Sobre a possibilidade de civis portarem arma de fogo

Acho que muitos de nós já vimos as mesmas pessoas que, muitas vezes com razão, criticam frequentemente as polícias e as forças armadas, defenderem que membros das polícias e das forças armadas sejam as únicas pessoas autorizadas a portar armas de fogo. Isto não é esquizofrênico? Se polícias e forças armadas não são instituições confiáveis, por que elas deveriam ter o monopólio do direito da posse de arma de fogo?
No imaginário dessas pessoas, defender direito de cidadãos comuns portarem arma de fogo e portar arma de fogo são vistos como coisa de reaça. Portadores de arma de fogo seriam apenas latifundiários querendo atirar em sem-terra. Não é bem assim.
Pessoas com ideias politicamente opostas àqueles habitualmente associados à posse de armas de fogo também podem achar que as forças de segurança do Estado não são confiáveis o suficiente para garantir a proteção. Vimos que na campanha eleitoral do ano passado, muitos militantes de esquerda sofreram agressões físicas praticadas por militantes de direita. Esses militantes de esquerda talvez possam considerar a polícia incapaz de protege-los. Podem duvidar da neutralidade política das polícias. É inaceitável alguém usar arma para fazer política em uma democracia, mas algumas pessoas podem considera-las um meio necessário de defesa.
Lésbicas que têm que voltar à noite para casa por causa de estudo ou trabalho podem ter medo de sofrer ataques de grupos neofascistas e não confiar no empenho da polícia em protege-las, dada a existência de notícias de comportamentos machistas praticados por policiais.
Não se duvida da existência de bons policiais. O que se coloca aqui é que muitas notícias relacionadas ao comportamento de polícias geram dúvidas em pessoas que precisam de segurança.
E mesmo deixando a política de lado e  tratando da situação de pessoas que consideram a necessidade de portar arma de fogo para se proteger de delinquentes. Tem gente que mora perto do mato, em área de difícil acesso, onde até a polícia demora para chegar. Não tenho e não pretendo ter arma de fogo, mas algumas pessoas que não eu podem precisar.
Quanto mais indefesos se sentem os cidadãos, quanto mais dependentes os cidadãos se sentem em relação às forças de segurança do Estado, mais eles estarão propensos a aceitar que essas forças de segurança pratiquem tortura e execuções sumárias em nome do que seria um bem maior.
Alguns podem contra-argumentar: "Eu critico as polícias e as forças armadas porque no Brasil atualmente elas são muito ruins, não acho que na teoria elas sejam ruins em si. Em uma situação ideal, as polícias e as forças armadas deveriam ser competentes para garantir a segurança dos cidadãos e ninguém precisar andar armado". OK, mas vivemos no mundo real, não na "situação ideal". Parece argumento do tipo "não deveria existir cota, porque a educação pública básica deveria ser boa". Quem nos "protege" são as polícias e as forças armadas que realmente são, e não as que deveriam ser. No Reino Unido, o porte de arma de fogo por cidadãos comuns é proibido. Se tivéssemos uma polícia britânica, eu certamente seria a favor da proibição do porte de arma de fogo por cidadãos comuns.
Ser contra o monopólio do Estado da posse de armas de fogo não implica ser neoliberal, defensor do Estado mínimo. É possível defender que o Estado exerça papel importante no desenvolvimento e na redistribuição de renda, mas que os cidadãos não sejam cordeirinhos. No Reino Unido, com economia mais liberal, o porte de armas de fogo por cidadãos comuns é proibido. Nos países escandinavos, com generoso Estado de Bem Estar Social, o porte de armas de fogo por cidadãos comuns é permitido, e o número de armas de fogo per capita é razoavelmente elevado. http://en.wikipedia.org/wiki/Number_of_guns_per_capita_by_country
No referendo de 2005, os eleitores brasileiros tiveram duas opções: fazer que o Brasil tenha A legislação de armas MAIS rigorosa do mundo (o sim) ou continuar que o Brasil tenha UMA DAS legislações de armas MAIS rigorosas do mundo (o não). Venceu o não por larga margem. Não foi um simples duelo esquerda X direita. A esquerda mainstream, composta por PT, PCdoB, pela maior parte do recém fundado PSOL, e pelas organizações da sociedade civil satélites destes partidos optaram pelo sim. A Revista Veja, símbolo do jornalismo impresso de direita, e muitos proeminentes políticos e "pensadores" de extrema-direita optaram pelo não. Porém, a Globo, símbolo da televisão de direita, e o PSDB, já naquele tempo apoiado mais pela centro-direita do que pela centro-esquerda, optaram pelo sim. Até o ACM Neto do PFL optou pelo sim também. Partidos de extrema-esquerda, como o PSTU e o PCO optaram pelo não. Em um panfleto do PSTU daquele tempo estava escrito que eles eram contra o desarmamento porque a classe trabalhadora poderia precisar de armas para se defender de outros grupos que também são contra o desarmamento.

domingo, 3 de maio de 2015

Meu pitaco sobre a Reforma Política

Como se fala muito de Reforma Política, aqui vai meu pitaco: o sistema de representação que eu considero ideal é o sistema de representação distrital mista, como ocorre na Alemanha. Não é tão complicado. Cada estado é dividido em distritos de população semelhante, que podem englobar tanto várias cidades pequenas, quanto vários bairros de uma cidade grande. Cada distrito elege seu deputado. Mas além de votar para o candidato a deputado do seu distrito, cada eleitor também vota... em um partido. Esta votação no partido é o que define quantas cadeiras cada partido vai ter na Câmara. Quando o número de deputados eleitos nos distritos não é suficiente para preencher as vagas a que o partido tem direito, o restante das vagas é preenchido pela lista do partido. Este sistema reúne as vantagens da representação distrital com as vantagens da representação proporcional.
O atual sistema brasileiro de representação proporcional com lista aberta favorece a formação do Congresso BBB (Bíblia, Boi, Bala) porque exige custos altíssimos de campanha para poder ser eleito, uma vez que um mesmo candidato pode ter votos tanto em Ubatuba quanto em Presidente Prudente (cidades muito distantes uma da outra). Aí ganha quem tem dinheiro. Além disso favorece candidatos fanfarrões porque quem mais polemiza mais é lembrado no meio de milhares de candidatos e ainda favorece a prática de usar celebridades pra puxar votos. O sistema de representação distrital pura tem o perigo de dificultar o pluripartidarismo e favorecer apenas candidatos que tratam de questões locais. O sistema de representação proporcional com lista fechada dificilmente se adaptaria ao Brasil porque muitos brasileiros gostam de votar em pessoas e 75% dos brasileiros não têm partido preferido. E o distritão reúne o pior de todos os sistemas.

Eu entendo que possa existir preocupação sobre quem e como vai desenhar os distritos. Não nego a possibilidade de haver desenhos feitos para beneficiar determinados políticos. Mas isto seria mal menor em comparação com os defeitos dos outros sistemas. E dizer que não é bom adotar a representação distrital porque é difícil desenhar os distritos é igual dizer que não é bom adotar as cotas porque é difícil definir quem é negro e quem é índio.
 E óbvio, também é importante tratar do fim do financiamento de campanha por pessoas jurídicas e estabelecimento de limites de valores para pessoas físicas.