Bill Clinton resumiu muito bem o fator mais determinante de uma eleição: "é a economia, estúpido". São raros os casos em que o resultado de uma eleição não é compatível com a economia. Em geral, quando a economia está bem, a maioria vota na situação. Quando a economia está mal, a maioria vota na oposição.
Em 2014, a economia já não estava bem. Além do mais, havia a imagem ruim ao governo causada pelo escândalo de corrupção da Petrobras. Não era muito difícil uma candidatura de oposição sair vitoriosa do pleito presidencial. Mas também não era uma tarefa elementar. Para sair vitoriosa, a campanha de oposição teria necessariamente de dizer algo para aqueles que só deixariam de votar na situação por causa da situação do país, mas não por alinhamento ideológico com a candidatura de oposição.
Não foi isso que ocorreu. Aécio Neves fez uma campanha voltada exclusivamente para quem já iria votar nele de qualquer maneira. E sinalizou dessa forma que faria um governo voltado exclusivamente para quem já iria votar nele de qualquer maneira. Seus programas de televisão foram completamente inúteis, pois quem votou nele não precisaria tê-los visto para decidir o voto.
Bem diferente do que fez Lula em 2002. O segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso teve duas crises cambiais, crise energética, baixo crescimento do PIB, aumento explosivo da criminalidade e escândalo da privatização do sistema Telebrás, revelado por gravações. Ainda assim, a vitória de uma candidatura de oposição não seria automática. Muitos, mesmo insatisfeitos com Fernando Henrique, ainda pensavam que o PT era radical e tinham objeções à falta de formação acadêmica de Lula. O PT contratou Duda Mendonça para fazer uma campanha voltada especialmente para quem nunca havia votado no Lula. E os resultado, nós conhecemos: 61,3% dos votos válidos no segundo turno.
Aécio, por sua vez, apenas reforçou as convicções de quem já fazia parte de sua base de apoio. Isso foi útil para que sua base ficasse cada vez mais raivosa com inimigos, chegando até mesmo a agressões físicas contra militantes do PT. Mas não foi útil para ganhar a eleição.
A campanha de Aécio falou exaustivamente sobre corrupção. Falou que tinha que "libertar o Brasil do PT", como se o PT tivesse no Planalto na base da força. Falou que a solução para a corrupção era "tirar o PT da presidência", como se seu partido também não tivesse escândalos. O fato é que embora o escândalo da Petrobrás tenha contribuído para aumentar ainda mais o desgaste do PT, somente quem já tem convicção em votar contra o PT considera corrupção um problema exclusivo do PT. O eleitor indeciso considera a corrupção como um problema generalizado da política brasileira. Conquistar esse indeciso envolve necessariamente falar de outros assuntos. Para piorar, Fernando Henrique Cardoso e Alberto Goldman atacaram os eleitores pobres e "desinformados" do PT, dificultando ainda mais a tarefa de conquista-los.
A matemática é muito simples. Lula teve 60,8% dos votos válidos em 2006. Dilma teve 56% dos votos válidos em 2010. Ou seja, qualquer um que quisesse ter no mínimo 50,1% dos votos válidos teria necessariamente de ter votos de quem votou no Lula em 2006 e na Dilma em 2010. Ter votos de quem votou no Lula em 2002 é moleza, Aécio teve muitos deles. Mas, conforme demonstrado, para vencer, era necessário também ter votos de quem votou no Lula em 2006 e na Dilma em 2010. E 2006 e 2010 já fazem parte do período pós-mensalão. Em poucas palavras: qualquer um que quiser ocupar o Palácio do Planalto tem que ter votos de quem já votou no Lula e na Dilma mesmo depois do mensalão. Gostando ou não, ter algo a dizer para essas pessoas é necessário. Falar que "tem que libertar o Brasil do PT", que "é necessário tirar o PT" e que "os eleitores do PT são uns pobres desinformados" não ajuda.
A campanha de Aécio, assim como a campanha de qualquer candidato competitivo, tinha profissionais do marketing político. Não é possível que ninguém tenha prestado atenção ao óbvio uLULAnte.
Por isso, acredito que o Aécio e seu partido não quiseram ganhar a eleição presidencial. Muito provavelmente porque eles não quiseram ter o desgaste de dar o pontapé inicial no ajuste. A economia em 2014 já estava ruim, mas inflação estava abaixo do teto da meta e o crescimento do PIB estava em zero. A inflação só disparou em 2015, quando foram descomprimidos o câmbio, o preço interno dos combustíveis e o preço da energia elétrica (medidas necessárias). O crescimento do PIB só se tornou negativo em 2015, quando começaram as políticas fiscal e monetária contracionistas para segurar essa inflação, que foi resultado da descompressão dos preços. Aécio provavelmente não quis ter o ônus de fazer isso.
Se o PSDB não quis ganhar em 2014, parece que também não quer esperar 2018. Até lá, serão inauguradas a usina de Jirau, a ferrovia Norte-Sul, a ferrovia Transnordestina e a transposição do São Francisco. Depois dos ajustes, a economia pode voltar a crescer em 2018 (vai demorar muito para o Brasil entrar de novo em rota de crescimento acelerado, mas como o Brasil tem potencial para crescer em média 2,5% ao ano e depois de alguns anos de zero, é possível dar um repique de 5% em 2018). Sendo assim, vencer em 2018 não seria uma tarefa tão elementar quanto atualmente se espera. Portanto, é possível que o PSDB já tenha contado com a possibilidade de perder em outubro de 2014, contar uma cassação dupla de Dilma Rousseff e Michel Temer e ganhar a eleição tapa buraco, que seria bem mais fácil (só tomar cuidado porque quem assumiria de forma interina seria Eduardo Cunha e vai que ele resolve mudar a Constituição para permanecer até o fim?).
E um comentário adicional precisa ser feito em relação não apenas ao Aécio e ao PSDB, mas aos setores da sociedade que os apoia. Se Marina Silva tivesse ido ao segundo turno, quase que certamente ela teria vencido a Dilma. Ou seja, acabar com o período de domínio do PT do Palácio do Planalto estava fácil. Mas parece que os setores conservadores da sociedade consideraram que tinha que ser o Aécio mesmo, ou caso contrário, perder.
Resumindo: como dá muito trabalho entrar no Palácio do Planalto pela porta da frente, o PSDB preferiu tentar forçar a entrada no Palácio do Planalto pela porta dos fundos. Peço desculpas ao excelente Gregório Duvivier por usar indevidamente o nome do seu programa.
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