sábado, 16 de maio de 2015

Sobre a possibilidade de civis portarem arma de fogo

Acho que muitos de nós já vimos as mesmas pessoas que, muitas vezes com razão, criticam frequentemente as polícias e as forças armadas, defenderem que membros das polícias e das forças armadas sejam as únicas pessoas autorizadas a portar armas de fogo. Isto não é esquizofrênico? Se polícias e forças armadas não são instituições confiáveis, por que elas deveriam ter o monopólio do direito da posse de arma de fogo?
No imaginário dessas pessoas, defender direito de cidadãos comuns portarem arma de fogo e portar arma de fogo são vistos como coisa de reaça. Portadores de arma de fogo seriam apenas latifundiários querendo atirar em sem-terra. Não é bem assim.
Pessoas com ideias politicamente opostas àqueles habitualmente associados à posse de armas de fogo também podem achar que as forças de segurança do Estado não são confiáveis o suficiente para garantir a proteção. Vimos que na campanha eleitoral do ano passado, muitos militantes de esquerda sofreram agressões físicas praticadas por militantes de direita. Esses militantes de esquerda talvez possam considerar a polícia incapaz de protege-los. Podem duvidar da neutralidade política das polícias. É inaceitável alguém usar arma para fazer política em uma democracia, mas algumas pessoas podem considera-las um meio necessário de defesa.
Lésbicas que têm que voltar à noite para casa por causa de estudo ou trabalho podem ter medo de sofrer ataques de grupos neofascistas e não confiar no empenho da polícia em protege-las, dada a existência de notícias de comportamentos machistas praticados por policiais.
Não se duvida da existência de bons policiais. O que se coloca aqui é que muitas notícias relacionadas ao comportamento de polícias geram dúvidas em pessoas que precisam de segurança.
E mesmo deixando a política de lado e  tratando da situação de pessoas que consideram a necessidade de portar arma de fogo para se proteger de delinquentes. Tem gente que mora perto do mato, em área de difícil acesso, onde até a polícia demora para chegar. Não tenho e não pretendo ter arma de fogo, mas algumas pessoas que não eu podem precisar.
Quanto mais indefesos se sentem os cidadãos, quanto mais dependentes os cidadãos se sentem em relação às forças de segurança do Estado, mais eles estarão propensos a aceitar que essas forças de segurança pratiquem tortura e execuções sumárias em nome do que seria um bem maior.
Alguns podem contra-argumentar: "Eu critico as polícias e as forças armadas porque no Brasil atualmente elas são muito ruins, não acho que na teoria elas sejam ruins em si. Em uma situação ideal, as polícias e as forças armadas deveriam ser competentes para garantir a segurança dos cidadãos e ninguém precisar andar armado". OK, mas vivemos no mundo real, não na "situação ideal". Parece argumento do tipo "não deveria existir cota, porque a educação pública básica deveria ser boa". Quem nos "protege" são as polícias e as forças armadas que realmente são, e não as que deveriam ser. No Reino Unido, o porte de arma de fogo por cidadãos comuns é proibido. Se tivéssemos uma polícia britânica, eu certamente seria a favor da proibição do porte de arma de fogo por cidadãos comuns.
Ser contra o monopólio do Estado da posse de armas de fogo não implica ser neoliberal, defensor do Estado mínimo. É possível defender que o Estado exerça papel importante no desenvolvimento e na redistribuição de renda, mas que os cidadãos não sejam cordeirinhos. No Reino Unido, com economia mais liberal, o porte de armas de fogo por cidadãos comuns é proibido. Nos países escandinavos, com generoso Estado de Bem Estar Social, o porte de armas de fogo por cidadãos comuns é permitido, e o número de armas de fogo per capita é razoavelmente elevado. http://en.wikipedia.org/wiki/Number_of_guns_per_capita_by_country
No referendo de 2005, os eleitores brasileiros tiveram duas opções: fazer que o Brasil tenha A legislação de armas MAIS rigorosa do mundo (o sim) ou continuar que o Brasil tenha UMA DAS legislações de armas MAIS rigorosas do mundo (o não). Venceu o não por larga margem. Não foi um simples duelo esquerda X direita. A esquerda mainstream, composta por PT, PCdoB, pela maior parte do recém fundado PSOL, e pelas organizações da sociedade civil satélites destes partidos optaram pelo sim. A Revista Veja, símbolo do jornalismo impresso de direita, e muitos proeminentes políticos e "pensadores" de extrema-direita optaram pelo não. Porém, a Globo, símbolo da televisão de direita, e o PSDB, já naquele tempo apoiado mais pela centro-direita do que pela centro-esquerda, optaram pelo sim. Até o ACM Neto do PFL optou pelo sim também. Partidos de extrema-esquerda, como o PSTU e o PCO optaram pelo não. Em um panfleto do PSTU daquele tempo estava escrito que eles eram contra o desarmamento porque a classe trabalhadora poderia precisar de armas para se defender de outros grupos que também são contra o desarmamento.

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