Eu sei que este assunto não é o mais importante para decidir se o melhor presidente do Brasil seria Dilma Roussef ou José Serra, mas neste clima de campanha eleitoral, muitas informações inverídicas circulam, pela imprensa e pela web.
Portanto, decidi fazer esta postagem para responder a dois mitos difundidos por propagandistas do PSDB, que são os seguintes:
1. O PIB do Brasil cresceu mais durante o governo Lula do que durante o governo FHC porque Lula teve a sorte de pegar uma conjuntura internacional favorável, enquanto FHC pegou muitas crises internacionais
2. Os bons indicadores da economia durante o governo Lula ocorreram porque FHC "colocou a casa em ordem", depois de ter "pegado a casa desarrumada"
Vamos ao primeiro mito.
Como é possível ver na tabela 1, o PIB do Brasil durante os oito anos de FHC (1995-2002) cresceu a uma taxa média geométrica anual de 2,28%, enquanto que a média dos oito anos de Lula (2003-2010) foi de 3,98% (considerando a expectativa modesta de crescimento de 7% em 2010). A diferença de crescimento do PIB mundial não foi muito grande: 3,40% nos oito anos de FHC, 3,82% nos oito anos de Lula.
A tabela 2 mostra que enquanto na era FHC, o crescimento do PIB brasileiro foi equivalente a 67% do crescimento do PIB mundial; na era Lula, o crescimento do PIB brasileiro superou levemente o crescimento do PIB mundial. Portanto, a diferença entre o desempenho da economia brasileira na era FHC e o desempenho da economia brasileira na era Lula não pode ser explicada pelo desempenho da economia mundial.
É importante lembrar também que durante a era Lula, o PIB brasileiro cresceu um pouco mais que o mundial somente por causa do grande diferencial obtido no segundo mandato, quando o Brasil reagiu bem à crise internacional. Durante o primeiro mandato, quando a economia mundial estava em expansão, o PIB do Brasil teve desempenho decepcionante, e seu crescimento correspondeu a apenas 76% do crescimento do PIB mundial. Mas curiosamente, foi nesta época que a grande mídia mais elogiava a política econômica do governo Lula. Palocci era visto como uma divindade. Enquanto isso, a revista Carta Capital, tida como chapa-branca, mostrava que outros países emergentes (incluindo a teimosa Argentina) estavam tendo desempenho econômico bem melhor. Curiosamente, quando o PIB brasileiro passou a crescer consideravelmente mais que o PIB mundial, a grande mídia passou enxergar mais negativamente a política econômica do governo.
Tabela 1: crescimento do PIB nos locais e períodos selecionados (elaboração própria)
Dados obtidos em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2010/02/weodata/index.aspx
Tabela 2: relação crescimento do PIB brasileiro / crescimento do PIB mundial em períodos selecionados (elaboração própria)
Dados obtidos em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2010/02/weodata/index.aspx
O gráfico 1 mostra que nos últimos 16 anos, o período de maior crescimento do PIB mundial se deu entre 2004 e 2007, durante a era Lula. Mas o pior momento da economia mundial, 2008-2009, também ocorreu durante a era Lula. O biênio 2001-2002, final da era FHC, foi de estagnação mundial por causa do estouro da bolha acionária das empresas de alta tecnologia nos EUA. Mas o período 1995-2000 não pode ser considerado uma conjuntura internacional desfavorável. É verdade que houve algumas crises cambiais em países emergentes, mas a vulnerabilidade do Brasil a elas estava ligada a políticas econômicas internas (o que será visto a seguir). Paralelamente às crises nos países emergentes nos anos 90, os EUA, o maior parceiro comercial do Brasil na época, vivia o maior período de prosperidade de tempos recentes. Quem tem curiosidade em saber mais sobre este tema, pode ler um texto de Ricardo Carneiro, que mostra que o baixo crescimento do PIB brasileiro ocorrido na era FHC teve pouca relação com os efeitos das crises internacionais.
Outro detalhe que pode ser observado pelo gráfico é o de que nos oito anos de FHC, em apenas um deles, o PIB brasileiro cresceu mais que o mundial: foi 1995, justamente o primeiro ano. Na era Lula, o PIB brasileiro cresceu mais que o mundial em 2004 e em todos os anos do segundo mandato (2007-2010).
Gráfico 1: crescimento do PIB em locais e anos selecionados (elaboração própria)
Dados obtidos em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2010/02/weodata/index.aspx
Em relação à América Latina, os desempenhos comparativos de Lula e FHC foram semelhantes. O PIB da região cresceu consideravelmente mais entre 2003 e 2010 do que entre 1995 e 2002. Mas em outros países, como a Argentina, o crescimento maior também sucedeu à reversão de políticas neoliberais.
Agora vamos ao segundo mito.
O segundo mito parte de uma verdade: a de que um governo não deve ser avaliado exclusivamente pelos indicadores ocorridos durante o período do próprio governo, porque os indicadores de um governo são influenciados pelas ações de governos anteriores e as ações de um governo influencia indicadores de governos posteriores.
Porém, não é verdade nem que FHC pegou o inferno de governos anteriores, nem que FHC deixou o céu para Lula.
É inegável que a estabilidade de preços proporcionada pelo Plano Real tenha trazido enormes benefícios econômicos e sociais ao Brasil. Mas para atingir a estabilidade maior, foram criadas, algumas vezes de forma desnecessária, instabilidades menores.
Vejamos primeiro às finanças públicas: o setor público brasileiro gerou superávits primários no início dos anos 90. No primeiro mandato de FHC, o superávit primário foi zerado. Só foi reestabelecido, na casa dos 3%, quando o governo foi forçado a fazer isso, por causa da crise cambial de janeiro de 1999.
Gráfico 2: superávit primário do setor público
www.ipea.gov.br
Observando os superávits operacionais, a situação fica ainda pior. Havia um razoável equilíbrio no início dos anos 90. No primeiro mandato de FHC, foram feitos enormes déficits. Isto foi resultado, além da eliminação do superávit primário, do pagamento de juros enormes como resultado da vulnerabilidade do Brasil às crises cambiais de países emergentes.
Gráfico 3: superávit operacional do setor público
www.ipea.gov.br
O descontrole das finanças públicas no primeiro mandato de FHC teve impacto na relação dívida pública/PIB, que era declinante no início dos anos 90 e cresceu acentuadamente de 1995 a 2002, declinando posteriormente.
Gráfico 4: relação dívida pública/PIB em %
www.ipea.gov.br
A política cambial irresponsável do primeiro mandato de FHC, além do impacto causado nas finanças públicas por causa dos juros elevados, gerou danos nas contas extenas, que foram o responsável pela vulnerabilidade às crises internacionais. O saldo comercial, positivo até 1994, tornou-se negativo entre 1995 e 2000. O saldo em transações correntes, em razoável equilíbrio até 1994, tornou-se fortemente negativo posteriormente.
A abertura comercial não explica a deterioração do saldo comercial. Isto porque quatro anos depois do início a redução de tarifas e eliminação das barrerias não tarifárias, o saldo comercial ainda era positivo.
Gráfico 5: saldo comercial e saldo em transações correntes no Brasil em US$
www.ipea.gov.br
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
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