Neste início de século XXI, vemos muita gente que se considera de esquerda tolerando a existência de práticas sociais cruéis em ambientes onde vigoram culturas não-ocidentais. Tudo isso em nome do anti-imperialismo e da suposta aceitação à diversidade cultural. A indignação a estas práticas tendem a gerar acusações de pró-colonialismo ou tentativa de ocidentalização forçada.
Marx não pensava assim. Em um artigo de jornal publicado em 1853, o filósofo-economista de Trier mostrava os danos que a colonizaçãobritânica havia causado à Índia. Porém, Marx não deixou de demonstrar como as tradições culturais indianas antes da colonização eram opressoras. E enxergou que embora a colonização tivesse sido motivada por interesses abjetos, teve como efeito colateral positivo o desmantelamento da estrutura social da Índia.
Vale a pena ler o texto
http://www.marxists.org/portugues/marx/1853/06/10.htm
Destaque para os parágrafos finais
Ora, por mais triste que seja do ponto de vista dos sentimentos humanos ver essas miríades de organizações sociais patriarcais, inofensivas e laboriosas se dissolverem, se desagregarem em seus elementos constitutivos e serem reduzidas à miséria, e seus membros perderem ao mesmo tempo sua antiga forma de civilização e seus meios de subsistência tradicionais, não devemos esquecer que essas comunidades villageoisies idílicas, malgrado seu aspecto inofensivo, foram sempre uma fundação sólida do despotismo oriental, que elas retém a razão humana num quadro extremamente estreito, fazendo dela um instrumento dócil da superstição e a escrava de regras admitidas, esvaziando-a de toda grandeza e de toda força histórica. Não devemos esquecer os bárbaros que, apegados egoisticamente ao seu miserável lote de terra, observam com calma a ruina dos impérios, as crueldades sem nome, o massacre da população das grandes cidades, não lhes dedicando mais atenção do que aos fenômenos naturais, sendo eles mesmos vítimas de todo agressor que se dignasse a notá-los. Não devemos esquecer que a vida vegetativa, estagante, indigna, que esse gênero de existência passiva desencadeia, por outra parte e como contragolpe, forças de destruição cegas e selvagens, fazendo da morte um rito religioso no Hindustão. Não devemos esquecer que essas pequenas comunidades carregavam a marca infame das castas e da escravidão, que elas submetiam o homem a circunstâncias exteriores em lugar de fazê-lo rei das circunstâncias, que elas faziam de um estado social em desenvolvimento expontâneo uma fatalidade toda poderosa, origem de um culto grosseiro da natureza cujo caráter degradante se traduzia no fato de que o homem, mestre da natureza, caia de joelhos e adorava Hanumán, o macaco, e Sabbala, a vaca.
É verdade que a Inglaterra, ao provocar uma revolução social no Hidustão, era guiada pelos interesses mais abjectos e agia de uma maneira estúpida para atingir seus objetivos. Mas a questão não é essa. Trata-se de saber se a humanidade pode cumprir seu destino sem uma revolução fundamental na situação social da Ásia. Senão, quaisquer que fossem os crimes da Inglaterra, ela foi um instrumento da História ao provocar esta revolução. Nesse caso, diante de qualquer tristeza que possamos sentir diante do espetáculo do colapso de um mundo antigo, temos o direito de exclamar como Goethe: "Deve esta dor nos atormentarjá que ela nosso proveito aumenta,O jugo de Timur não consumiumiríades de vidas humanas?(Goethe, Westostlicher Diwan. An suleika.
domingo, 19 de dezembro de 2010
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
A defesa de tese de Aloizio Mercadante
Nesta sexta-feira, o futuro ex-senador e futuro Ministro de Ciência e Tecnologia Aloysio Mercadante defendeu sua tese de doutorado no Instituto de Economia da Unicamp. Seu trabalho foi um balanço dos oito anos de governo Lula, classificado pelo senador como um período de "novo desenvolvimentismo".
Nunca na história desta República uma defesa de tese havia recebido um público tão elevado. Todas as cadeiras do auditório do Instituto do Economia da Unicamp foram ocupadas. Algumas pessoas se espremeram de pé nos corredores. Outras pessoas viram o evento no telão instalado no saguão do prédio do IE.
Quem atraiu um elevado público foi não apenas o candidato a doutor (que já tem o poder de sozinho atrair um grande número de pessoas para palestras), como também a composição prevista da banca, que incluia João Manuel Cardoso de Mello, Maria da Conceição Tavares, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Antônio Delfim Netto. Isto é para os fãs de economia o mesmo que uma partida entre Gustavo Kuerten e Andre Agassi é para os fãs de tênis.
Maria da Conceição Tavares não pode comparecer por causa de uma gripe. Ricardo Abramovay a substituiu. Foi uma perda e um ganho. A banca perdeu o conhecimento, a sabedoria, o humor e os divertidos palavrões da Conceição, mas ganhou pluralidade. Os quatro membros originais tinham orientações partidárias diferentes e haviam participado de governos diferentes, mas todos eles eram desenvolvimentistas e seguiam alguma orientação keynesiana. Escalados para avaliar um trabalho de um desenvolvimentista com orientação keynesiana. Ricardo Abramovay, embora não seja um liberal puro, sai um pouco da linha dos outros três.
Em sua exposição de 45 minutos, Mercadante defendeu que o governo Lula se diferenciou tanto do velho nacional-desenvolvimentismo de 1930-1980 quanto do neoliberalismo de Collor e Fernando Henrique Cardoso. Os quatro eixos principais do governo Lula teriam sido o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento econômico comandado pelo desenvolvimento social, em que a economia seria puxada por um mercado de consumo de massas; o fortalecimento da democracia; a inserção externa soberana, e a nova política energética (principalmente com a descoberta do pré-sal). Mercadante também discutiu as políticas macroeconômica, científica, ambiental e educacional do governo Lula e ainda falou de prioridades a serem tratadas pelo próximo governo.
Os quatro avaliadores avaliaram positivamente a tese, assim como avaliam positivamente o governo Lula. Apesar disso, os quatro observaram discretamente que o trabalho procurou evidenciar muito mais os aspectos positivos do que os negativos do governo Lula e que exagerou ao ver 2002 como um ano de ruptura, negligenciando o que havia sido feito de continuidade a governos anteriores. Também foi destacada a conjuntura internacional favorável que vigorou até 2008, principalmente por causa do crescimento da China. Mas como a banca era composta por pessoas qualificadas, ninguém falou que tudo de bom que ocorreu no governo Lula foi resultado do governo FHC.
O próprio Mercadante reconheceu que é impossível separar totalmente o histórico militante do PT que ajudou a escrever o programa de governo do Lula desde 1989 e que foi um grande líder do governo no Senado e o acadêmico que vai fazer um trabalho de análise do governo de seu partido.
Como afirmou Delfim Netto, economistas entendem de diferenciar o produto para vendê-lo mais caro. Quase todos fazem isso. Ao comentar a avaliação de Mercadante da política científica e tecnológica do governo Lula, Delfim Netto afirmou que a Embrapa já existia desde 1970 e a Embraer desde 1967. Também afirmou que a despeito do crescimento absoluto das exportações no atual governo, as exportações brasileiras hoje equivalem a 1,3% das exportações mundiais e que isto já ocorria em 1980-1984. Bresser-Pereira lamentou a não continuidade da sua reforma de 1995.
A principal crítica de Delfim Netto à tese de Mercadante foi a de considerar que o desenvolvimento alicerçado no social teria iniciado no governo Lula. Para o ex-ministro, o modelo social teria iniciado com a Constituição de 1988. Bresser-Pereira falou da falta de abordagem teórica da tese. Abramovay reclamou que a tese foi muito pessimista (e às vezes contraditória) em relação às privatizações de FHC e observou que foi negligenciado que não só a esquerda, mas as forças políticas chamadas de neoliberais, também lutaram pela redemocratização do Brasil. João Manuel Cardoso de Mello sugeriu um texto mais curto, abordando menos temas, porém, de uma forma mais aprofundada.
No geral, a apresentação de Mercadante foi muito boa, os comentários da banca também, e o mesmo vale para as réplicas. O único problema a ser mencionado foi o clima de chá de comadres. Discussão com civilidade é muito importante para elevar a qualidade intelectual do país. Porém, fazer enormes elogios ao candidato ou a outros integrantes da banca antes de cada crítica ou manifestação de discordância já vira puxa-saquismo.
Nunca na história desta República uma defesa de tese havia recebido um público tão elevado. Todas as cadeiras do auditório do Instituto do Economia da Unicamp foram ocupadas. Algumas pessoas se espremeram de pé nos corredores. Outras pessoas viram o evento no telão instalado no saguão do prédio do IE.
Quem atraiu um elevado público foi não apenas o candidato a doutor (que já tem o poder de sozinho atrair um grande número de pessoas para palestras), como também a composição prevista da banca, que incluia João Manuel Cardoso de Mello, Maria da Conceição Tavares, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Antônio Delfim Netto. Isto é para os fãs de economia o mesmo que uma partida entre Gustavo Kuerten e Andre Agassi é para os fãs de tênis.
Maria da Conceição Tavares não pode comparecer por causa de uma gripe. Ricardo Abramovay a substituiu. Foi uma perda e um ganho. A banca perdeu o conhecimento, a sabedoria, o humor e os divertidos palavrões da Conceição, mas ganhou pluralidade. Os quatro membros originais tinham orientações partidárias diferentes e haviam participado de governos diferentes, mas todos eles eram desenvolvimentistas e seguiam alguma orientação keynesiana. Escalados para avaliar um trabalho de um desenvolvimentista com orientação keynesiana. Ricardo Abramovay, embora não seja um liberal puro, sai um pouco da linha dos outros três.
Em sua exposição de 45 minutos, Mercadante defendeu que o governo Lula se diferenciou tanto do velho nacional-desenvolvimentismo de 1930-1980 quanto do neoliberalismo de Collor e Fernando Henrique Cardoso. Os quatro eixos principais do governo Lula teriam sido o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento econômico comandado pelo desenvolvimento social, em que a economia seria puxada por um mercado de consumo de massas; o fortalecimento da democracia; a inserção externa soberana, e a nova política energética (principalmente com a descoberta do pré-sal). Mercadante também discutiu as políticas macroeconômica, científica, ambiental e educacional do governo Lula e ainda falou de prioridades a serem tratadas pelo próximo governo.
Os quatro avaliadores avaliaram positivamente a tese, assim como avaliam positivamente o governo Lula. Apesar disso, os quatro observaram discretamente que o trabalho procurou evidenciar muito mais os aspectos positivos do que os negativos do governo Lula e que exagerou ao ver 2002 como um ano de ruptura, negligenciando o que havia sido feito de continuidade a governos anteriores. Também foi destacada a conjuntura internacional favorável que vigorou até 2008, principalmente por causa do crescimento da China. Mas como a banca era composta por pessoas qualificadas, ninguém falou que tudo de bom que ocorreu no governo Lula foi resultado do governo FHC.
O próprio Mercadante reconheceu que é impossível separar totalmente o histórico militante do PT que ajudou a escrever o programa de governo do Lula desde 1989 e que foi um grande líder do governo no Senado e o acadêmico que vai fazer um trabalho de análise do governo de seu partido.
Como afirmou Delfim Netto, economistas entendem de diferenciar o produto para vendê-lo mais caro. Quase todos fazem isso. Ao comentar a avaliação de Mercadante da política científica e tecnológica do governo Lula, Delfim Netto afirmou que a Embrapa já existia desde 1970 e a Embraer desde 1967. Também afirmou que a despeito do crescimento absoluto das exportações no atual governo, as exportações brasileiras hoje equivalem a 1,3% das exportações mundiais e que isto já ocorria em 1980-1984. Bresser-Pereira lamentou a não continuidade da sua reforma de 1995.
A principal crítica de Delfim Netto à tese de Mercadante foi a de considerar que o desenvolvimento alicerçado no social teria iniciado no governo Lula. Para o ex-ministro, o modelo social teria iniciado com a Constituição de 1988. Bresser-Pereira falou da falta de abordagem teórica da tese. Abramovay reclamou que a tese foi muito pessimista (e às vezes contraditória) em relação às privatizações de FHC e observou que foi negligenciado que não só a esquerda, mas as forças políticas chamadas de neoliberais, também lutaram pela redemocratização do Brasil. João Manuel Cardoso de Mello sugeriu um texto mais curto, abordando menos temas, porém, de uma forma mais aprofundada.
No geral, a apresentação de Mercadante foi muito boa, os comentários da banca também, e o mesmo vale para as réplicas. O único problema a ser mencionado foi o clima de chá de comadres. Discussão com civilidade é muito importante para elevar a qualidade intelectual do país. Porém, fazer enormes elogios ao candidato ou a outros integrantes da banca antes de cada crítica ou manifestação de discordância já vira puxa-saquismo.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
As formas criativas de participação popular online na administração de Hamburgo
Desde meados dos anos 90, algumas cidades da Europa vêm promovendo a participação popular na elaboração do orçamento municipal. Muitas destas cidades se inspiraram no modelo do orçamento participativo de Porto Alegre e adotaram procedimento semelhante. O acréscimo que as cidades européias forneceram foi o uso de tecnologias da informação. Embora exista esta ferramenta nova, ela é, na maioria das cidades, utilizada para atividades tradicionais do ciclo de elaboração do orçamento participativo: coleta de demandas dos cidadãos, discussão destas demandas, votação de uma lista de demandas prioritárias. As cidades que adotam o orçamento participativo online contraram empresas de tecnologia que fornecem uma plataforma eletrônica para as mencionadas atividades.
A cidade de Hamburgo, na Alemanha, fez um programa diferente de participação popular online, o
Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung. Nessa cidade, o foco não é criar uma lista de obras públicas prioritárias. Os participantes debatem formas de alocar os recursos com mais eficiência, evitar gastos desnecessários e investir em projetos que levam retorno econômico à cidade. O programa não ocorre anualmente e não discute o orçamento anual. O objetivo é debater mudanças de longo prazo no perfil do gasto público da cidade.
A criação do Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung teve início em 2005, quando uma comissão composta por legisladores da cidade contratou uma empresa de projetos de participação na Internet. Esta empresa, em parceria com a Universidade Técnica de Hamburgo, criou uma plataforma eletrônica chamada DEMOS.
O primeiro ciclo de participação ocorreu em abril e maio de 2006. Na primeira etapa, os participantes criaram e debateram tópicos em um fórum online disponibilizado no DEMOS. A medida em que assuntos apareciam, eles eram debatidos com mais profundidade em sub-fóruns. Propostas que aparecerm nos sub-fóruns foram sistematizadas em documentos criados em conjunto pelos participantes no DEMOS, através de wikis (o exemplo mais conhecido no mundo de elaboração de textos por wiki é a Wikipedia). Modificações finais nos documentos wiki foram discutidas no fórum principal, ao final da etapa de participação. As discussões online e as sistematizações de sugestões foram auxiliadas por moderadores.
Outra novidade disponibilizada pelo DEMOS foi o "calculador de orçamento". Nele, os participantes podem sugerir modificações de prioridades gasto da administração da cidade por tema (educação, saúde, policiamento, ciência e tecnologia, trânsito, cultura, esportes). Só é possível sugerir aumento no gasto em um tema se sugerir correspondente redução em outros. O calculador indica o quando exato deve ser cortado em saúde, cultura, esportes etc para elevar uma certa quantidade em educação. O objetivo do "calculador de orçamento" é conscientizar os cidadãos de que os recursos são limitados e que, portanto, não é possível ter mais de tudo.
Apesar de inovador, o Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung não foi um sucesso de público. Em 2006, apenas 2870 pessoas participaram. Isto corresponde a 0,16% da população da cidade. Em cidades alemãs que adotam métodos mais simples de orçamento participativo, o total de participantes atinge por volta de 1% do total da população da cidade. Além disso, o perfil dos participantes é diferente do perfil da população da cidade como um todo. Há uma participação desproporcional de homens (85% dos participantes), jovens (76%), com educação superior (75%).
Ao todo, foram criados 1228 tópicos no fórum. Estes tópicos foram sistematizados em 38 sugestões concretas. Cada uma delas recebeu um documento em wiki contendo descrição, formas de implementação, prós e contras, e nome dos autores. Das 38 sugestões, 7 eram relativas a projetos de investimento, 4 eram relativas a criação, aumento e redução de impostos, 5 eram relativas a aumento ou redução do papel do governo local em determinados temas, 15 eram relativas a reduções de custos e 7 eram relativas ao aumento da eficiência na administração. No "calculador de orçamento", a maioria dos participantes sugeriu aumento dos gastos em educação, atendimento às crianças e ciência, e redução dos gastos em policiamento, esportes, cultura, justiça, integração, família, meio ambiente, trânsito e saúde.
A comissão de orçamento da casa legislativa de Hamburgo e os demais integrantes da casa apenas revelaram que tomaram conhecimento das propostas do Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung, mas não houve um compromisso formal em adotá-las. Houve algumas emendas parlamentares baseadas nestas propostas, com menção explícita.
O Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung foi repetido em 2009. Nesse mesmo ano, a cidade de Erfurt, com apoio da universidade local (eu me incluindo), adotou procedimento semelhante. O método de participação foi menos complexo, mas também foi criada uma plataforma de Internet para debate e sistematização de propostas para a administração local.
Mais informações podem ser encontradas em
http://www.buergerhaushalt-hamburg.de/ (Site do programa de orçamento participativo de Hamburgo. Só pode ser lido em Alemão)
http://www.binary-objects.de/ (Site da Binary Objects, empresa que colaborou na criação da plataforma deste e de muitos outros mecanismos de participação online. Tem versão em Inglês)
A cidade de Hamburgo, na Alemanha, fez um programa diferente de participação popular online, o
Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung. Nessa cidade, o foco não é criar uma lista de obras públicas prioritárias. Os participantes debatem formas de alocar os recursos com mais eficiência, evitar gastos desnecessários e investir em projetos que levam retorno econômico à cidade. O programa não ocorre anualmente e não discute o orçamento anual. O objetivo é debater mudanças de longo prazo no perfil do gasto público da cidade.
A criação do Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung teve início em 2005, quando uma comissão composta por legisladores da cidade contratou uma empresa de projetos de participação na Internet. Esta empresa, em parceria com a Universidade Técnica de Hamburgo, criou uma plataforma eletrônica chamada DEMOS.
O primeiro ciclo de participação ocorreu em abril e maio de 2006. Na primeira etapa, os participantes criaram e debateram tópicos em um fórum online disponibilizado no DEMOS. A medida em que assuntos apareciam, eles eram debatidos com mais profundidade em sub-fóruns. Propostas que aparecerm nos sub-fóruns foram sistematizadas em documentos criados em conjunto pelos participantes no DEMOS, através de wikis (o exemplo mais conhecido no mundo de elaboração de textos por wiki é a Wikipedia). Modificações finais nos documentos wiki foram discutidas no fórum principal, ao final da etapa de participação. As discussões online e as sistematizações de sugestões foram auxiliadas por moderadores.
Outra novidade disponibilizada pelo DEMOS foi o "calculador de orçamento". Nele, os participantes podem sugerir modificações de prioridades gasto da administração da cidade por tema (educação, saúde, policiamento, ciência e tecnologia, trânsito, cultura, esportes). Só é possível sugerir aumento no gasto em um tema se sugerir correspondente redução em outros. O calculador indica o quando exato deve ser cortado em saúde, cultura, esportes etc para elevar uma certa quantidade em educação. O objetivo do "calculador de orçamento" é conscientizar os cidadãos de que os recursos são limitados e que, portanto, não é possível ter mais de tudo.
Apesar de inovador, o Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung não foi um sucesso de público. Em 2006, apenas 2870 pessoas participaram. Isto corresponde a 0,16% da população da cidade. Em cidades alemãs que adotam métodos mais simples de orçamento participativo, o total de participantes atinge por volta de 1% do total da população da cidade. Além disso, o perfil dos participantes é diferente do perfil da população da cidade como um todo. Há uma participação desproporcional de homens (85% dos participantes), jovens (76%), com educação superior (75%).
Ao todo, foram criados 1228 tópicos no fórum. Estes tópicos foram sistematizados em 38 sugestões concretas. Cada uma delas recebeu um documento em wiki contendo descrição, formas de implementação, prós e contras, e nome dos autores. Das 38 sugestões, 7 eram relativas a projetos de investimento, 4 eram relativas a criação, aumento e redução de impostos, 5 eram relativas a aumento ou redução do papel do governo local em determinados temas, 15 eram relativas a reduções de custos e 7 eram relativas ao aumento da eficiência na administração. No "calculador de orçamento", a maioria dos participantes sugeriu aumento dos gastos em educação, atendimento às crianças e ciência, e redução dos gastos em policiamento, esportes, cultura, justiça, integração, família, meio ambiente, trânsito e saúde.
A comissão de orçamento da casa legislativa de Hamburgo e os demais integrantes da casa apenas revelaram que tomaram conhecimento das propostas do Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung, mas não houve um compromisso formal em adotá-las. Houve algumas emendas parlamentares baseadas nestas propostas, com menção explícita.
O Bürgerbeteiligung an der Haushaltplannung foi repetido em 2009. Nesse mesmo ano, a cidade de Erfurt, com apoio da universidade local (eu me incluindo), adotou procedimento semelhante. O método de participação foi menos complexo, mas também foi criada uma plataforma de Internet para debate e sistematização de propostas para a administração local.
Mais informações podem ser encontradas em
http://www.buergerhaushalt-hamburg.de/ (Site do programa de orçamento participativo de Hamburgo. Só pode ser lido em Alemão)
http://www.binary-objects.de/ (Site da Binary Objects, empresa que colaborou na criação da plataforma deste e de muitos outros mecanismos de participação online. Tem versão em Inglês)
domingo, 28 de novembro de 2010
Brasil ascendente, Argentina decadente. É mesmo?
Quando a partir de 2003, a Argentina sob o governo Kirschner passou a apresentar taxas de crescimento do PIB nitidamente superiores às do Brasil, os pessimistas em relação à política econômica argentina atribuíram o resultado à simples recuperação da depressão. Passaram-se sete anos e viu-se que a recuperação da depressão não explica tudo. Em 2009, a distância do PIB per capita argentino do PIB per capita brasileiro estava tão grande quanto em 1998, data início da crise argentina que durou até 2002. E para 2010, a Economist prevê que o PIB argentino crescerá 8%, enquanto que o brasileiro crescerá 7,5%.
De 1980 para os dias atuais, houve um leve distanciamento entre os dois países. Em 1980, o PIB per capita brasileiro equivalia a 77% do PIB per capita argentino. Em 2009, esta relação estava em 72,3%.
Relação PIB per capita Brasil / PIB per capita Argentina

Fonte: IMF database
A Argentina teve grande crescimento econômico entre 1880 e 1914. O Brasil teve grande crescimento econômico entre 1930 e 1980, se aproximando da Argentina em PIB per capita nesse período. Esta tendência foi não apenas estancada, como levemente revertida nas três décadas mais recentes.
A realidade mostra um cenário bem diferente de estereótipos como o do Brasil como país do momento e país do futuro e da Argentina como país do passado.
Quando se compara Brasil e Argentina com os Estados Unidos, observa-se outro cenário pouco animador. Somente a partir de 2004 o Brasil começou a reverter o processo de distanciamento do PIB per capita dos Estados Unidos, iniciado em 1980. Ainda assim, a recuperação é lenta. Em 1980, o PIB per capita brasileiro equivalia aproximadamente a 30% do PIB per capita estadunidente. Esta relação chegou a 20% em 2003 e alcançou 23% em 2009.
Relação PIB per capita Brasil / PIB per capita EUA, relação PIB per capita Argentina / PIB per capita EUA

Fonte: IMF database
De 1980 para os dias atuais, houve um leve distanciamento entre os dois países. Em 1980, o PIB per capita brasileiro equivalia a 77% do PIB per capita argentino. Em 2009, esta relação estava em 72,3%.
Relação PIB per capita Brasil / PIB per capita Argentina
Fonte: IMF database
A Argentina teve grande crescimento econômico entre 1880 e 1914. O Brasil teve grande crescimento econômico entre 1930 e 1980, se aproximando da Argentina em PIB per capita nesse período. Esta tendência foi não apenas estancada, como levemente revertida nas três décadas mais recentes.
A realidade mostra um cenário bem diferente de estereótipos como o do Brasil como país do momento e país do futuro e da Argentina como país do passado.
Quando se compara Brasil e Argentina com os Estados Unidos, observa-se outro cenário pouco animador. Somente a partir de 2004 o Brasil começou a reverter o processo de distanciamento do PIB per capita dos Estados Unidos, iniciado em 1980. Ainda assim, a recuperação é lenta. Em 1980, o PIB per capita brasileiro equivalia aproximadamente a 30% do PIB per capita estadunidente. Esta relação chegou a 20% em 2003 e alcançou 23% em 2009.
Relação PIB per capita Brasil / PIB per capita EUA, relação PIB per capita Argentina / PIB per capita EUA
Fonte: IMF database
sábado, 27 de novembro de 2010
O que dividiu o Brasil entre Dilma e Serra?
O Tratado de Tordesilhas!!!

Mapa tirado de http://www.cartacapital.com.br/politica/os-tons-do-azul
O mapa eleitoral brasileiro mostra um fato curioso: a linha que marca a divisão político-partidária do Brasil de 2010 não é muito diferente de uma linha traçada em 1494.
Os estados vermelhos estão quase todos eles na área lusitana desde a origem. Os estados azuis estão na área que deveria pertencer aos espanhóis.
As excessões de um lado foram Amazonas, Pará e Amapá; e de outro foi o Espírito Santo. Mas ao observar a história desses estados, é possível perceber que estas excessões não são tão excepcionais assim. A região do Amazonas atraiu interesse de colonizadores desde os primórdios da chegada dos ibéricos ao continente americano. O Espírito Santo demorou para ser ocupado como um todo porque os índios que lá habitavam não eram dos mais amigáveis.
Em poucas palavras: Dilma venceu nas áreas de colonização precoce e Serra venceu nas áreas de colonização tardia. Se foi apenas coincidência ou se existe alguma relação de causalidade, eu não sei.
Em um post anterior, eu cheguei a afirmar que o mapa eleitoral do Brasil atual é o oposto do mapa eleitoral dos EUA atual. Aqui, o PT vence, em geral, nos estados mais pobres, enquanto que lá, o Partido Democrata vence, em geral, nos estados mais ricos. Mas considerando a história e não a renda dos estados, vê-se que existe um padrão semelhante, e não oposto. Assim como o PSDB vence em estados do Oeste, de colonização mais tardia, o Partido Republicano também vence em estados do Oeste (tirando os litorâneos), onde a ocupação por brancos também demorou mais para acontecer.
Mapa tirado de http://www.cartacapital.com.br/politica/os-tons-do-azul
O mapa eleitoral brasileiro mostra um fato curioso: a linha que marca a divisão político-partidária do Brasil de 2010 não é muito diferente de uma linha traçada em 1494.
Os estados vermelhos estão quase todos eles na área lusitana desde a origem. Os estados azuis estão na área que deveria pertencer aos espanhóis.
As excessões de um lado foram Amazonas, Pará e Amapá; e de outro foi o Espírito Santo. Mas ao observar a história desses estados, é possível perceber que estas excessões não são tão excepcionais assim. A região do Amazonas atraiu interesse de colonizadores desde os primórdios da chegada dos ibéricos ao continente americano. O Espírito Santo demorou para ser ocupado como um todo porque os índios que lá habitavam não eram dos mais amigáveis.
Em poucas palavras: Dilma venceu nas áreas de colonização precoce e Serra venceu nas áreas de colonização tardia. Se foi apenas coincidência ou se existe alguma relação de causalidade, eu não sei.
Em um post anterior, eu cheguei a afirmar que o mapa eleitoral do Brasil atual é o oposto do mapa eleitoral dos EUA atual. Aqui, o PT vence, em geral, nos estados mais pobres, enquanto que lá, o Partido Democrata vence, em geral, nos estados mais ricos. Mas considerando a história e não a renda dos estados, vê-se que existe um padrão semelhante, e não oposto. Assim como o PSDB vence em estados do Oeste, de colonização mais tardia, o Partido Republicano também vence em estados do Oeste (tirando os litorâneos), onde a ocupação por brancos também demorou mais para acontecer.
sábado, 20 de novembro de 2010
A triste romantização do monoglotismo feita por Lula
Não tenho o hábito de ver coisas erradas em discursos do Lula e considero anedóticos os mimimis feitos pelos de sempre contra o uso de expressões coloquiais e contra as "críticas à mídia".
Mas um discurso, em particular, foi um péssimo exemplo para um país que quer se tornar desenvolvido.
http://www.youtube.com/watch?v=keyVjdMFJec
Neste discurso que era para ser supostamente contra o preconceito, Lula berrou as seguintes palavras a partir do 1:20.
"Uma vez eu estava almoçando na Folha de S. Paulo, um diretor da Folha de S. Paulo perguntou pra mim escuta aqui ô candidato, o senhor fala Inglês? eu falei não, como é que você quer governar o Brasil se você não fala Inglês?, eu vou arrumar um tradutor, mas assim não é possível, o Brasil tem que ter um presidente que fala Inglês, aí eu perguntei pra ele alguém perguntou se o Bill Clinton fala Português?, não, mas eles achavam que o Bill Clinton não tinha obrigação de falar Português, era eu, o subalterno, do país colonizado, que tinha que falar Inglês"
Em primeiro lugar, não tem nada de errado um presidente não falar idiomas estrangeiros. Mesmo os presidentes que falam idiomas estrangeiros utilizam intérpretes no ofício.
Mas não há problema algum em achar que Lula, como um cidadão, e não como presidente, devesse falar Inglês, assim como os demais cidadãos brasileiros. O aprendizado de idiomas estrangeiros facilita a circulação de informação, conhecimento e idéias, contribuindo para o desenvolvimento econômico, social e cultural. Dialogando com outros povos, é possível conhecer e compreender outras formas de pensar, e por isso, o aprendizado de idiomas estrangeiros está muito mais vinculado ao combate do que ao fomento de preconceitos.
Infelizmente, vivemos em um país onde não apenas grande parte da população pobre, que estudou em escola pública de baixa qualidade (o que já é um problema grave), não fala o idioma de Shakespeare. Há muitos monoglotas de classe média com diploma de bacharelado.
A comparação o presidente do Brasil falar Inglês/o presidente dos EUA falar Português foi improcedente. Há, no planeta em que vivemos, chefes de Estado de 200 países. Muitos destes chefes falam Inglês. Seria difícil esperar que para compensar, o presidente dos EUA falasse cada um dos idiomas maternos dos chefes de Estado que falam Inglês.
Um exemplo interessante é o do ex-presidente da Rússia Vladmir Putin. Ele falava Inglês e não tinha interesse em saber se o Bush falava Russo. Nas mesas de negociação, Putin levava vantagem. Ele entendia o que Bush falava em Inglês, e aproveitava para raciocinar a resposta no tempo em que o intérprete traduzia para o Russo. Bush, que não falava Russo, tinha que prestar atenção para o intérprete. Putin podia ter muitos defeitos, mas não era colonizado nem líder de país subalterno.
Dizem que na China, outro país nem um pouco colonizado e subalterno, quando um ocidental é visto andando pelas ruas, as mães chinesas olham para suas crianças e falam "aproveita essa pessoa para praticar o Inglês que você está aprendendo na escola".
Mesmo os franceses, que em outros tempos eram hostis ao idioma do outro lado do canal, estão percebendo o tamanho da tolice. Os jovens falam Inglês com menos objeção. Ah sim, quem vai para a França para trabalhar ou estudar, mesmo que o trabalho ou o estudo sejam em Inglês, deve aprender um pouco de Francês anteriormente, para o dia a dia, e o turista que não fala Francês deve consultar o básico em guias turísticos, porque abordar um local, em seu próprio país, em outro idioma, não é uma atitude muito polida. O mesmo vale para qualquer país. Isso tudo, porém, mostra não que não é importante falar Inglês, mas sim que é muito bom aprender um segundo idioma estrangeiro.
Quem não gosta de idioma de outro país é a direita, principalmente aquela que fomenta o preconceito. O NPD da Alemanha defende o fim das aulas de Inglês para crianças no Jardim da Infância. O candidato democrata a presidente dos EUA em 2004 John Kerry tinha vergonha de assumir em público que falava Francês, porque os republicanos estavam em forte campanha anti-França.
Mas um discurso, em particular, foi um péssimo exemplo para um país que quer se tornar desenvolvido.
http://www.youtube.com/watch?v=keyVjdMFJec
Neste discurso que era para ser supostamente contra o preconceito, Lula berrou as seguintes palavras a partir do 1:20.
"Uma vez eu estava almoçando na Folha de S. Paulo, um diretor da Folha de S. Paulo perguntou pra mim escuta aqui ô candidato, o senhor fala Inglês? eu falei não, como é que você quer governar o Brasil se você não fala Inglês?, eu vou arrumar um tradutor, mas assim não é possível, o Brasil tem que ter um presidente que fala Inglês, aí eu perguntei pra ele alguém perguntou se o Bill Clinton fala Português?, não, mas eles achavam que o Bill Clinton não tinha obrigação de falar Português, era eu, o subalterno, do país colonizado, que tinha que falar Inglês"
Em primeiro lugar, não tem nada de errado um presidente não falar idiomas estrangeiros. Mesmo os presidentes que falam idiomas estrangeiros utilizam intérpretes no ofício.
Mas não há problema algum em achar que Lula, como um cidadão, e não como presidente, devesse falar Inglês, assim como os demais cidadãos brasileiros. O aprendizado de idiomas estrangeiros facilita a circulação de informação, conhecimento e idéias, contribuindo para o desenvolvimento econômico, social e cultural. Dialogando com outros povos, é possível conhecer e compreender outras formas de pensar, e por isso, o aprendizado de idiomas estrangeiros está muito mais vinculado ao combate do que ao fomento de preconceitos.
Infelizmente, vivemos em um país onde não apenas grande parte da população pobre, que estudou em escola pública de baixa qualidade (o que já é um problema grave), não fala o idioma de Shakespeare. Há muitos monoglotas de classe média com diploma de bacharelado.
A comparação o presidente do Brasil falar Inglês/o presidente dos EUA falar Português foi improcedente. Há, no planeta em que vivemos, chefes de Estado de 200 países. Muitos destes chefes falam Inglês. Seria difícil esperar que para compensar, o presidente dos EUA falasse cada um dos idiomas maternos dos chefes de Estado que falam Inglês.
Um exemplo interessante é o do ex-presidente da Rússia Vladmir Putin. Ele falava Inglês e não tinha interesse em saber se o Bush falava Russo. Nas mesas de negociação, Putin levava vantagem. Ele entendia o que Bush falava em Inglês, e aproveitava para raciocinar a resposta no tempo em que o intérprete traduzia para o Russo. Bush, que não falava Russo, tinha que prestar atenção para o intérprete. Putin podia ter muitos defeitos, mas não era colonizado nem líder de país subalterno.
Dizem que na China, outro país nem um pouco colonizado e subalterno, quando um ocidental é visto andando pelas ruas, as mães chinesas olham para suas crianças e falam "aproveita essa pessoa para praticar o Inglês que você está aprendendo na escola".
Mesmo os franceses, que em outros tempos eram hostis ao idioma do outro lado do canal, estão percebendo o tamanho da tolice. Os jovens falam Inglês com menos objeção. Ah sim, quem vai para a França para trabalhar ou estudar, mesmo que o trabalho ou o estudo sejam em Inglês, deve aprender um pouco de Francês anteriormente, para o dia a dia, e o turista que não fala Francês deve consultar o básico em guias turísticos, porque abordar um local, em seu próprio país, em outro idioma, não é uma atitude muito polida. O mesmo vale para qualquer país. Isso tudo, porém, mostra não que não é importante falar Inglês, mas sim que é muito bom aprender um segundo idioma estrangeiro.
Quem não gosta de idioma de outro país é a direita, principalmente aquela que fomenta o preconceito. O NPD da Alemanha defende o fim das aulas de Inglês para crianças no Jardim da Infância. O candidato democrata a presidente dos EUA em 2004 John Kerry tinha vergonha de assumir em público que falava Francês, porque os republicanos estavam em forte campanha anti-França.
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