Li no Desestresse um texto sobre a chatice dos comentadores de Internet. Concordo com o texto. Além de serem chatos, tais comentadores de panelinha são pretensiosos, pois pensam que vão converter alguém com suas linhas tecladas. E reduzem tudo à dicotomia esquerda e direita. Não é sobre isso que vou escrever agora. Vou apenas aproveitar o gancho para abordar uma discussão impossível de ser reduzida à dicotomia do Bobbio: a restrição em relação ao funcionamento do comércio aos domingos.
Pelo critério mais usual da diferenciação esquerda/direita, quem fosse de esquerda defenderia maior restrição à abertura das lojas, por uma questão de defesa dos direitos dos trabalhadores. O comércio emprega muita gente e se tudo pudesse ser aberto aos domingos, a qualidade de vida dos comerciários seria deteriorada, devido ao comprometimento de suas vidas sociais. Não tem graça ter o descanso semanal na segunda ou terça-feira, quando todo o resto da família está trabalhando. Quando a abertura parcial do comércio aos domingos foi aprovada, a CUT soltou uma nota dizendo que pimenta nos olhos dos outros é refresco. Quem fosse de direita, por sua vez, defenderia menos restrição, apoiada no argumento de que o mercado é melhor que o Estado para alocar recursos. Com liberdade para funcionar no dia em que a maioria das pessoas está de folga, as lojas poderiam ter receita maior com um mesmo número de funcionários, e portanto, ter mais lucro. E os consumidores teriam mais liberdade de escolha.
Agora quando a discussão sai da economia e vai para os costumes, a situação se inverte. A maior flexibilidade em relação ao funcionamento do comércio foi uma exigência natural da maior igualdade entre os gêneros. Quando as mulheres não trabalhavam fora de casa, elas podiam fazer compras em meio de semana. O fechamento do comércio aos domingos poderia ser solicitado em nome da tradição religiosa: domingo deve ser um dia de descanso, tanto de trabalho, quanto de consumo. Os opositores desta idéia argumentariam que o Estado é laico, e que a crença religiosa de alguns (mesmo sendo a maioria) não pode virar lei escrita.
Em resumo, há dois tipos de conflito de valores na discussão sobre liberar ou não o comércio aos domingos. Um deles é o direito dos trabalhadores X livre mercado, o outro é sociedade tradicional X sociedade moderna. Portanto, os comentadores de Internet não conseguirão formar panelinhas "de esquerda" e "de direita" para discutir o assunto.
Aqui no estado da Turingia, a lei permite que as lojas funcionem quatro domingos por ano. A maioria da população é contra a abertura irrestrita. Conseqüentemente, os dois principais partidos políticos são contra. O CDU adota o não de direita, usando como argumento a tradição cristã, e o SPD adota o não de esquerda, enfatizando a qualidade de vida dos comerciários.
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