Observando dois países gigantes, como o Brasil e os Estados Unidos, é possível dizer que a polarização política regional não segue um padrão imutável no tempo. Há tendências que podem ser invertidas.
No Brasil, o voto nos estados mais pobres foi mais conservador do que nos estados mais ricos por um longo período, que durou de 1945 a 2000. UDN, Arena e PFL tinham mais força nos estados das regiões Norte e no Nordeste, enquanto que PTB, MDB e PT tinham mais força nos estados das regiões Sul e no Sudeste. Em 2002, não houve polarização regional. Lula ganhou de lavada em todas as regiões do Brasil. Nas eleições municipais de 2004, teve início a tendência do PT e do PSB serem partidos mais fortes no Norte e no Nordeste. Esta tendência foi acentuada na eleição presidencial de 2006. Uma tendência, porém, persistiu: São Paulo como um estado que pende para a direita e o Rio de Janeiro como um estado que pende para a esquerda.
Nos Estados Unidos, o voto nos estados mais ricos foi mais conservador do início do século XX até o final dos anos 70. O Partido Republicano tinha muita força em estados ricos, como Maine, New Hampshire, Connecticuit e Vermont no Nordeste, e a Califórnia no Oeste. O Partido Democrata tinha muita força em estados mais pobres, como os do Sul. Os candidatos locais eleitos pelos sulistas não eram nem um pouco esquerdistas, pois o Partido Democrata era o preferido dos segregacionistas. Mas os sulistas, com exceção de 1964, 1968 e 1972, votavam nos candidatos presidenciais democratas, como Roosevelt, Truman, Kennedy e Carter, assim como eleitores progressistas do Norte. Nos anos 80, não foi possível enxergar polarização geográfica do voto porque os republicanos levaram as eleições presidenciais de lavada. A partir de 1992, o mapa eleitoral dos EUA começou a ser redesenhado. O Nordeste, invertendo a situação anterior, tornou-se uma fortaleza democrata, enquanto que o Sul, também invertendo a situação anterior, tornou-se uma fortaleza republicana. Apesar de algumas inversões, algumas tendências persistiram. Nova York, Massachussets e o DC sempre foram e continuaram sendo democratas, e o Oeste interiorano sempre foi e continou sendo republicano.
Em resumo, o padrão de distribuição geográfica do voto no Brasil em tempos presentes é o mesmo que o dos EUA em tempos passados e vice-versa.
Os mapas a seguir, com os resultados das eleições presidenciais brasileiras de 1989 e 2006, e os resultados das eleições presidenciais norte-americanas de 1976 e 2008, mostram bem as tendências descritas.
Vencedor da eleição presidencial no Brasil de 1989 por estado
Vencedor da eleição presidencial no Brasil de 2006 por estado
Vencedor da eleição presidencial nos EUA de 1976 por estado
Vencedor da eleição presidencial nos EUA de 2008 por estado
É possível ver nos mapas grandes inversões nos dois países. Vejamos o Brasil primeiro. O único estado que prefeririu Lula em 1989 e Alckmin em 2006 foi o Rio Grande do Sul, que é um dos estados brasileiros com maior qualidade de vida. Em Santa Catarina, Lula quase ganhou em 1989, e em 2006, Alckmin ganhou com um pouco mais de folga. Já a Região Norte, foi inteira de Collor em 1989 e quase inteira de Lula em 2006.
Nos Estados Unidos, também houve mudanças marcantes. Muitos estados vermelhos viraram azuis e muitos estados azuis viraram vermelhos. Em 1976, Jimmy Carter levou o Sul (o da Confederação) quase inteiro, só faltou a Virgínia. Grande parte do Nordeste optou por Gerald Ford. Em 2008, Obama perdeu em quase todo o Sul. Ganhou apenas, justamente na Virgínia, e também na Carolina do Norte e na Flórida. O Nordeste foi todo para Obama. Dois estados enormes, como o Texas e a Califórnia, inverteram os lados.
Qual seria a explicação mais plausível para esta instabilidade de polarização política por regiões em grandes países? Podem ser os temas de campanha.
Quando o que divide os eleitores são temas econômicos, como o tamanho do Estado, o total de gastos em programas sociais e o papel do Estado em redistribuir renda, a poliarização por classe social costuma ser mais acentuada. Os ricos tendem para a direita e os pobres tendem para a esquerda. Como nos estados mais ricos há mais pessoas ricas e nos estados mais pobres há mais pessoas pobres, a polarização de classes se transforma em polarização regional, e portanto, o voto em regiões ricas pende para a direita e o voto em regiões pobres tende para a esquerda.
Quando temas culturais como religião, homossexualidade, aborto, educação e criminalidade tornam-se importantes para a definição do voto, a polarização de classe é suavizada. Candidatos com visões progressistas sobre estes temas tendem a atrair o voto de parcela da população mais letrada da classe média alta. Candidatos com visões conservadoras sobre estes temas têm penetração em parcela importante da classe média baixa e da população pobre das áreas rurais. Estados mais ricos, com cidades maiores, população mais urbana e maior influência de universidades tendem a serem mais progressistas do que estados mais pobres, com grande parcela de população vivendo em zona rural ou em cidades pequenas. Apesar disso, a polarização de classe neste caso não é completamente eliminada. Os candidatos esquerdistas são os preferidos dos mais pobres que vivem em estados mais ricos.
E o que esta análise serve para prever o futuro político no Brasil?
Muito provavelmente, a polarização regional da eleição presidencial de 2010 será a mesma que aconteceu na de 2006. Serra será preferido no Sul, em São Paulo e talvez no Centro-Oeste, e Dilma será preferida no restante no Brasil. Pelo que as pesquisas atuais indicam, porém, a polarização será mais suavizada.
Nos próximos anos, com a população do Brasil cada vez menos pobre, e com cada vez mais gente entrando na classe média, temas culturais podem ter importância crescente, em detrimento de temas econômicos. Neste caso, o mapa eleitoral no Brasil pode ser novamente redesenhado, e não sabemos como será o novo desenho.
Observação: agradeço aos comentadores do blog do Luís Nassif por alertarem que o mapa de 1989 estava errado. O erro foi corrigido.
Observação: agradeço aos comentadores do blog do Luís Nassif por alertarem que o mapa de 1989 estava errado. O erro foi corrigido.
2 comentários:
Não é tão simples assim. Os republicanos vencem no Sul basicamente por meio de uma aliança entre evangélicos e os moradores dos subúrbios, muitos originários de outras partes do país. Nos estados em que essa influência é mais fraca, como Arkansas e Virginia Ocidental, a influência democrata é muito mais forte.
E falar do conservadorismo dos dixiecrats e democratas sulistas é simplificar a questão, já que muitos defendiam uma estrutura social bastante forte.
E sim, as pesquisas de boca de urna indicam uma renda bem maior para eleitores republicanos que democratas. Não é com o voto de San Bernadino ou Orange county que os democratas tomaram a Califórnia...
No Arkansas e na Virginia Ocidental, os democratas tiveram uma sobrevida no tempo do Clinton, mas estes estados votaram em Bush e McCain, e por diferença não muito apertada.
As Virginias são o caso emblemático do argumento central do texto. A Virginia litorânea é um dos estados mais ricos dos EUA, era quase sempre republicana, o único estado sulista que Carter não levou, e um dos três que Obama levou. Além disso, houve mudança nos dois senadores. A Virginia Ocidental, apesar de vizinha, é um dos estados mais pobres, costumava ser democrata, e McCain levou com boa vantagem.
Mesmo no período em que o voto nos estados mais pobres é mais direitista (Brasil entre 1945 e 2000, EUA a partir de 1980), a esquerda vai melhor entre pessoas pobres de estados ricos (como eu expliquei no funcionamento da polarização). Da mesma forma que não foi em OC que os democratas tomaram a Califórnia, não foi em um bairro chique de Caxias do Sul que o PT dominava o RS. Muito provavelmente, a base eleitoral maior do PT no RS era em favelas de Porto Alegre. Em 1950, GV foi melhor no Sul e no Sudeste, mas entre pessoas pobres destas regiões.
E sobre os democratas sulistas, eu estava dizendo justamente que naquela época, o voto nortista era mais conservador. Tanto que sulistas votaram em Roosevelt, Truman e Carter.
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