Achava que tudo o que vou escrever aqui era óbvio, mas depois de ter visto neste ano tantas pessoas de capacidade intelectual limitada protestando "contra o comunismo no Brasil", nas ruas e na Internet, considerei adequado tocar no tema.
Falar que tem comunismo no Brasil é uma imbecilidade gigantesca porque regimes comunistas são tão diferentes de governos de centro esquerda de países capitalistas quanto a água é do vinho.
Por regime comunista, entende-se hoje apenas o de Cuba e da Coreia do Norte (há controvérsias quanto este), e até 1989, o da União Soviética, o dos países da Europa Central e Oriental, o da China (até 1978) e alguns outros.
Por governo de centro esquerda de países capitalistas, entende-se existem quando estão no poder o Partido Social Democrata (SPD) da Alemanha, o Partido Democrático da Itália, o Partido Socialista da França, o Partido Trabalhista britânico, o Partido Socialista Operário Espanhol, o Partido Democrata dos Estados Unidos (esse um pouco questionável) e o Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil.
Diferença mais básica: como nos países comunistas quem controla a economia é o Estado, que se confunde com o governo e com o partido, quem tem poder político também tem poder econômico. No caso dos governos de centro esquerda de países capitalistas, os partidos líderes, normalmente, têm relação pacífica com quem tem o poder econômico, que é privado, mas ainda assim não são os partidos favoritos do poder econômico. Enfrentam uma pequena oposição de extrema-esquerda, totalmente desvinculada do poder econômico, mas enfrentam também uma grande oposição de centro-direita, esta sim, o grupo político mais aliado do poder econômico. O regime comunista é o establishment do país comunista. Poder político e econômico estão unidos, polícias e forças armadas reprimem quem é contra o regime. Nos países capitalistas com governo de centro esquerda, não é bem definido quem é o establishment, uma vez que quem tem o poder econômico é aliado de quem faz oposição a quem tem temporariamente o poder político. Simpatizantes do partido do governo correm o risco de levar porrada da polícia em uma greve contra empregador privado, em uma passeata contra líderes direitistas nos poderes legislativo e judiciário e em uma passeata contra governos subnacionais de direita. Polícias e forças armadas estão mais identificadas com quem tem o poder econômico do que com quem tem temporariamente o poder político.
Por causa disso, há algumas semelhanças entre regimes comunistas e governos de direita de países capitalistas, estes sim, que unem poder político e econômico. Entre essas semelhanças, podem ser listados o ódio contra sindicatos livres e contra greves, a defesa de uma política linha dura de segurança pública, a exaltação do patriotismo e a manutenção de um sistema educacional careta. Há algumas semelhanças entre regimes comunistas e governos de centro esquerda de países capitalistas. Ambos defendem grande investimento em educação, saúde pública, previdência, e a tentativa de fazer uma sociedade com pouco desnível da distribuição pessoal de renda. Mas as diferenças são maiores.
Em regimes comunistas, o Estado detém a grande maioria dos meios de produção e planifica centralmente a economia. Não vê problemas em comprimir os salários ao máximo, para aumentar mais a produção de bens de investimento do que de bens de consumo. O papel do Estado nos países capitalistas com governo de centro esquerda é redistribuir renda e manter uma grande rede de proteção social, mas não é deter os meios de produção nem planejar centralmente a economia. Há planejamento estatal em países capitalistas, mas isto ocorreu principalmente em ditaduras militares de direita, como no Brasil e na Coreia do Sul. Há uma propensão levemente maior de partidos de centro esquerda do que de partidos de centro direita em manter empresas públicas. Mas isto depende mais de ondas do que de ideologia de governos. Houve uma onda de estatização em países capitalistas no imediato pós segunda guerra mundial, e até os partidos de centro-direita aceitaram. Houve uma onda de privatização nas décadas de 1980 e 1990, e até os partidos de centro-esquerda aceitaram.
Em países com regimes comunistas, há inicialmente um elevado crescimento do produto. Isto ocorre como resultado do esforço de comprimir os salários, e consequentemente, a produção de bens de consumo, e aumentar a produção de bens de investimento, aumentando o estoque de capital. Este crescimento tem limite quando o simples aumento do estoque de capital perde o poder de aumentar o produto, cujo crescimento passa a depender apenas do progresso técnico. E as economias centralmente planificadas geram pouco incentivo para o progresso técnico (com exceção do militar e alguns notáveis exemplos, como o da medicina em Cuba). Já os países capitalistas com governos de centro esquerda não têm elevadas taxas de crescimento do produto por outro motivo: o estoque de capital não aumenta com facilidade, porque a prioridade desses governos não é o puro e simples crescimento. Esses governos muitas vezes atuam para aumentar a participação dos salários na renda nacional, e isto acaba incentivando maior produção de bens de consumo e menos de bens de investimento.
O Chile de 1970-1973 e a Venezuela desde 1999 são os poucos exemplos de híbrido entre o regime comunista e o governo de centro esquerda de país capitalista.
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