sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A lógica de Celso Ming e similares

http://blogs.estadao.com.br/celso-ming/2010/08/02/o-jogo-virou/
Diz Celso Ming na postagem de 2 de agosto de seu blog:

Enquanto a economia dos Estados Unidos cambaleia e levanta apreensões, a economia da locomotiva europeia, a Alemanha, apresenta súbita recuperação para euforia geral.
Depois da prostração que durou mais de um ano, na semana passada a Federação da Indústria Alemã (BDI) publicou seu relatório trimestral em que projeta para 2010 crescimento de 2% e aumento das exportações de 8%.

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O exemplo alemão é foco de grande controvérsia. Ao longo desta crise, o governo da chanceler Angela Merkel rejeitou sumariamente a criação de novos estímulos destinados a tirar a economia do sufoco.
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Mais do que isso, como não conta com moeda própria, o governo alemão não pode aumentar a competitividade do produto nacional por meio de desvalorização cambial, como costumam fazer os governos quando querem empurrar exportações e inibir importações. Para obter efeito equivalente, a decisão foi comprimir salários e aposentadorias para derrubar os custos de produção e aumentar a capacidade de exportar.
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Em poucas palavras: o colunista do Estadão vinculou a melhor recuperação da economia da Alemanha, em comparação com a recuperação da economia dos EUA, à decisão do governo alemão de não recorrer a estímulos fiscais.
Com base nos demais textos que Celso Ming escreve e nos textos que outros colunistas que pensam como ele escrevem, não há maiores dificuldades em adivinhar o que tais colunistas diriam caso fosse a economia dos EUA que tivesse se recuperado melhor. A explicação estaria no mercado de trabalho mais flexível, na carga tributária mais baixa e no welfare state menos generoso.
Aconteça o que acontecer, estará sempre "provado" que políticas econômicas conservadoras funcionam melhor. As explicações para os fatos já estão prontas antes mesmo dos fatos acontecerem. O raciocínio funciona do seguinte modo: se a economia do país A vai melhor que a do país B, seleciona-se as políticas de A que são mais conservadoras que a de B e define-se estas políticas como a causa. Se a economia do país B vai melhor, seleciona-se as políticas de B que são mais conservadoras que as de A e define-se estas como a causa.
Da comparação entre Alemanha e EUA podem ser retiradas outras conclusões, dependendo da orientação ideológica prévia do observador. Como foi possível ver no texto, o desemprego da Alemanha no auge da crise foi de 7% e o dos EUA foi de 10%. Ou seja, o mercado de trabalho da Alemanha, com maior regulação, maior seguro-desemprego e maior taxa de sindicalização, funcionou melhor durante a crise do que o mercado de trabalho dos EUA. E isso tudo era considerado vilão do bom funcionamento dos mercados de trabalho pela ortodoxia que Ming defende. E mais: o mercado de trabalho regulado e a carga tributária mais elevada não estão atrapalhando a competitividade da indústria exportadora alemã.
E por falar em competitividade das exportações, não existe a dicotomia desvalorização nominal X compressão de salários. Ambos são meios para se atingir um único fim: a desvalorização real. Nisto é possível criticar a Alemanha. Desvalorização real serve para país com déficit isolado no balanço de pagamentos ou com recessão isolada. Em um contexto de recessão global, desvalorização real é política de empobrecer a vizinhança.

Durante as últimas duas décadas, foi esporte favorito do jornalismo econômico conservador (quase um pleonasmo) exaltar a superioridade do modelo norte-americano de Estado pequeno em comparação ao modelo europeu continental de economia social de mercado. O seguro-desemprego, os sindicatos, os impostos altos e os gastos sociais supostamente estariam fazendo a Europa ficar para trás. Já foi demonstrado aqui que a superioridade dos EUA neste período nem foi tão marcante assim.
Agora que surgem evidências em contrário ao habitua raciocínio, pesca-se uma ou outra coisinha em que um país europeu continental é mais conservador, e aí a explicação está dada.
Rigor científico é uma coisa grande demais para caber em uma coluninha jornalística.

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