Como eu sou homem branco hétero, se eu me propus a escrever um texto sobre esse tema, é sinal de que eu não defendo a posição mais extremista de que "a opinião não vale". Mas também não defendo o outro extremo de que esses questionamentos são uma merda e a gente tem que ignorar. Não sou moderate hero profissional, não é só porque há duas opiniões extremas sobre determinado assunto que eu tenho que concordar sempre com o meio, mas neste assunto, eu concordo com o meio mesmo.
Essa ideia de que a opinião de quem não faz parte do grupo oprimido sobre questões relativas ao grupo oprimido não vale não veio de graça. Quem não pertence ao grupo oprimido pode até ser bem intencionado, mas cresce viciado involuntariamente em pensar como o dominante, muitas vezes como o dominante benevolente, e saber se colocar no lugar do oprimido, que é um longo aprendizado. Somos viciados em ouvir opiniões de homens brancos héteros sobre sexismo, racismo e homofobia. E quantos de nós nunca dissemos "sexismo, racismo e homofobia são coisas do passado" sem nunca ter perguntado para uma mulher, uma negra (por que eu teria que escrever um negro?), um gay, uma lésbica ou um transexual, ou seja, pessoas diretamente atingidas, se é isso mesmo? Escutar faz bem. Quando algum branco diz "no Brasil não existe mais racismo", devemos perguntar a ele "mas você perguntou aos negros com quem convive diariamente se é isso mesmo?", aí se ele responder "é que não há negros na minha vizinhança, no meu clube e no meu trabalho", a tréplica só pode ser "hmmmm".
Portanto, essa ideia de que opinião de quem não pertence ao grupo oprimido não vale é um grito de "ei, nos ouça!". Considero isso válido na maioria das vezes. Concordo que nós, homens, não temos qualificação para definir se o movimento feminista deve ser classista ou não, se a melhor onda do feminismo é a primeira, a segunda ou a terceira, se é melhor o feminismo radical, o liberal ou o socialista ou se as feministas devem aceitar que trans feminina é mulher ou não.
Agora, é aí que não aceito o extremo oposto, esta regra não pode ser absoluta. Sentir na pele não torna uma pessoa infalível em qualquer argumento. Se um discurso feminista se torna misândrico, é óbvio que os homens têm competência para discordar, até porque misandria não trata de mulher, e sim de homem, e como homem entende de homem, opinião de homem sobre misandria (de preferência negativa) é válida. O mesmo ocorre quando um discurso pró negros se torna brancofóbico. Ou quando pró LGBTT vira heterofóbico (embora essa última situação eu nunca tenha visto na prática).
Se a regra de que quem sente na pele está sempre certo for levada ao extremo, não poderíamos falar mal de uma ex-vítima de bullying na escola que resolveu se vingar eliminando fisicamente os praticantes do bullying e seus amigos porque nós nunca sentimos na pela a experiência de sofrer bullying.
A tentativa de transformar em princípio absoluto o de que "a opinião de quem não pertence ao grupo oprimido não vale" muito provavelmente não vai pegar no Brasil por uma simples questão de números. Os negros são aproximadamente metade da população brasileira. As mulheres são aproximadamente metade da população brasileira. Portanto, as mulheres negras são aproximadamente um quarto da população brasileira. Como estima-se que os homossexuais correspondam a 5% da população, provavelmente é próxima de 1,25% a participação das mulheres negras lésbicas no conjunto da população brasileira. Ou seja, 98,75% da população brasileira pertence a pelo menos um grupo opressor. E muitos desses aí não vão concordar com a ideia de "cala a boca que sua opinião não conta". Uma mulher branca que seja militante feminista que defende a regra muito provavelmente entende com facilidade que como ela é branca, ela não tem condição de opinar sobre movimento negro. Mas uma mulher branca não feminista (ou mesmo não defensora dessa regra) pode muito bem querer fazer críticas ao movimento negro.
E assim como os pertencentes aos grupos oprimidos devem ser compreendidos por quem nunca sentiu na pele ser parte desses grupos, seria muito bom que os que sentem na pele NÃO fazer parte de grupo oprimido também fossem compreendidos. Homens brancos héteros somos menos sensíveis com questões que afetem minorias, e, portanto, mesmo sem intenção, podemos pisar na bola. Portanto, temos que ter o direito (e o dever) de pedir desculpas. Caso isso ocorra, linchamentos reais e virtuais não são justificados. Por exemplo o Michel Teló, branco. Quando ele se pintou de preto, ele não sabia que isso era ofensivo.
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