sábado, 17 de outubro de 2015

É necessário ser de direita para ser um bom economista?

Meu primeiro texto postado no www.trincheiras.com.br

Tanto economistas de direita quanto alguns sociólogos, antropólogos, historiadores, geógrafos, pedagogos e filósofos de esquerda concordam com uma afirmativa: a de que um bom economista precisa ser de direita. Os primeiros por desprezar esquerdistas. Os segundos por desprezar economistas. Para todos esses, falar “economista de esquerda” é motivo de risadinha. Então, este texto trata da seguinte questão: um bom economista precisa ou não ser de direita?
A resposta é: NÃO, mas … . Isso mesmo, há um “mas”. Um bom economista não precisa ser de direita, também pode ser de esquerda, de centro ou não ser de uma coisa, nem outra, nem outra. Mas há alguns motivos que fazem algumas pessoas pensarem que bom economista precisa ser de direita. Então, primeiro devem ser discutidos estes motivos, para depois mostrar que eles não são suficientes.
Algumas pessoas acreditam que bons economistas precisam ser de direita porque:
  • Qualquer economista que publica com frequência e que recebe um bom número de citações acredita que, em geral, o mercado é um bom mecanismo de alocar recursos
  • Modelos básicos de Microeconomia mostram que intervenção do Estado só atrapalha
  • Há, muitas vezes, relação negativa entre distribuição e crescimento, entre equidade e eficiência
  • Existem muitos textos ruins de esquerda sobre Economia
  • A percepção de que Economia é uma ciência de direita é equivocada mas existe e é influente, e, por causa disso, é mais comum jovens de 17 anos de direita quererem prestar vestibular para Economia do que jovens de 17 anos de esquerda. Quatro anos depois, pegam o canudo e saem por aí defendendo ideias de direita não porque o conhecimento acadêmico recebido influenciou, mas porque pescou no conhecimento acadêmico recebido aquilo que satisfazia a ideologia que já possuía antes de iniciar os estudos.
Mas não é verdade que um bom economista precisa ser de direita porque:
  • Não é necessário ser de direita nem mesmo pró capitalismo para entender que não é possível deixar de existir mercados
  • Economistas que publicam com frequência e que recebem um bom número de citações acreditam que, em geral, o mercado é um bom mecanismo de alocar recursos, e também que existem falhas de mercado
  • Pode haver relação positiva e pode haver relação negativa entre distribuição e crescimento, entre equidade e eficiência, mas não há qualquer lei científica que diz que crescimento deve prevalecer sobre distribuição, que eficiência deve prevalecer sobre equidade
  • Economistas não precisam necessariamente aderir a teorias ortodoxas, e mesmo as teorias ortodoxas em si não são de direita, os seus teóricos que normalmente são
  • Existem muitos textos ruins de esquerda sobre Economia, e também existem muitos textos ruins de direita sobre Economia
Em aulas introdutórias de Microeconomia, os alunos aprendem modelos básicos que dizem que controles de preço causam falta de bens, salário mínimo e piso sindical causam desemprego, e impostos progressivos causam desestímulo ao trabalho. Estes modelos são ortodoxos.
Em ciência econômica, existem os pensadores ortodoxos e os pensadores heterodoxos. Os primeiros procuram descrever as leis da economia através de modelos matemáticos feitos com base na premissa de que o sistema é composto por agentes racionais maximizadores. Os modelos são testados por econometria para ver se são adequados à realidade. Os segundos tentam tirar da própria observação da realidade as leis da economia. Embora ortodoxos sejam habitualmente relacionados com direita e heterodoxos com esquerda, a relação não é automática nem com um nem com o outro.
A realidade respalda o modelo mais básico sobre controles de preços. Políticas de teto de preço de alimentos geram prateleiras vazias e longas filas. Atualmente, nenhum economista defende este tipo de política, nem ortodoxo, nem heterodoxo, nem de direita, nem de centro, nem de esquerda.
É possível acreditar que o mercado aloca bens os recursos, mas não os distribui da maneira mais justa, e que por isso o Estado deveria ter papel na redistribuição. Também é possível defender um socialismo de cooperativas que concorrem entre si no mercado.
Sobre salário mínimo, piso sindical e impostos progressivos, os modelos básicos não descrevem o que realmente ocorre. Há inúmeros exemplos históricos de aumentos de salário mínimo e fortalecimento de sindicatos em que não houve aumento de desemprego, e de economias que funcionaram e funcionam muito bem mesmo com elevadas alíquotas de imposto de renda para pessoas físicas com altíssima renda. Tomem o caso dos Estados Unidos, por exemplo. Do final da Segunda Guerra Mundial até a chegada de Reagan ao poder em 1980, o país tinha políticas que atualmente seriam tidas como “de esquerda”: crescimento do salário mínimo real acompanhando o crescimento produtividade, sindicatos fortes, fluxos de capital regulados, elevada alíquota máxima de imposto de renda. De 1980 pra cá, as políticas passaram a ser fortemente de direita: salário mínimo real estagnado ou declinante, sindicatos fracos, fluxos de capital desregulados e modesta alíquota máxima de imposto de renda. Não houve diferença significativa de crescimento do PIB per capita entre os dois períodos. Já a renda da família mediana cresceu bem mais no primeiro do que no segundo período. Ou seja, as políticas de direita não fizeram a economia norte-americana funcionar melhor. Não precisa ser contra salário mínimo ou ser contra elevada alíquota máxima de imposto de renda para ser um bom economista.
Não precisa sequer ser heterodoxo para discordar das “verdades” demonstradas pelos modelos ortodoxos mais básicos de Microeconomia. Mesmo modelos ortodoxos mais sofisticados sobre mercado de capitais, mercado de trabalho, tributação e comércio internacional apresentam conclusões diferentes daquelas demonstradas por modelos básicos.
Assim como economistas de qualquer tribo reconhecem que não podemos abrir mão de mercados, também reconhecem que existem as falhas de mercado, que incluem poder de mercado (monopólio, oligopólio, monopsônio, oligopsônio), externalidades, informação assimétrica e bens públicos. Há divergências sobre o que é mais custoso para a sociedade: as falhas de mercado em si ou as tentativas de corrigi-las. No exato momento em que algum reaça está falando que esquerdistas não entendem porra nenhuma de economia porque são sabem como os mercados são tão bons e em que algum revoluça está falando que economistas são pessoas sem noção porque acham que mercado é igual a Deus, algum economista acadêmico está debruçado sobre seu próximo paper a publicar sobre falhas de mercados, elaborando modelos enormes repletos de letras gregas.
E sobre o conflito entre distribuição e crescimento? Equidade e eficiência? Alguns dizem que um bom economista deve saber que o que é melhor para diminuir a desigualdade da distribuição de renda não é o melhor para produzir crescimento, e que, portanto, quem domina a ciência econômica deveria se opor às políticas de redução de desigualdade, em nome de maior crescimento.
É verdade que esta relação negativa é válida, mas não é verdade que ela é sempre válida. Desigualdade muito alta não estimula, mas inibe o crescimento, porque gera tensões sociais, porque se os pobres são muito pobres a qualidade da força de trabalho é baixa e porque o subconsumo pode gerar recessão de demanda. Por outro lado, é verdade que desigualdade muito baixa também pode inibir o crescimento. Se a recompensa não é muito grande, menos pessoas podem se sentir estimuladas a se qualificar, empreender, inovar e poupar. E também, como mais dinheiro no bolso do pobre significa mais consumo e mais dinheiro no bolso do rico pode significar mais investimento (depois que cansar de consumir tanto iate e uísque). A relação entre distribuição e crescimento pode ser vista no gráfico a seguir.
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Por que fala-se tanto sobre o impacto negativo das políticas que enfocam a distribuição (a zona rosa do gráfico) e tão pouco sobre o impacto positivo (a zona amarela do gráfico)? Porque muitas vezes a política consegue eliminar a possibilidade da zona amarela virar realidade. Se há uma sociedade em que a desigualdade é tão alta que inibe o crescimento, ao invés de estimular, ou o governo que tolera isso é derrotado na próxima eleição, e se não há democracia, é derrubado em uma revolução. Por isso as opções politicamente mais viáveis são as zonas laranja e rosa, e desta maneira, vem o imaginário de que preocupar-se com distribuição é ruim para o crescimento.
O fato de ser importante reconhecer que existe a zona rosa não implica que um bom economista tem que defender um nível de preocupação com a distribuição renda na zona laranja, compatível com um crescimento máximo. Nenhuma ciência faz julgamento de valor, portanto, nenhuma ciência diz que crescimento tem que ser a prioridade máxima. Tudo bem que um Índice de Gini igual a zero não é funcional para a economia, nem mesmo justo. Nem Thomas Piketty defende isso. Mas ainda assim é perfeitamente possível defender que o ponto ótimo para a sociedade se localize na zona rosa, e não na zona laranja.
Interessante observar a História. Como foi mencionado, a economia norte-americana entre 1950 e 1980, quando era mais igualitária, não teve desempenho pior do que teve a partir de 1980, quando passou a ser bem mais desigual. É verdade que os Estados Unidos e o Reino Unido, que tiveram grande crescimento da desigualdade a partir de 1980, tiveram crescimento do PIB per capita maior que a França, que continuou mais igualitária. Mas o PIB per capita da Suécia e da Noruega, países que também continuaram mais igualitários, tiveram desempenho neste período quase tão bom quanto o dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Existem economistas ruins de esquerda? Sim. Existem textos ruins de esquerda sobre economia escritos por não economistas? Mais ainda. Existem economistas ruins de direita? Sim. Existem textos ruins de direita sobre economia escritos por não economistas? Mais ainda. Economistas ruins, não importa de que cor ideológica, misturam ciência com ideologia. Economia não é uma ciência exata, mas isto não quer dizer que vale tudo (em nenhuma outra ciência social vale tudo). Há algumas questões que são consenso para quase todos os economistas, outras em que existe muita discussão, mas não por questões de julgamento de valor e sim porque é difícil tirar conclusões quando não se pode fazer experimentos de laboratório em ciência social (exemplo: em até que ponto uma política redistributiva não prejudica o crescimento e quando passa a prejudicar?), e finalmente as questões de julgamento de valor, onde apenas nestas a ideologia entra (exemplo: vale a pena redistribuir renda mesmo além do ponto que prejudica o crescimento?). Quem mistura ciência com ideologia não tem discernimento para diferenciar essas coisas. Enxergam a ciência como uma feira, onde é possível escolher as frutas desejadas.
Não se estuda Economia apenas para aprender a discutir. O economista é um profissional. Espera-se que ele saiba estimar o impacto de uma política social sobre a redução da pobreza, estimar o impacto da queda do preço da manteiga na demanda por margarina. Atividades estas que não dependem de ideologia. Assim como se espera de um médico que ele saiba curar pacientes, e não apenas escrever belos textos sobre o corpo humano.
A gravidade da mistura de ciência com ideologia é visível nos debates sobre Macroeconomia, que é a mais quente ramificação da ciência econômica. Antes de apresentar as diferentes correntes de pensamento na Macroeconomia, é importante listas os principais papéis do Estado que são muito discutidos.
  • Fornecimento de bens e serviços públicos: Segurança, defesa nacional, justiça e bens e serviços relativos a Estado de Bem Estar Social, como educação, saúde, previdência, seguro desemprego
  • Redistribuição de renda através de impostos progressivos e programas de transferência
  • Regulação de monopólios ou oligopólios (ou realização direta de atividades monopolísticas/oligopolísticas através de empresas públicas)
  • Suavizar com políticas fiscal e monetária as flutuações de produto, emprego e preços
No 1, 2 e 3, há divergências porque há diferentes julgamentos de valor. No 4, há divergências porque é impossível fazer experimentos de laboratório em economia, porque neste caso, as cobaias seríamos nós. Mas se fosse possível fazer experimentos, algumas conclusões poderiam ser obtidas independente de julgamento de valor. São feitos muitos testes econométricos, que é o que de mais próximo de um laboratório um economista tem, mas estes testes são sempre imperfeitos. Há diversas correntes de pensamento em Macroeconomia que brigam muito entre si porque cada uma lê de uma maneira diferente os resultados dos testes.
As principais correntes, com o nome de seus principais expoentes entre parênteses são estas: paleokeynesiana (Paul Samuelson, Robert Solow, James Tobin, Franco Modigliani, Paul Krugman velho), monetarista (Milton Friedman), novo clássica (Robert Lucas, Thomas Sargent, Robert Barro, Edward Prescott), novo keynesiana (Greg Mankiw, Olivier Blanchard, Stanley Fischer, David Romer, Joseph Stiglitz, Paul Krugman jovem), austríaca (Ludwig Von Mises, Friedrich Hayek) e pós keynesiana (Nicholas Kaldor, Hyman Minsky, Paul Davidson). Os paleokeynesianos, os monetaristas e os novos keynesianos consideram que as políticas fiscal e/ou monetária têm efeito sobre o produto no curto prazo, mas não no longo prazo. Os monetaristas acham que mesmo tendo efeito, essas políticas não devem ser feitas. Os paleokeynesianos e os novos keynesianos defendem estas políticas, os novos com menos entusiasmo. Os pós keynesianos consideram que essas políticas têm efeito até no longo prazo. Os novos clássicos e os austríacos acham que essas políticas não têm efeito em momento algum. Os paleokeynesianos, os monetaristas, os novos clássicos e os novos keynesianos são ortodoxos, os austríacos e os pós keynesianos são heterodoxos. Os paleokeynesianos e os monetaristas foram mainstream no passado (não é porque deixaram de ser mainstream que estão necessariamente errados), os novos clássicos e os novos keynesianos são o mainstream no presente, e os austríacos e os pós keynesianos nunca foram mainstream.
Como se vê, essas correntes de pensamento se diferenciam entre si por causa da divergência de visão delas sobre o papel do Estado no item 4. Defender um papel forte do Estado no 4 não implica necessariamente defender no 1, 2 e 3, e vice versa. Economistas dentro da mesma corrente podem ter grandes divergências sobre o que pensam sobre o 1, o 2 e o 3. Dentro da corrente novo keynesiana, por exemplo, tem Greg Mankiw, mais à direita, que não é muito entusiasta de redistribuição e renda, e Joseph Stiglitz, mais à esquerda, que defende fortemente redistribuição de renda.
O problema é que há muitos amadores em Economia que consideram que se eles defendem que o Estado de Bem Estar Social tem que ser grande, eles têm que ser necessariamente pós keynesianos, e que se defendem que o Estado de Bem Estar Social tem que ser pequeno, eles têm que ser necessariamente novos clássicos ou austríacos. Escolhem a corrente de pensamento favorita igual se escolhe um time de futebol ou uma banda de rock. Estudam as demais com má vontade, pensando apenas “o que eu tenho que aprender para poder falar mal delas?”. Não percebem que é perfeitamente possível um estado mais ou menos pequeno (Estados Unidos) fazer muitas políticas fiscal e monetária anticíclicas, e um estado grande (países europeus) fazer poucas políticas fiscal e monetária anticíclicas.
Delfim Netto, José Serra e Bresser Pereira são pós keynesianos, mas não são esquerdistas. Defendem políticas monetárias ativistas, mas fora isso, defendem privatizações e outras reformas para deixar o estado mais enxuto. Economistas de partidos social democratas europeus raramente são pós keynesianos.
Outro defeito que se vê em alguns autores de textos de Economia tanto de esquerda quanto de direita é o culto à personalidade. Consideram que existem “os caras” e “os bostas” na Economia, que as respostas para os problemas atuais têm necessariamente que estar nos livros dos “caras”, mesmo que sejam bem antigos, e que nenhuma contribuição dos “bostas” tem valor. Há os esquerdistas que acham que o Marx, o Keynes (???) ou o Celso Furtado são os caras. Há os direitistas que acham que Von Mises, Hayek e Friedman são os caras. Para eles, não precisa ter lido uma linha de Marx para falar que ele era um bosta. Basta falar de Stalin, como se a ligação entre eles fosse muito grande. Como para eles Keynes também era um bosta, os novos keynesianos precisam estar errados porque têm Keynes no nome, mesmo que os novos keynesianos sejam quase novos clássicos, divergindo apenas sobre rigidez de preços. Mas Keynes era socialista, então o que leva o nome dele tem que estar errado, então não existe rigidez de preços. Esses direitistas ainda devem pensar que além de tudo, Keynes era boiola, e não é à toa que o centro de pensamento econômico mais keynesiano do Brasil se localiza em uma cidade conhecida por ter muita gente boiola.
Em Economia (ou melhor, em ciências em geral), não há espaço para achar que “meu ídolo do passado resolvem todos os problemas de hoje”. No pensamento econômico há idas e vindas, mas também há um grande acúmulo de conhecimento que ocorre ao longo do tempo.
Os austríacos Von Mises e Hayek não são considerados muito relevantes nem mesmo para o mainstream. Friedman é muito relevante para o mainstream, mas não por causa de sua atividade política de direita. Friedman é relevante por causa de sua teoria que diz que não há relação de longo prazo entre desemprego e inflação, teoria que não é nem de esquerda, nem de centro, nem de direita. Não precisa concordar com as ideias direitistas de Friedman e gostar de seu ativismo para aceitar sua teoria de inflação e desemprego. Joseph Stiglitz e Paul Krugman são economistas muito citados e tiveram muita importância até mesmo para o pensamento econômico mainstream. A importância deles no meio acadêmico não decorre da atividade política de esquerda deles, que é razoavelmente recente. Joseph Stiglitz ficou famoso por seu trabalho sobre informação assimétrica. Paul Krugman ficou famoso por causa de sua teoria sobre comércio internacional. Aceitar as teorias deles não implica concordar com o ativismo político deles. Mas eles são dois bons exemplos de como dois ótimos economistas profissionais podem ser importantes vozes da esquerda mundial sem prejuízo para a atividade acadêmica em ciência econômica.
Como foi dito no início, textos ruins sobre Economia existem, de esquerda ou de direita. Os textos ruins de esquerda adotam um keynesianismo vulgar e falam como se políticas fiscal e monetária expansionistas fossem capaz de produzir riqueza ilimitada, ideia que nenhuma das três correntes keynesianas sérias defende. Esse pensamento vulgar coloca como se fosse sempre bom fazer política expansionista. Ao invés de gerar riqueza ilimitada, isto geraria inflação ilimitada. Também é comum ver textos ruins de esquerda pedindo mais gastos públicos, maiores salários, mais direitos trabalhistas e ainda reclamações sobre a desindustrialização do Brasil, sendo que a desindustrialização do Brasil ocorreu justamente porque os custos do trabalho aqui não podem concorrer com os da Ásia. É frequente também lermos textos ruins de esquerda falando dos “45% do nosso dinheiro que é utilizado para pagar juros, sei lá quantas vezes mais que a educação e a saúde”. Isto é confuso porque passa a impressão de que 45% dos nossos impostos vai para o pagamento de juros, o que não é verdade. O que vai para o pagamento de juros é 45% da soma do que o governo arrecada de impostos com a emissão de novos títulos (ou seja, empréstimos novos que contrai). E ninguém emprestaria dinheiro para governo que não paga dívida. O desconhecimento sobre rolagem de dívida é um bom gancho para falar dos textos ruins de direita sobre Economia. É comum lermos sobre o crescimento do valor absoluto da dívida pública durante o governo Lula, o que se trata de uma informação irrelevante, pois o que interessa é a capacidade do governo pagar a dívida, ou seja, a relação dívida/PIB. Caso contrário, os Estados Unidos seriam o país mais fodido do mundo, pois são o país que têm a maior dívida absoluta do mundo. Ou aquela comparação imbecil do Estado com a dona de casa, que não pode gastar mais do que arrecada. Não precisa ser keynesiano para saber que em algumas situações, déficits moderados são aceitáveis. Se a taxa real de crescimento do PIB for maior do que a taxa real de juros (o que certamente não está acontecendo no Brasil atualmente), um pequeno déficit mantém a relação dívida / PIB constante. Ah, e donas de casa também se endividam. Mas o pior mesmo da argumentação direitista sobre Economia é o Argumentum ad Stalum. Se há uma discussão entre capitalismo regulado e capitalismo desregulado, e se os defensores do capitalismo desregulado estão com preguiça de arrumar argumentos contra o capitalismo regulado, a prática mais habitual é fazer de conta que estão em uma discussão entre capitalismo e comunismo, e falar do Stálin, dos gulags, do Mao, do Pol Pot, do Muro de Berlim, de Cuba e da Coreia do Norte. Outra prática habitual estúpida da direita é relacionar atraso do Brasil com esquerda, um país de 515 anos que teve no máximo 15 de governo de esquerda (dois do João Goulart, treze do PT). Como se nos outros 500 anos só tivesse existido prosperidade. E não pode faltar menção àqueles que dizem com arzinho de superioridade intelectual que “não existe almoço grátis”. Na verdade, a economia fornece sim alguns “almoços grátis”: subutilização de fatores de produção, bens públicos, externalidades positivas.
E a figura a seguir mostra o que ocorre quando alguns direitistas falam das ciências econômicas na academia brasileira.
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São apenas não economistas que escrevem textos ruins sobre Economia, à esquerda e à direita? Não, há também militantes com diploma. Alguns, nem mesmo acreditam plenamente no que escrevem, mas acham conveniente colocar o bode na sala: criam um extremo artificial para que aquilo que realmente defendem pareça a posição intermediária. O problema disso é que existe o risco de criar o efeito espantalho, que é o oposto do efeito bode na sala. Pessoas acharem que quem tem o seu posicionamento político tem mais propensão a escrever groselhas, e a má fama afetar até quem é mais sério. Ser militante é muito bom, mas usar pseudociência para isso não é.
Por fim, já vimos que um bom economista não tem necessariamente que ser de direita, pode ser, mas também pode não ser. Para adicionar, vamos nos lembrar dos pioneiros das ciências econômicas. Adam Smith defendia o liberalismo em um tempo em que Estado significava privilégio para a nobreza. Não pode ser considerado um direitista. Karl Marx, este é óbvio que era de esquerda. Alguns dizem que ele não era economista, mas entre muitas outras coisas, ele era economista sim. Leon Walras e Alfred Marshall, fundadores da Microeconomia moderna, poderiam ser considerados social democratas. John Maynard Keynes, fundador da Macroeconomia, também. O Douglas, da famosa função Cobb-Douglas, foi um senador da ala de esquerda do Partido Democrata.
Por falar nisso, na American Economic Association, há mais membros auto declarados democratas do que auto declarados republicanos. O Partido Democrata dos Estados Unidos não é exatamente um partido de esquerda, mas ainda assim, se verifica que economistas norte americanos não estão à direita da média da população do país em que vivem.
No Brasil, a existência de dois centros de pensamento não mainstream, os Institutos de Economia da Unicamp e da UFRJ, gera um efeito muito positivo e um efeito colateral levemente negativo. Por um lado, contribuem para a diversidade de ideias. Por outro, atraem jovens de esquerda que querem estudar Economia, sobrando maioria direitista em outras faculdades. Como consequência, os graduados com maior especialização em teorias maintream tendem a ser muito conservadores politicamente.

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