terça-feira, 24 de agosto de 2010

A crença em Deus aproxima um chefe de Estado dos valores?



José Serra acha que sim. E passa uma péssima mensagem para um país que quer se modernizar, não apenas na economia, mas também nas idéias. Quem acredita em Deus pode até mesmo dizer que o país é abençoado, porque ao contrário do que ocorre em alguns países da Ásia, da África e da Europa Oriental, no Brasil não há conflitos religiosos. No Brasil há pessoas de diferentes crenças e que na maioria das vezes se respeitam e se toleram. Mas falta uma coisa para melhorar: no Brasil também há pessoas que não têm crenças, e estes, embora não sejam perseguidos, são incompreendidos por uma larga parcela da população. Esperava-se de um intelectual que fosse um líder, para ensinar as pessoas a tolerar quem é diferente, e mostrar que acreditar em Deus não faz alguém nem melhor nem pior. Mas para tentar ganhar uns votinhos a mais, endossar só um preconceitozinho a mais é visto como uma arma necessária.

Parece ser uma sistemática estratégia da campanha do Serra atacar a falta de religiosidade da Dilma. Índio da Costa já fez isso no Twitter. No debate de ontem promovido pela TV Canção Nova, ele afirmou que Dilma não compareceu ao evento entre outras coisas porque não queria se expor por causa do 3PNDH. Ou seja, o candidato tucano quis que os padres atacassem Dilma por causa do programa. Serra teve a oportunidade de ter perguntado diretamente à Dilma sobre o plano, durante o debate na Band, mas não teve galhardia suficiente. Prefere que os ataques partam de terceiros. Não quer perder a parcela cult de seu eleitorado, aquela que recebe ensinamentos de uma ex-VJ da MTV. Por causa disso também, acusou o 3PNDH de criminalizar quem é contra o aborto. O plano não criminaliza quem é contra o aborto. Apenas defende a legalização do aborto. Mas eufemismos são necessários para não assustar a mencionada parcela cult.

Posturas bem diferentes tiveram a evangélica Marina Silva e o católico Plínio Arruda Sampaio no debate de ontem. Os dois deixaram claramente que mesmo sendo religiosos, são contra o uso destas para desrespeitar quem não tem religião ou quem não segue costumes recomendados por religiões. Plínio pode ter pisado na bola no Twitter, mas no debate esteve impecável, defendendo a legalização do aborto por questão de saúde pública, defendendo a lei anti-homofobia, e de uma forma bastante simpática aos religiosos, defendendo a retirada de símbolos religiosos de prédios do Estado. Marina Silva, outrora acusada se ser fanática, teve resposta completamente diferente da de Serra na pergunta sobre a importância do Presidente da República acreditar em Deus.

Será que quem tanto batia em Marina Silva por seu suposto fanatismo vai agora bater em Serra? Ou será que a objeção à Marina não era o seu suposto fanatismo em si, mas sim o fato dela ser da igreja da concorrência?

Será que quem ficou indignado com a recusa dos jogadores evangélicos do Santos de visitar, à revelia deles, um centro espírita, vai ficar indignado com o Serra? Ou o motivo da indignação seria o simples fato destes jogadores serem da igreja da concorrência?

Vamos esperar que um dia sejamos como a Austrália, onde uma primeira-ministra não precisa de dedos para assumir que é atéia

http://www.youtube.com/watch?v=3hMgY8z96dE

Ou os Estados Unidos, onde seu presidente faz um contundente discurso a favor do Estado laico

http://www.youtube.com/watch?v=eVuOTwlMEjU

2 comentários:

Anônimo disse...

Diga Marcelão! Certinho?
Não tinha visto essa do Serra não. Imaginei que ele tivesse uma postura bastante indiferente a religião -- talvez tenha mesmo, e esteja só fazendo embaixadinha pra torcida cristã.
E ainda sigo com ressalvas em relação à Marina. Não é por um deslize qualquer ou improviso que, nas considerações finais de debates (pelo menos aqueles a que assisti, o da Band e o do Uol), ela manda um 'primeiramente, queria agradecer a deus...'. Isso, embora sutil e inocente em si mesmo, explicita outras de suas posições, como em relação ao aborto e drogas -- para mim é claramente evasiva e 'murista' a resposta 'temos de fazer plebiscito sobre isso'.
No mais, temos de lutar para que as religiosidades e não-religiosidades estejam circunscritas a seus lugares, o indivíduo. Obviamente a luta está muito mais naquelas que nestas.
Abração! Douglas

Marcelo Brito disse...

Fala Douglas,
Eu também concordo que a questão religiosa deve ser uma coisa privada, e não pública. Mesmo tendo a demagogia religiosa de Serra objetivo de apenas ganhar votos, isto já é muito ruim.

Agora, vamos ter cuidado para não sobreestimar a relevância de temas como religiosidade, moral, sexualidade. Sou a favor da legalização do aborto e do casamento sexual e muitos países de Primeiro Mundo tem essas coisas. Mas o que mais nos distancia do Primeiro Mundo não é isso, e sim o fato de mais de 40% dos domicílios no Brasil não serem ligados a uma rede de esgoto.
Se você já voltou do Primeiro Mundo, podemos nos encontrar.
Abraço
Marcelo