Li textos de pessoas de esquerda dizendo que gritar "Fora Dilma" era ser golpista e antidemocrático. Como assim? Pessoas de esquerda já gritaram Fora Sarney, Fora Collor, Fora Itamar, Fora FHC. O PT oficialmente só apoiou o Fora Collor mas esquerda não se resume a PT. Dissidência do PT gritou Fora Itamar (foi o motivo da dissidência) e satélites do PT gritaram Fora FHC.
Esquerdistas já gritaram Fora para muitos governadores e prefeitos conservadores, e há não muito tempo. Teve Fora Alckmin e Fora Cabral em 2013, Fora Beto Richa em 2015. A esquerda já comemorou a queda mais ou menos recente de muitos presidentes latino-americanos eleitos, como os da Argentina, Equador e Bolívia. Lembro-me de que em 2001 e 2002, revistas de esquerda falavam do "bravo povo argentino", que tinha derrubado De la Rua e seu vice. O presidente do Equador, que em 2005 teve sua queda comemorada pela esquerda, tinha sido eleito em 2002 como um candidato de esquerda. Também teve Fora Feliciano e Fora Cunha.
Aí eu pergunto: desde quando a esquerda considera que a vontade popular só pode ser expressa uma vez a cada quatro anos?
Expressar o desejo de que um mandato seja abreviado não é antidemocrático, isso faz parte da democracia. Se um governante vê que o povo inteiro quer que ele peça pra ir pro banheiro, fazer isso de fato é uma reação natural. Pedir renúncia é um ato bastante democrático.
Alguém poderia contra-argumentar dizendo "larga de frescura, política é assim mesmo, é dois pesos duas medidas mesmo". Já vi uma pessoa dizendo isso em um fórum de discussão virtual, em que ele explicava porque ele defendia os palestinos, mas não os kossovares nem os tibetanos. Aí eu respondo dizendo que quem entra muito no dois pesos duas medidas vai ser visto tanto como ridículo que não vai ser mais nem mesmo ser ouvido por pessoas não comprometidas com panelinhas políticas, ou seja, as pessoas que estamos disputando para formar opinião.
Agora, quando não se trata do povo comum, mas sim de políticos profissionais e juristas encontrando pelo em casca de ovo para tentar conseguir um impeachment, aí já é possível ver golpismo nisso aí. O impeachment é um instrumento previsto pela Constituição para afastar e julgar políticos que cometem crimes de responsabilidade durante a vigência de seu mandato. Como houve mobilização por impeachment antes do mandato ter começado, já se demonstra um mal uso do instrumento. Às vezes isso é descarado. Alberto Goldman, um quadro do PSDB, chegou a escrever implicitamente que a eleição de Dilma valia menos porque seus eleitores eram piores, ou seja, mais pobres. Outros defensores do impeachment usam a situação ruim da economia como argumento, ou seja, defendem abertamente que o impeachment seja usado como um voto de desconfiança do parlamentarismo, algo que nossa constituição presidencialista não permite. Ter perdido de forma esmagadora entre eleitores de classe média, ter feito decisões equivocadas na condução da política econômica e pertencer ao mesmo partido que envolvidos em escândalo de corrupção não são motivos para impeachment. Usar o instrumento para esses motivos é golpismo sim.
As pedaladas fiscais poderiam ser um pretexto legal. Mas é mais ou menos como se na vizinhança houvesse um cara que mesmo tendo amigos bem tranqueiras, nunca participou dos malfeitos junto com os amigos, embora alguns vizinhos tenham raiva desse cara por causa dos amigos safados. Aí um dia alguém filma esse cara dando um cálice de vinho para seu filho de 15 anos de idade, algo que muitos pais honestos fazem. Os vizinhos usam isso como pretexto, mas não como o verdadeiro motivo, para mandar o cara para a prisão.
A insatisfação contra a administração Dilma atinge todas as classes sociais, quem não votou e até quem votou nela. Mas os atos dos dias 15/03 e 12/04, embora numerosos em muitas cidades, só tinham gente que não votou nela. Tirando o de São Paulo, quase que só tinha gente da classe média pra cima. Aí não dá para falar que esses atos eram representativos da sociedade brasileira como um todo. Mesmo numerosos, eram representativos apenas de um determinado setor da sociedade brasileira, que ficou indignado com o resultado da eleição. A partir do dia em que até quem votou nela manifestar abertamente o desejo de que a Dilma vá embora, ela provavelmente considerará a possibilidade de renunciar.
Eu votei nela no segundo turno, que é o momento do veto, e não do voto. Se eu for pesquisado sobre se o governo dela é ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo, eu responderei ruim. Mas sou a favor de que ela continue até 31 de dezembro de 2018.
Agora, mesmo discordando de quem grita "Fora Dilma", eu acho completamente equivocado achar que isso é ser golpista ou antidemocrático.
Uma opção mais legalista do que impeachment para quem quer abreviar o mandato da Dilma seria fazer uma emenda constitucional permitindo um plebiscito popular para recall do mandato presidencial, convocado em caso de coleta de um determinado número de assinaturas.
sexta-feira, 17 de julho de 2015
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