O que Luís Nassif e Miriam Leitão têm em comum? Ambos não
defendem um Estado totalmente mínimo, embora o Luís Nassif esteja mais distante
disso do que a Miriam Leitão. Ambos também consideram que o nacional
desenvolvimentismo praticado entre 1930 e 1980 parou de responder às
necessidades do país e precisou ser superado. Ambos apoiam programas de
transferência de renda. Ambos abordam questões sobre minorias e direitos humanos.
Se fôssemos coloca-los na régua do espectro político, diríamos que ambos estão
próximos do centro. Mas há uma diferença fundamental entre ambos. E qual é?
Luís Nassif é o elemento mais à direita da máquina de spining do PT. Miriam
Leitão é o elemento mais à esquerda da máquina de spining do PSDB.
O spining é uma forma propaganda de determinada
organização, no caso, partidos políticos. Não é uma simples manifestação de
opinião. O spining é feito através da construção de uma narrativa construída a
partir de acontecimentos reais para favorecer quem está sendo defendido. As
narrativas construídas por quem faz spining são fáceis de serem compreendidas e
repetidas por militantes partidários nos ambientes reais e virtuais. Mais
explicações aqui http://en.wikipedia.org/wiki/Spin_(public_relations)
Existem várias formas de fazer spining, que podem ser
listadas aqui. Pode-se divulgar o maior número possível de notícias que mostram
sucessos das administrações do partido aliado e insucessos das administrações
do partido adversário. Lembrando que como administrações do PT existem a atual
administração federal e algumas administrações estaduais e municipais, e como
administrações do PSDB existem a administração federal de mais de doze anos
atrás e muitas administrações estaduais e municipais atuais. Notícias de
sucessos e insucessos de administrações do partido aliado e de sucessos e
insucessos de administrações do partido adversário existem muitas. Basta “fazer
a feira”, ou seja, selecionar as notícias convenientes. Quando não é possível
esconder sucessos de administrações do partido adversário ou insucessos de
administrações do partido aliado, argumenta-se que o sucesso adversário e o
insucesso aliado são resultados de variáveis não controláveis pela
administração, que podem incluir a conjuntura internacional, a responsabilidade
de outros níveis de governo, o efeito defasado das políticas da administração
anterior. Quando um lado faz este tipo de argumentação, o outro replica, o
outro treplica, e assim vai. Ninguém “vence” definitivamente um debate porque
argumento para defender qualquer tese sempre existe. Isto pode ser muito bem
observado no filme “Obrigado por Fumar”.
E como os spin doctors abordam um clássico caso na
administração pública em que o chefe de um órgão, nomeado pelo governante,
entra em conflito com os servidores de carreira do órgão, o “pessoal da casa”?
Duas explicações são possíveis. Se a administração é do partido adversário, o
conflito ocorreu porque o órgão tem um corpo técnico altamente qualificado
vítima de ingerência de um líder desqualificado que está lá apenas por
indicação política. Se a administração é do partido aliado, o conflito ocorreu
porque o governante visionário decidiu colocar alguém para modernizar o órgão,
mas esbarrou no corporativismo de seus servidores de carreira.
E quanto às acusações de corrupção? Se as acusações são
contra o partido adversário, o acusado é culpado até que se prove o contrário.
Se o acusado é o partido aliado, o acusado é inocente até que se prove o
contrário. Se não há provas suficientes contra o aliado, isto ocorre porque as
acusações são falsas. Se não há provas suficientes contra o adversário, isto
ocorre porque os órgãos de investigação não estão fazendo seu papel por estarem
sob controle do partido adversário. Se a justiça condena um membro do partido
adversário ou absolve um membro do partido aliado, a justiça agiu com
independência e imparcialidade. Se a justiça faz o oposto, está corrompida. Se
um escândalo que envolve políticos do partido aliado é descoberto por meios
ilegais, como escuta não autorizada ou violação de sigilo bancário ou fiscal, o
mais relevante é o fato da descoberta ter sido feita por meios ilegais e o maior
criminoso é quem utilizou-se destes meios. Se um escândalo que envolve
políticos do partido adversário é descoberto por meios ilegais, o mais
importante é o escândalo em si, e denunciar que a descoberta foi feita por
meios ilegais é uma forma de desviar a atenção. Quando o TSE suspende um
anúncio do partido aliado é censura, quando o TSE suspende um anúncio do
partido adversário, está cumprindo seu papel em coibir o jogo sujo.
A máquina de spining do PSDB é composta por colunistas
como Miriam Leitão, Merval Pereira, Carlos Sardenberg, Arnaldo Jabor, Lúcia
Hipólito, Sérgio Malbergier, Eliane Castanhede, Bolívar Lamounier, Marco
Antônio Villa e Reinaldo Azevedo. Ou seja, repara-se que este time começa no
centro, com Miriam Leitão, e vai até a extrema-direita, com Reinaldo Azevedo,
passando por toda a direita. É conveniente para um partido que o spining reúna
uma ampla faixa do espectro político, para atrair uma ampla faixa de leitores.
Como não há homogeneidade ideológica total, verificou-se até mesmo um ano atrás
uma troca de farpas entre Miriam Leitão e Reinaldo Azevedo.
Uma vez que eu mencionei o Reinaldo Azevedo, é necessário
não confundir este grupo de colunistas citados no parágrafo anterior com os
colunistas olavetes. O Reinaldo Azevedo é apenas uma ponte entre estes dois
grupos. Porque ele faz tanto spining para o PSDB quanto pregação olavete. Definem-se
como olavetes aqueles que acham que os politicamente corretos vão destruir a
civilização judaico-cristã-ocidental. O colunista Luís Felipe Pondé é do grupo
das olavetes junto com o Reinaldo, mas ao contrário deste, Pondé não entra em
discussões partidárias. O interessante na história de Reinaldo Azevedo é que
ele é spin doctor do PSDB antes de ter virado olavete. Tinha no final dos anos
1990 e no início dos anos 2000, em parceria com Luiz Carlos Mendonça de Barros,
a revista República, que depois virou Primeira Leitura. Neste revista, Reinaldo
Azevedo defendia o governo FHC dos ataques de outros partidos, mas, ao mesmo
tempo, defendia a ala desenvolvimentista paulista do PSDB em contraposição à
ala monetarista carioca do partido. Ou seja, defendia a ala do PSDB que
supostamente era a mais de esquerda. Fez campanha para José Serra em 2002
atacando furiosamente Ciro Gomes. Não atacava Lula ideologicamente. Sua revista
chegou a dizer que ideologicamente, Lula e Serra eram parecidos, mas Serra era
“o mais preparado”. Para atrair leitores mais à esquerda, a revista entrevistou
gente como Joseph Stiglitz e Dani Rodrik. A súbita conversão de Reinaldo
Azevedo ao olavismo ocorreu depois que Lula tomou posse. Ainda assim, o
colunista continuou peessedebista e serrista, e seu partido se aproximou do
olavismo, culminando com a campanha de Serra de 2010, que falou da “ligação do
PT com as Farc”, do “perigo da república sindical” e do abortismo da Dilma.
Conforme foi possível ver, todos os spin doctors favoráveis
PSDB escrevem para grandes empresas de mídia, representando a opinião dos donos
destas empresas, que incluem a Globo (que além do canal de TV aberta, tem a
Globo News, o portal G1, a Rádio CBN, o jornal O Globo e a revista Época), a
Abril (que publica a Veja e a Exame), a Folha e o Estadão. Por pertencerem a
veículos de comunicação que não transmitem apenas opinião, mas também notícias,
alguns tentam parecer neutros. Outros nem tentam.
Exemplos de spin doctors favoráveis ao PT são Luís
Nassif, Mino Carta, Paulo Henrique Amorin, Luiz Carlos Azenha, Franklin
Martins, Altamiro Borges, Paulo Moreira Leite, Ricardo Melo e Emir Sader. Com
exceção de Ricardo Melo, que trabalha na Folha, estes colunistas não fazem
parte da grande mídia. A grande maioria já fez, mas foi demitida. Embora as
grandes empresas de mídia sempre tenham tido donos com ideologia conservadora,
havia maior pluralidade de opinião nas décadas de 1980 e 1990. Ao longo da
década de 2000, a esquerda sofreu expurgo da grande mídia. Por isso, esses
colunistas estão na mídia alternativa, que inclui a revista Carta Capital e os
sites Carta Maior, Viomundo, Diário do Centro do Mundo, Brasil 247, Conversa
Afiada e Tijolaço. Alguns destes sites recebem patrocínio de empresas públicas,
e, por isso, são criticados pela grande mídia conservadora. Como as empresas da
grande mídia conservadora também recebem publicidade estatal, não é o
patrocínio estatal que realmente incomoda as grandes empresas de mídia, e sim,
a existência de diversidade de opinião.
Voltando a falar desses colunistas, assim como ocorre
entre os colunistas pró-PSDB, há também uma grande diversidade ideológica entre
os pró-PT. Tem desde o Luís Nassif, quase no centro, até o Emir Sader, bastante
à esquerda. Destes, Luís Nassif e Mino Carta são os que estão menos presos à
defesa de um partido. São críticos, muitas vezes, do governo Lula e
principalmente do governo Dilma. Tanto o blog do Luís Nassif, quanto a revista
Carta Capital, são plurais e assim como publicam defesas do governo federal,
publicam críticas tanto pela esquerda quanto pela direita. A Carta Capital já
publicou entrevistas de Aécio Neves e Eduardo Campos, assim como já publicou
colunas de políticos do PSOL. Luís Nassif já teve uma visão mais positiva do
PSDB nos anos 1990, mas se distanciou dos tucanos à medida em que eles se
deslocaram muito para a direita. Emir Sader, por sua vez, publica de vez em
quando alguns tweets de mau gosto.
Não se pode confundir colunistas de esquerda em geral com
colunistas que escrevem textos favoráveis ao PT. Vladimir Safatle, por exemplo,
é um colunista de esquerda da Folha, mas não escreve textos sobre disputas de
partidos políticos. Ele não faz propaganda nem mesmo de seu PSOL. Prefere
enfocar assuntos mais acadêmicos. Leonardo Sakamoto é outro colunista de
esquerda que não escreve sobre política partidária. Ele escreve sobre
movimentos sociais, condições de trabalho, reforma agrária, meio ambiente e
conflito de valores (religiosos X secularistas) sem defender políticos do PT ou
atacar políticos do PSDB.
O spining não é uma atividade criminosa. É uma prática
inevitável em uma democracia de massas. Nem todas as pessoas que votam
conseguem entender textos complexos, opiniões complexas. Mas votam. Ainda bem.
Se apenas pessoas com capacidade de entender teses acadêmicas votassem, não
haveria democracia, e sim ditadura. Não é absurdo mostrar o máximo possível de
notícias boas para seu partido favorito. E nem todos os autores citados neste
texto realizam cada um todos os exemplos de spining. Alguns destes autores,
escrevem bons textos opinativos.
O problema é que, muitas vezes, a criação de narrativas a
favor de partidos é construída em cima de fatos falsos, ou de fatos verdadeiros
amarrados de forma desonesta. Nestes casos, gera-se propaganda enganosa e a
qualidade do debate político é prejudicada.
Um comentário:
Excelente exposição, meu caro. Didática e sensata, como toda análise deveria ser. Parabéns.
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