Se for observar a questão MORAL, a resposta é SIM. O processo de impeachment está sendo conduzido com elevadas doses de mau caratismo. Normal que até pessoas que não apoiam o governo estejam de opondo ao impeachment. Isto ocorre na direita, e também pode ocorrer na esquerda. Não adianta dizer, como os defensores fazem, que "os autores do pedido são Miguel Reale e Hélio Bicudo e não o Eduardo Cunha, que está apenas cumprindo função burocrática". Quem tem o poder de garantir aos menos 100 votos na Câmara é Eduardo Cunha, e não os dois conceituados juristas. Então, a aprovação do impeachment passa por um entendimento com o presidente da Câmara e com muitos deputados do PMDB e do PP investigados pela Lava Jato. E como dizem os economistas, "não existe almoço grátis". O impeachment perderia o poder de ser moralizador da política brasileira. A tentativa de formar uma comissão através de voto secreto adicionou componentes ao mau caratismo. Quanto ao mérito do pedido de impeachment, eu concordo que alguns argumentos de seus opositores mais radicais são fracos. Dizer que "a presidenta nunca roubou" não basta, pois há outros crimes de responsabilidade além de enriquecimento pessoal. Porém, continuo considerando que o impeachment aplicado por causa de descumprimento de pormenores da lei orçamentária é uma reação desproporcional. É como prender um adulto que deu cerveja para seu filho de 15 anos. E, entre as lideranças da campanha pelo impeachment, estão políticos que disseram implicitamente que a eleição de Dilma teve menos legitimidade porque dependeu dos votos dos eleitores muito pobres (que valeriam menos...), que defenderam o voto impresso, ajudando a alimentar a estapafúrdia tese das urnas eletrônicas adulteradas. Por causa disso, motivos para desconfiar são muitos. Algumas vezes, estas lideranças diziam coisas como "vamos lutar pelo impeachment, nossos juristas estão procurando aí uma base legal". Se houvesse uma base legal clara, todos os defensores do impeachment teriam os motivos na ponta da língua desde o início da campanha. Não foi o que ocorreu. Então, se opor ao impeachment seria defender o bom senso e não o governo. A oposição de esquerda poderia pensar também que alguns do que defendem a interrupção do nada esquerdista mandato da Dilma através de um impeachment poderiam defender a interrupção de um governo bastante esquerdista através de tanques.
Mas...
Se for observar a questão POLÍTICA, a resposta é NÃO. Com a desmoralização do PT, as forças políticas de direita tentam ganhar popularidade para sua pauta aproveitando a ignorância de uma grande parte da população que acha que esquerda = PT. E a esquerda fora do PT acaba ajudando isso quando não parece estar suficientemente afastada do PT. Sem uma esquerda claramente desvinculada do PT, a crise do PT se transforma em crise da esquerda. Quem abraça no objeto que está afundando se afunda também. Parece ser uma tolice política não se mostrar completamente desvinculado de um governo com 10% de aprovação. Os motivos do impeachment são frágeis, mas 65% da população brasileira é a favor, porque povo não tem obrigação de ser jurista, e a indignação com corrupção e situação ruim da economia e dos serviços públicos é bastante justa. Quando a maioria da população está com raiva de um governo, quem se diz oposição e quer conseguir apoio popular tem que deixar bem evidente que é... oposição.
Só lembrar que a direita não moveu um dedo para tentar salvar o mandato de Collor, até mesmo aderiu a campanha do impeachment. Collor foi derrubado por uma margem esmagadora. Não impediu que pouco depois, Paulo Maluf fosse eleito prefeito de São Paulo e César Maia fosse eleito prefeito do Rio de Janeiro.
Se o problema do impeachment é falta de base legal, é melhor que o movimento anti-impeachment seja de juristas do que de militantes políticos de esquerda. Até porque a polarização esquerda/direita no momento seria falsa. Parece que vive em outro planeta quem coloca no Facebook a foto da guerrilheira (aí quem faz isso são os governistas). Isto porque a resistência do governo Dilma ao impeachment provavelmente será aumentar ainda mais as concessões aos fisiológicos e ao topo da pirâmide social brasileira. Uma analogia com João Goulart seria falsa, uma vez que quando o General Amaury Kruel propôs a permanência na Presidência em troca de remover a esquerda do governo, Goulart recusou. Embora governistas tentem negar, o governo tentou bajular Eduardo Cunha até o último minuto assim como Stalin tentou bajular Hitler até o último minuto.
Ninguém considera que se ocorrer o impeachment de Dilma e o de Temer logo depois, ou se Temer renunciar logo depois e ocorrer uma nova eleição o vencedor será Luciana Genro, Mauro Iasi ou José Maria. O vencedor muito provavelmente será o Aécio. A conveniência política da esquerda não tentar se opor ao impeachment não é por causa do presente, e sim do futuro. Sobre plantar a semente, construir uma nova base, principalmente entre os mais jovens. Quanto mais a Dilma permanece no Palácio do Planalto, mais a esquerda leva pedradas por um governo que não é seu.
Portanto, não há decisão perfeita e decisão absurda dos partidos de esquerda não governistas (PSOL, PSTU e PCB à esquerda, Rede não "à esquerda", mas ainda assim "de esquerda" se considerar os novos entrantes). A decisão de se engajar contra o impeachment seria justificável do ponto de vista moral. A decisão de não se engajar seria justificável do ponto de vista político.
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