O que me leva a acreditar que um eventual impeachment da Dilma seria sim um golpe? A falta de motivos? Não, seria o excesso de motivos. Se houvesse um motivo realmente sério, não seria necessário fazer uma lista tão grande de motivos. Todos bem fajutos. Os impicheiros se comportam igual a pseudo cientistas, aqueles que chegam à conclusão antes de começarem a pesquisa. No caso, eles primeiro chegaram à conclusão de que tem que ter impeachment, depois vão atrás do porquê.
Cogita-se impeachment desde 26 de outubro de 2014, ou até mesmo antes. O que ocorre é fácil de explicar: grupos políticos e econômicos com propostas que dificilmente entrariam no Palácio do Planalto pela porta da frente querem arrumar uma maneira de entrar pela porta dos fundos (não estou falando do humorístico). Desta forma, multiplicam-se motivos fajutos para deslegitimar a eleição e o mandato da Dilma.
Antes e logo após o segundo turno, Alberto Goldman e Fernando Henrique Cardoso insinuaram, sem dizer explicitamente, que a eleição da Dilma valia menos porque os votos dela foram de pessoas que valiam menos, ou seja, os mais pobres. Depois, o PSDB chegou a pedir pro TSE diplomar o Aécio como presidente, que teve 51 milhões de votos, 3,5 milhões a menos do que Dilma. Alegou-se que a eleição da Dilma era inválida por causa do uso dos correios de Minas Gerais. Depois, chegou a ser mencionado que Dilma deveria ser responsabilizada pela decisão de comprar a refinaria em Pasadena, no tempo em que ela era do conselho da Petrobras. O problema é que impeachment só vale para crimes de responsabilidade que o titular de um cargo comete quando ele tem este cargo. E se o OK à compra da refinaria fosse crime, o presidente da Editora Abril também é criminoso, pois ele também era do conselho e aprovou a compra. Depois falaram que a eleição da Dilma em 2010 teria que ser considerada inválida, pois a campanha recebeu dinheiro de propina da Petrobras. Este argumento também não rola porque o prazo para considerar a campanha válida ou não expirou. O mandato dos vencedores do pleito de 2010 terminou em 1 de janeiro de 2015. Como qualquer tentativa de condenar a Dilma por crime de responsabilidade relacionado ao escândalo da Petrobras é tentativa de achar pelo em ovo e não encontra qualquer respaldo legal, encontraram um pretexto completamente distinto, as pedaladas. O julgamento por causa da gambiarra no orçamento de 2014 pode até ter respaldo legal. O problema é que isso é a mesma coisa que prender um pai de família que serviu vinho para seu filho de 15 anos de idade. Se julgar uma pessoa por causa disso, vai ter que julgar uma penca de gente, vai virar um precedente muito ruim.
Alguns podem perguntar: vale a pena a esquerda defender a manutenção de um governo que não a representa? Governo de Joaquim Levy e Kátia Abreu? A resposta para esta pergunta é outra pergunta: o que o cu tem a ver com as calças? Podemos rejeitar este governo e ainda assim considerar golpe a tentativa de perverter o uso do impeachment, instrumento previsto pela constituição presidencialista para afastar titulares de cargos públicos que cometem crimes de responsabilidade durante exercício de seus cargos, tentando utilizá-lo como um voto de desconfiança do parlamentarismo, não previsto em nossa constituição.
Agora querem que fale mais de politiquês e menos de juridiquês? Não vejo vantagem nem para a oposição de esquerda ver o Brasil governado por Michel Temer, ou governado temporariamente por Eduardo Cunha até a eleição tampão do Aécio.
Parte da direita quer o impeachment porque sabe que a economia pode se recuperar até 2018, que muitas grandes obras serão inauguradas até lá, e que mesmo provavelmente sendo a favorita para o pleito de 2018, teria que suavizar o programa, fazendo às avessas o que Lula fez em 2002. Um impeachment agora permitiria a aplicação de um programa anti-popular por Michel Temer, Eduardo Cunha ou Aécio que em circunstâncias normais seria rejeitado pelas urnas. Em uma eleição tampão no início de 2016, Aécio estaria em condições bem mais favoráveis do que estaria em 2018, e teria, portanto, que fazer muito menos concessões.
A troca de governo agora, no fundo do poço da crise, daria a impressão que o PMDB ou o PSDB salvaram o Brasil, e daria hegemonia para um desses partidos para os próximos 30 anos.
Outra parte da direita quer manter a ameaça de impeachment como uma chantagem para a Dilma implantar um programa que sua base de apoio não deseja.
E um esclarecimento: gritar "Fora Dilma" é golpismo? Como eu disse em um post há alguns dias, pessoas comuns gritarem "fora Dilma" não é golpismo, é manifestação legítima de indignação. A própria esquerda adora gritar "Fora ...". Golpismo é políticos tentarem impeachment.
Sabemos que a rejeição a Dilma é generalizada em todas as regiões e classes sociais, que aproximadamente dois terços dos eleitores atualmente apoiam o impeachment. Mas não é possível dizer que Dilma deve ser punida por ter frustrado SEUS eleitores. Embora até muitos destes digam que apoiam o impeachment quando o entrevistador lhes pergunta, quem está realmente se mobilizando a favor do impeachment é quem NÃO votou nela.
Outra pergunta que alguns fazem: o PSDB não estaria apenas fingindo ser favorável ao impeachment apenas para não perder o canal de comunicação com grupos de extrema-direita, que sem esses canais de comunicação poderiam ser hostis também ao PSDB? Talvez. Mas é importante lembrar, como eu fiz em alguns posts deste blog, essa extrema-direita supostamente apartidária foi alimentada em grande parte pelo PSDB. É o partido do governo de São Paulo, que assina e anunciava na Veja. É o partido responsável por encher a TV Cultura de jornalistas da Veja, comprometendo a histórica qualidade do canal, e transformando-o em uma Fox News tupiniquim. É o partido para o qual Reinaldo Azevedo trabalhava mesmo antes dele ter virado neocon. É o partido dos economistas que mantém o Instituto Millenium, aquele que também tem agrega colunistas raivosos de direita. É o partido de alguns integrantes do "Vem pra rua".
sábado, 15 de agosto de 2015
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