O Orkut foi criado em janeiro de 2004. Já em junho daquele ano foi criada a comunidade "Eu odeio Olavo de Carvalho", com a tradicional figura do coelho comendo a galinha no mau sentido. Olavo de Carvalho já era conhecido naquele tempo por ter colunas no Globo, na Época. Seu rebanho ainda não tinha dominado a imprensa brasileira, mas suas bizarrices já eram conhecidas. Por isso, a comunidade cresceu rapidamente em número de membros. Pelo que eu lembro, chegou a ter em torno de 500 já no final de 2004, com aproximadamente 30 que habitualmente postavam e comentavam. Eu entrei na comunidade em seu primeiro mês de existência.
Não demorou muito para percebermos que ninguém lá odiava o Olavo de Carvalho, e sim achava-o engraçado. E o Orkut já estava infestado de comunidades "Eu odeio _____", com o _____ podendo ser bandas, celebridades, clubes esportivos. Essas comunidades "Eu odeio ____" eram as mais chatas do Orkut. Por isso, ainda em 2004, o nome foi mudado para "Olavo de Carvalho nos Odeia".
No início, os tópicos da comunidade eram quase todos feitos para esculachar os textos do Olavo de Carvalho. Havia pessoas de diferentes áreas de formação, que reconheciam facilmente quando o "filósofo" escrevia alguma groselha sobre sua área de formação. À medida que a comunidade crescia, tornavam-se mais frequentes tópicos sobre colunistas de direita em geral, política (muita política), artes, esportes. Sempre havia pessoas com muita cultural geral para discutir esses assuntos. A Olavo de Carvalho nos Odeia tornou-se um lugar divertido para debater qualquer tema.
Como Olavo de Carvalho é um ícone da direita, é óbvio que a esmagadora maioria dos odiados pelo Olavo eram de esquerda. Mas nem por isso a comunidade se tornou um "PT nos ama", "PCdoB nos ama", "PSOL nos ama". Não havia uma tendência dominante. A comunidade reunia diversas tendências de esquerda. Tinha marxistas-leninistas chamados de stalinistas pelos trotskistas, tinha marxistas-leninistas chamados de trotskistas pelos stalinistas, tinha anarquistas, tinha social-democratas, tinha também aqueles que eram simplesmente progressistas genéricos (ou líberual no sentido norte-americano). Tinha até mesmo não esquerdistas, mas opositores do conservadorismo olaviano. Nestes, incluem-se libertarians e seu extremo oposto, que é a Terceira Posição nacional bolchevique pan eurasianista. Briguinhas entre PT e PSOL sempre existiram, com um ou outro excesso, mas habitualmente havia um clima de respeito mútuo.
A Olavo de Carvalho nos Odeia, no tempo de Orkut, pegou duas eleições presidenciais brasileiras (2006 e 2010) e duas eleições presidenciais norte-americanas (2004 e 2008). Durante as eleições presidenciais norte-americanas, havia a divisão entre os que torciam para os democratas e os que achavam que era tudo a mesma bosta. Durante as eleições presidenciais brasileiras, tinha a turma do PT, a turma do PSOL no primeiro turno PT no segundo, e a turma do nulo no segundo. Mesmo no tempo em que a comunidade era boa, o período de eleições brasileiras sempre foi o mais chato, cheio de mimimi. Sempre tinha os petistas de cartilha que faziam birrinha contra o PSOL colocando a culpa no partido do 50 pelo fato de Lula/Dilma não terem vencido direto no primeiro turno. Uma grande burrice, uma vez que durante o segundo turno, tem que buscar ser aliado do PSOL e não praticar insultos. Mas passada a eleição, a chatice passava.
Outro fato interessante na história da comunidade nos tempos de Orkut eram as visitas ilustres. Rodrigo Constantino chegou a postar lá. Iniciou um tópico dizendo que "Hitler era keynesiano". Este tópico foi de pura estupidez, mas em outros, ele parecia estar querendo fisgar pessoas para sua ideologia. Foi durante o tempo em que ele estava brigado com seu mestre, que queria parecer libertário e que falava mal não só da esquerda, como também de direitistas tradicionais. Se tentou fisgar pessoas lá, saiu de mãos abanando.
A decadência da Olavo de Carvalho começou quando o Orkut foi gradualmente perdendo membros, que migravam para o Facebook. Chegou um determinado momento que a própria comunidade teve que migrar para o Facebook. O período de coexistência da comunidade no Orkut e no Facebook foi curto. Essa transição ocorreu entre 2010 e 2012. Não sei por qual motivo, quando a comunidade migrou para o Facebook, perdeu completamente o sentido original. Tornou-se predominante um grupo de fundamentalistas favoráveis ao PT e ao PCdoB que respondiam não com argumentação, mas com insultos àqueles que divergiam do governismo. Houve uma espiral, em que cada vez mais que havia tópicos governistas, mais pessoas que não gostavam do que estavam vendo saiam, e mais a comunidade ficava somente cheia de tópicos governistas. Apesar do nome "Olavo de Carvalho nos Odeia", parecia que a comunidade tinha se tornado uma "Dilma nos ama".
Ser favorável ao PT ou ao PCdoB não é um defeito em si. Muitos fazem isso com argumentos respeitáveis. O problema é que os remanescentes na Olavo de Carvalho nos Odeia do Facebook têm uma visão binária de que todo mundo que é de esquerda mas não é governista é trosko, palavra que é um apelido pejorativo para trotskista. O problema é que nem todo mundo que é de esquerda mas está insatisfeito com o governo Dilma é trotskista.
Falando de forma simplificada, há quatro tipos possíveis de esquerda no Brasil. Um é de social democratas que apoiam as políticas do PT e não defendem o governo de Cuba. Outro é de social democratas que romperam com o PT por causa de corrupção, erros na administração, e não defendem nem o governo do Brasil, nem o de Cuba. Outro é de marxistas leninistas que rejeitam o caminho social democrata do PT, e defendem o regime de Cuba. Pra mim, são os três tipos respeitáveis de esquerda. O que predomina na Olavo de Carvalho nos Odeia do Facebook é um quarto tipo, bizarro. O que se diz marxista leninista ortodoxo e defende o governo do PT, dizendo que o PT é marxista leninista ortodoxo e só faz um governo centrista porque a "correlação de forças" não permite avançar para a esquerda. A decorrência disso é que todo mundo que é de esquerda e fala mal do governo do Brasil e de Cuba é "trosko". Esses marxistas leninistas ortodoxos petistas pecedobistas são tão bizarros que conseguem ser mais realistas do que o rei para defender o realpolitik. Chegaram a dizer que o PT deveria apoiar a candidatura de Skaf em São Paulo em 2014 para tentar conseguir um apoio do PMDB a candidatura de Lindberg (desconhecimento completo da política fluminense). Alguns chegaram a defender que era melhor votar em Skaf, e não em Padilha, porque o homem da Fiesp tinha mais chance de derrotar Alckmin em um eventual segundo turno.
Para piorar, a quase totalidade destes marxistas leninistas ortodoxos petistas pecedobistas é composta por seres humanos com dois testículos. Um destes marxistas leninistas ortodoxos petistas pecedobistas, o pior de todos, se considera o defensor dos pobres e diz que o movimento feminista, se não for classista, é liberal pequeno burguês individualista elitista útil ao imperialismo. Tópicos depreciando feministas são recorrentes. Outro membro chegou a postar um tópico misógino contra a Sininho porque ela cometeu um "crime": participa de movimento social não subordinado ao PT/PCdoB.
Esses supostos defensores do PT fazem um insulto à história do partido, que nasceu defendendo o Solidariedade, criticando os regimes de partido único do Leste Europeu, introduzindo na esquerda brasileira pautas pós-1968, como feminismo, LGBT, ambientalismo. Os que dizem hoje que o PSOL, o PSTU e o PCB dividem a esquerda, que deveria se unir toda em torno do PT, diram nos anos 1980 que o PT divide a esquerda, que deveria se unir em torno do PMDB.
Irritados com o ultra governismo da Olavo de Carvalho nos Odeia, alguns ex-membros criaram a José Dirceu nos Odeia, que apesar da diferença de opinião política, acabou sendo tão raivosa quanto a "nave mãe". Ao invés do ultragovernismo, o ultraesquerdismo. Partem do pressuposto que governos podem eliminar a maldade no mundo por decreto, e só não fazem isso porque são maus.
Mas felizmente nem tudo está perdido. No início deste ano foi criada outra dissidência da Olavo de Carvalho nos Odeia que recebeu o nome irônico de "Isso aqui não é uma democracia". Esta sim, é uma comunidade do Facebook que resgata o espírito da "Olavo de Carvalho nos Odeia" dos tempos de Orkut. Um encontro pacífico entre diversas tendências de esquerda.
domingo, 16 de agosto de 2015
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